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23 de junho de 2025

Livrado por dados e depoimentos, Filipe Martins segue cerceado

Livrado por dados e depoimentos, Filipe Martins segue cerceado

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Nas últimas semanas, uma convergência de dados e depoimentos reforçou a ausência de qualquer vínculo concreto de Filipe Martins, ex-assessor para Assuntos Internacionais do governo Bolsonaro, com a suposta conspiração golpista investigada pelo Supremo Tribunal Federal (STF). A nova leva de evidências tornou mais patente o caráter arbitrário de sua prisão preventiva no ano passado, que durou seis meses, e das medidas cautelares ainda em vigor contra ele.

As únicas acusações concretas que ainda existem contra Martins são as palavras do tenente-coronel Mauro Cid em sua delação. Nenhum outro elemento do inquérito relatado pelo ministro Alexandre de Moraes confirma a versão apresentada por Cid ao Supremo Tribunal Federal (STF). Mas até esse vínculo pode ruir.

Na semana passada, mensagem atribuídas a Mauro Cid e reveladas pela revista Veja levantaram dúvidas sobre a veracidade de seus depoimentos. Os textos indicam que Cid teria desrespeitado cláusulas do acordo de colaboração e mentido em juízo.

Em uma das mensagens, ele sugere que o conteúdo da delação foi manipulado por investigadores da Polícia Federal. Isso coloca em xeque o único e frágil alicerce da acusação contra Martins.

“O caso do Filipe Martins teve de tudo, tudo a que se tem direito e a que não se tem direito”, lamenta a consultora jurídica Katia Magalhães. “A delação de Mauro Cid nunca foi uma prova. Ela foi uma delação a toda evidência obtida mediante coação, depois de nove versões diferentes de um mesmo fato, sem chancela do PGR da época. Ainda assim, começa a ruir, primeiro pelo fato de o Mauro Cid, nos tais áudios vazados, nunca ter nem sequer mencionado a palavra ‘golpe’. Isso já é uma coisa bastante séria, porque mostra que a autoridade policial inseriu palavras na boca do relator na hora de reduzir a termo o depoimento dele, porque, segundo o Cid, ele não teria falado no tal golpe”, comenta ela.

Além das novidades que fragilizam a delação de Cid, nas últimas semanas, depoimentos colhidos durante os interrogatórios dos réus no STF enfraqueceram ainda mais a tese de envolvimento do ex-assessor.

O general Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa, declarou que Filipe Martins não participou da reunião no Palácio da Alvorada no dia 7 de dezembro de 2022 – apontada pela Procuradoria-Geral da República (PGR) como momento decisivo da suposta articulação golpista.

O general Freire Gomes, ex-comandante do Exército, foi na mesma linha. Disse que havia um assessor não identificado na reunião, mas que não reconheceu Martins entre os presentes. Em depoimento anterior à Polícia Federal, Freire havia mencionado a possibilidade de Martins estar no local, mas sem certeza.

No interrogatório de Jair Bolsonaro, o ex-presidente também isentou seu ex-assessor. Afirmou que Martins “nunca foi para lá para falar de minuta”, em referência ao Palácio da Alvorada.

Não há, até agora, nenhuma prova material que indique que Martins escreveu, circulou ou apresentou a chamada “minuta do golpe”. A própria delação de Mauro Cid admite que não há qualquer elemento documental que comprove essa acusação.

Medidas cautelares continuam e incluem censura prévia que afeta jornais

Mesmo com a falta de provas concretas e até mesmo de acusações, Martins segue submetido a uma série de medidas cautelares impostas por Alexandre de Moraes.

Ele está proibido de dar entrevistas, de se manifestar em redes sociais e de manter contato com os demais réus. É obrigado a usar tornozeleira eletrônica, está sujeito a recolhimento noturno e precisa comparecer semanalmente à Justiça.

Em agosto de 2024, Moraes impediu que Martins concedesse uma entrevista à Folha de S.Paulo. Outros veículos, como Gazeta do Povo e Poder360, também formalizaram posteriormente ao STF pedidos de entrevistas com ele e, por enquanto, estão censurados.

