
A Câmara dos Deputados aprovou nesta terça-feira (4) o projeto de lei que amplia gradualmente a licença-paternidade no Brasil de cinco para 20 dias. Pela proposta, a mudança deverá ser implantada ao longo de quatro anos após a aplicação da lei. Assim, nos dois primeiros anos, a licença seria de 10 dias, passando para 15 dias no terceiro ano e 20 no quarto. A medida segue agora para análise do Senado.
O debate sobre ampliar a presença dos pais nos cuidados iniciais movimenta não só leis e prazos, mas também diz respeito à saúde e o bem-estar das famílias. Não à toa, diversas pesquisas tentam entender o que muda quando eles conseguem ficar mais tempo no início da vida dos filhos.
Os estudos apontam efeitos que vão desde a redução no estresse doméstico ao fortalecimento do vínculo afetivo, passando por reflexos no desenvolvimento do bebê e até em melhorias de saúde. À medida que o tema ganha força por aqui, cresce também o interesse em responder a uma pergunta: o que a ciência diz sobre os benefícios da licença-paternidade maior?
Veja a seguir as principais benesses já conhecidas:
Tempo junto faz bem para todo mundo
Pesquisas de diferentes países mostram que o tempo de licença não é só um detalhe burocrático. Tempo junto faz bem para todos. Por exemplo, uma revisão bibliográfica feita por pesquisadores da Califórnia, que analisou centenas de estudos sobre o tema, observou que, em diferentes pesquisas, famílias nas quais o pai tirou a licença apresentaram menos hospitalizações entre os bebês.
A explicação passa pelo óbvio, mas também pelo profundo: o cuidado coletivo mais próximo nas primeiras semanas influencia a saúde geral da criança. Entre os benefícios que justificam isso, estão a redução do risco de lesões e maior adesão à vacinação.
Aliás, o cuidado também traz ganhos ao adulto. “Promove o desenvolvimento de áreas do cérebro que integram melhor funções como vigilância, percepção, sensação de recompensa e motivação, compreensão social e empatia”, exemplifica o neuropediatra Marcos Escobar, do Hospital Nove de Julho.
O cérebro que aprende a cuidar
Embora seja a mãe quem passa por transformações corporais desde a gestação, a ciência tem mostrado que o pai também vivencia adaptações cerebrais após o parto. E a licença-paternidade demonstra ter um papel importante nesse processo, ao dar ao cérebro o tempo necessário para se adaptar ao novo papel.
Segundo o diretor da Sociedade Brasileira de Pediatria, Rodrigo Aboudib, a transição para a paternidade representa um momento de intensa neuroplasticidade, isto é, a capacidade do cérebro de modificar sua estrutura e função em resposta às experiências. Isso quer dizer que cuidar de um bebê literalmente muda o cérebro.
Pesquisas do Laboratório de Neuroendocrinologia dos Laços Sociais da Universidade de Harvard têm indicado que o período de licença pode favorecer essas modulações.
Em um dos seus estudos, o grupo comparou as atividades cerebrais de pais de primeira viagem dos Estados Unidos e da Espanha. Os dois grupos mostraram alterações, mas os espanhóis – que contam com um período de licença mais generoso –, tiveram mudanças mais intensas em regiões cerebrais importantes para o foco e o cuidado infantil.
Aboudib confirma a hipótese: “é justamente essa oportunidade de estar junto com seu filho ou sua filha, nesses momentos iniciais, que forma e dá plasticidade ao cérebro para que seja formado um “cérebro paterno”, pontua.
+Leia também: Tempo de qualidade com os filhos ajuda no desenvolvimento infantil
É importante destacar que a maioria das pesquisas sobre o tema ainda se concentra em famílias heterossexuais, mas os especialistas ressaltam que os benefícios não dependem do gênero do cuidador.
“Quando falamos da importância do pai, estamos nos referindo à importância de uma figura de cuidado presente, afetiva e engajada”, diz Escobar. “Esse vínculo pode ser construído em qualquer arranjo familiar”, reforça o neuropediatra.
Desenvolvimento neurológico
As interações frequentes e afetuosas no primeiro ano de vida favorecem o desenvolvimento cognitivo e emocional da criança. “Essa convivência estimula áreas cerebrais relacionadas à linguagem, à regulação emocional e ao apego seguro”, explica Escobar.
Isso acontece porque o cérebro do bebê é altamente plástico nesse período e se desenvolve a partir das experiências de vínculo e responsividade dos adultos ao redor. Por isso, segundo o neuropediatra, quanto mais consistentes e sensíveis forem essas interações, mais fortes se tornam as redes neurais associadas à segurança e à aprendizagem.
