
Em um cenário de recursos cada vez mais escassos para as universidades federais, o ministério da Educação (MEC) apresentou um projeto de lei para instituir a Universidade Indígena do Brasil (Unind). A proposta, anunciada na última quinta-feira (27) junto com a criação da Universidade Federal do Esporte (UFEsporte), ainda precisa ser aprovada pelo Congresso Nacional.
A sede da Unind está prevista para ser em Brasília, mas a instituição terá formato multicampi, com diversos polos em outras regiões e estados. Essa estrutura pretende permitir que estudantes indígenas cursem o ensino superior sem precisar deixar suas comunidades. O modelo foi definido após um processo de consulta aos povos indígenas que durou quase 10 meses.
A universidade oferecerá cursos de graduação e pós-graduação em áreas estratégicas para os povos indígenas, como gestão ambiental e territorial, promoção das línguas indígenas e agroecologia. Também estão previstos cursos como gestão de políticas públicas, direito, engenharias e tecnologias, com o objetivo de formar profissionais capazes de atuar no desenvolvimento dos territórios indígenas.
Universidades federais relatam problemas de custeio
Apesar do anúncio pomposo no Palácio do Planalto, não há prazo para a concretização da Unind, já que a proposta depende da aprovação do Legislativo. Outro desafio para a Unind ser implementada é o orçamento, já que os recursos destinados às universidades federais vêm sofrendo cortes significativos nos últimos anos.
Segundo dados divulgados pela Gazeta do Povo, o orçamento das federais teve uma alta pontual em 2023 (19,5%) devido à flexibilização do teto de gastos através da PEC 32/2022. Em 2024, no entanto, os recursos financeiros voltaram a cair: -7,6%. Em 2025, a previsão é de -4,9%.
“Embora não tenha sido divulgado o aporte de recursos destinados à nova instituição, estima-se que o projeto demandará algumas dezenas ou mesmo centenas de milhões para a formação das primeiras turmas. Diante da crise orçamentária que afeta as universidades federais já há algum tempo, a criação não apenas dessa como de outras instituições irá dramatizar ainda mais esse cenário”, avalia Denise Leal Albano, professora da Universidade Federal de Sergipe (UFS).
Anúncios de cortes feito por reitorias têm sido cada vez mais frequentes. A Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) anunciou em julho uma série de cortes de gastos para enfrentar o déficit orçamentário de quase R$ 24 milhões de reais. Em abril, a Universidade Federal da Paraíba (UFPB) também anunciou um corte de R$ 3 milhões.
O reitor da Universidade de Sergipe (UFS), André Maurício Conceição de Souza, escreveu, no último mês de agosto, uma carta pública sobre os graves problemas de custeio da instituição. “Na prática, a universidade dispõe de cerca de R$ 15 milhões a menos do que o necessário para repetir as condições financeiras de 2016. Isso sem considerar as novas demandas e custos adicionais surgidos ao longo do tempo, com a ampliação de estruturas e cursos da universidade”, destacou Souza.
Mesmo com o alto valor destinado às federais no orçamento, professores relatam que a estrutura precária é visível em diversas instituições. “Apesar do desespero dos reitores das federais para pagarem as contas de água, luz, internet, terceirizados, o governo Lula continua criando universidades à ‘toque de caixa’. Somente com as universidades federais, o governo gasta quase 60 bilhões de reais por ano. Ainda assim, esse volume gigantesco de recursos não é suficiente, sequer, para manter abertas essas instituições de ensino”, critica Rodorval Ramalho, professor da UFS.
Procurado pela reportagem, o MEC reforçou que a criação da Unind é uma “demanda histórica”. “A Unind é uma iniciativa do Governo do Brasil para a formação de indígenas a partir de um modelo educacional que fortaleça as identidades e os saberes tradicionais, em diálogo com a educação não indígena. É uma demanda histórica, que reafirma a diversidade e o princípio da autonomia dos povos originários desse país e fortalece a identidade, a cultura e as línguas indígenas”, afirmou Camilo Santana, ministro da Educação, durante a cerimônia no Palácio do Planalto.
Ensino superior também enfrenta problemas de qualidade
Os especialistas ressaltam que já existem políticas públicas para ampliar o acesso indígena ao ensino superior, como a Lei de Cotas e editais para vestibulares específicos para o público-alvo. A UnB abriu recentemente 154 vagas para indígenas em mais de 40 cursos de graduação. Para 2026, a Universidade Federal de Roraima (UFRR) previu 125 vagas para indígenas em 81 cursos de graduação, incluindo direito, medicina e jornalismo.
“Se há o propósito de promover acesso de indígenas ao ensino superior, já não temos cotas para esse grupo em nossas universidades? Se o propósito é prover-lhes uma formação universitária em áreas como educação, gestão ambiental e saúde que leve em conta os ‘saberes tradicionais’ desses povos, não poderiam ser publicados editais com as diretrizes curriculares? Tal iniciativa do governo Lula se insere no contexto do que eu chamo de populismo acadêmico que também faz suas concessões ao identitarismo, apoiado no discurso de dívida histórica”, aponta Albano.
Ramalho acredita que as universidades estão cada vez mais voltadas para questões assistencialistas. “Tais instituições trouxeram para si, equivocadamente, a obrigação de acabar com todas as injustiças sociais do país. Por óbvio, não é essa a função principal de uma universidade. Não à toa, ficamos cada vez mais, distantes dos bons rankings internacionais das melhores universidades. Ciência e inovação é coisa de neoliberal”, destaca.
A produção acadêmica das universidades federais também tem sido questionada, tanto pela falta de impacto internacional quanto pelo aspecto ideológico de muitas dissertações e teses. Por exemplo, uma tese de doutorado sobre a prática de malhação de rua em Salvador, uma análise feminista da submissão feminina na Bíblia e outra sobre o genocídio da população negra no Brasil estão entre os trabalhos premiados pela Capes em 2024. Temas como esses evidenciam a predominância da militância ideológica em detrimento da qualidade científica.
“Pesquisas mostram que a qualidade da formação superior vem decaindo no país nos últimos anos, sem qualquer medida mais concreta dos gestores da área para elevá-la. São inúmeros e graves os problemas que afetam a educação superior pública brasileira, mas o governo federal parece ignorá-los ou desprezá-los enquanto infla esse sistema, gerando mais distorções e equívocos que o tornam cada vez mais disfuncional”, finaliza Albano.
Fonte. Gazeta do Povo