Durante a sessão que o tornou réu, ele não pôde ter sua imagem captada e, se fosse alvo de qualquer registro, precisaria responder por isso – o que juristas apontaram como uma terceirização absurda de responsabilidade. Os celulares de jornalistas e advogados foram lacrados na entrada da audiência.

As restrições não se limitaram à comunicação. Quando autorizado a ir a Brasília, Martins só pôde se deslocar entre o aeroporto, o hotel e o prédio do Supremo. Moraes também proibiu qualquer atividade política durante as viagens.

O conjunto de medidas foi criticado por entidades como a OAB, o Movimento de Defesa da Advocacia e a Associação dos Advogados de São Paulo, que apontaram violações à liberdade de imprensa e às prerrogativas da defesa.

Dados técnicos também isentam Filipe Martins, que já precisou provar que não viajou aos EUA

Além das declarações e da ausência de provas, a defesa de Martins reuniu diversos dados técnicos que contradizem a narrativa da acusação de que ele teria participado de uma suposta reunião golpista.

Registros de geolocalização obtidos junto à operadora TIM mostram que o celular de Martins permaneceu conectado a antenas da Asa Sul, em Brasília, durante toda a manhã do dia 7 de dezembro de 2022 – mesma data em que, segundo a acusação, ele estaria no Palácio da Alvorada para uma reunião com Bolsonaro e os comandantes das Forças Armadas. Também há registros de chamadas telefônicas feitas por ele na mesma região, além de comprovantes de internet ativa no local.

Apesar do esforço da defesa, em um contexto jurídico normal, Martins não precisaria provar que não estava na reunião, já que o ônus da prova recai sobre a acusação, e não sobre o acusado.

No caso que motivou sua prisão preventiva em fevereiro do ano passado, a defesa de Martins também já havia carregado o ônus da prova, tendo que coletar evidências de que ele não havia feito a viagem aos Estados Unidos que motivou a medida.

Como já relatou com detalhes a Gazeta do Povo, a Polícia Federal o acusou de integrar uma comitiva presidencial que embarcou para os Estados Unidos em 30 de dezembro. A defesa apresentou passagens aéreas domésticas, registros de bagagem, corridas de aplicativo e extratos bancários que mostravam sua presença no Paraná naquele período.

As autoridades americanas confirmaram que ele não entrou no país na data citada. Um registro anômalo de entrada nos Estados Unidos, com erros de grafia e uso de passaporte cancelado, chegou a ser incluído no sistema oficial, mas foi depois corrigido e removido, com suspeitas de manipulação.

Para Katia Magalhães, o caso de Filipe Martins “já se deslocou da esfera jurídica, e ninguém está mais debatendo direito”. “É muito escandaloso. Deixe eu voltar ao ‘basicão’: Filipe Martins não tem foro privilegiado. Então, em primeiríssimo lugar, não poderia estar nas mãos do Alexandre de Moraes, do STF, nada disso. Se houvesse alguma imputação delitiva, teria que estar em primeira instância. Em segundo lugar, não poderia ser alvo de uma prisão preventiva por uma suspeita de uma viagem, quando não era nem indiciado, não era réu em processo criminal, nada disso. Então, viajar fazia parte do direito de ir e vir da pessoa. Além de tudo isso, os seis meses em que foi mantido preso, com todas as irregularidades, em que houve até uma inversão do ônus da prova, ou seja, não foi a PGR que teve que provar que ele viajou, foi ele quem teve que provar que não viajou – isso, em Direito, a gente chama de prova diabólica, porque é uma modalidade de prova impossível, uma prova negativa. Mas, ainda assim, ele juntou os comprovantes das operadoras de telefone, das companhias aéreas, mostrando até os dados de geolocalização, mostrando que não saiu das fronteiras do país. E agora esse caso da delação do Mauro Cid, sobre ele ter participado ou não da reunião. E, detalhe: participar de reunião está longe de ser crime”, comenta a jurista.



Fonte. Gazeta do Povo

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