+Leia também: Marcos do desenvolvimento: o que seu filho deve fazer em cada idade
Mais amamentação, mais saúde
A presença do cuidador, além da mãe, também faz diferença na amamentação, que é especialmente importante nos primeiros dias de vida. Um estudo da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), por exemplo, calculou que o risco de interrupção precoce do aleitamento materno é 1,6 vezes maior quando o pai não está presente.
Segundo Aboudib, isso repercute diretamente na saúde do bebê. “Melhorar a imunidade de uma criança passa por favorecer que ela tenha uma microbiota intestinal [conjunto de microrganismos que habitam o intestino] saudável e a melhor forma de conseguir isso é através do leite materno”, destaca.
A revisão de estudos conduzida na Califórnia reforça essa ideia. Segundo o trabalho, tudo indica que a presença do pai durante a licença-paternidade tende a aumentar a duração do aleitamento materno.
Esse efeito, ressalta o pediatra brasileiro, se traduz em uma criança mais protegida. “O intestino, por meio da microbiota, produz substâncias que modulam a resposta imunológica, alérgica, inflamatória e até a resposta à dor“, ensina. E quanto mais consistente a amamentação, mais benefícios para esse sistema.
Igualdade de gênero e bem-estar familiar
Além dos impactos na saúde, a licença-paternidade ampliada é vista como uma política de cuidado com efeitos sociais e econômicos de longo prazo.
Uma revisão conduzida pelo Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades da USP (Made/USP), que analisou mais de 50 estudos, apontou que o aumento da licença resulta em maior envolvimento dos pais nas atividades domésticas e de cuidado, maior vínculo com os filhos e menor desigualdade de gênero.
“Depois de muitos estudos, concluímos que o principal motivo para as mulheres se envolverem mais nas tarefas domésticas é um fator normativo de gênero muito forte”, explica Luiza Nassif Pires, codiretora do Made e professora do Instituto de Economia da Universidade de Campinas (Unicamp).
Para a especialista, a licença-paternidade tem potencial de transformar essa dinâmica, afetando a forma como os homens se enxergam no cuidado e nas responsabilidades familiares.
Com isso, surgem efeitos em cadeia: redução da desigualdade salarial, da violência doméstica, equilíbrio no mercado de trabalho e maior produtividade futura, já que políticas de cuidado impactam o desenvolvimento infantil e o bem-estar social.
“Por exemplo: todo mundo já ouviu um empregador dizendo que não quer contratar uma mulher porque ela pode tirar licença-maternidade. Quando a duração da licença-paternidade se aproxima, equilibramos um pouco essas condições no mercado”, aponta Pires.
Redução do estresse e equilíbrio emocional
Os benefícios se estendem também à saúde mental da família. Altos níveis de estresse no ambiente podem impactar o desenvolvimento neurológico do bebê, especialmente nos primeiros meses de vida, quando o cérebro é mais sensível às condições emocionais ao redor.
“A presença ativa de outro cuidador durante esse período contribui para reduzir a sobrecarga e aumentar a sensação de suporte, o que tende a melhorar o equilíbrio emocional de toda a família”, diz o neuropediatra.
Ainda, pesquisas mostram que o contato pele a pele entre pai e bebê eleva os níveis de ocitocina, o hormônio do afeto, em níveis semelhantes aos das mães.
Caminho a ser percorrido
Resumindo, segundo Pires, os principais resultados do levantamento do Made-USP mostram que, quando o pai está presente nos primeiros dias, crianças tendem a ter melhor bem-estar emocional, mais habilidades sociais, desempenho escolar superior e menos comportamentos de risco na adolescência. Há ainda ganhos claros na linguagem e no desenvolvimento socioemocional.
O Made/USP também chama atenção para um ponto de risco: quando a licença-paternidade depende apenas da política das empresas, e não de uma lei, ela tende a se concentrar em trabalhadores com empregos de maior escolaridade. “Isso acaba aprofundando desigualdades”, afirma Luiza. Por isso, o centro reforça a importância de que a licença seja obrigatória e acessível a todos os grupos econômicos.
Assim, para os especialistas, a discussão atual sobre uma lei relacionada à licença é bem-vinda, mas ainda representa só o início. Luiza explica que os melhores resultados aparecem em benefícios com duração de, pelo menos, 30 dias. “Estamos caminhando em direção a um modelo mais adequado, mas começamos com 10 e só chegamos a 20”, comenta.
Ainda assim, a possível ampliação é celebrada. “Esse tempo é necessário, é fundamental”, celebra Aboudib. “Esse precisa ser o primeiro passo de uma grande jornada para a mudança cultural da função paterna na família em nosso país”, afirma.
Compartilhe essa matéria via:
Fonte.:Saúde Abril


