
Crédito, Ricardo Stuckert/Presidência da República
- Author, Julia Braun
- Role, Enviada da BBC News Brasil a Roma
Durante as conversas, Lula teria, em um gesto de aproximação com o papa, dito que os dois agora “já eram amigos”, segundo um interlocutor ouvido pela reportagem em caráter reservado.
Além de Lula, estiveram presentes no encontro a primeira-dama Janja, os ministros Mauro Vieira, Wellington Dias e Paulo Teixeira, o embaixador do Brasil junto ao Vaticano, Everton Veira, entre outros.
Em um primeiro momento, teriam se reunido apenas o pontífice, Lula e a primeira-dama, em uma conversa a portas fechadas. Posteriormente, se juntaram os ministros Mauro Vieira, Wellington Dias e Paulo Teixeira, o embaixador do Brasil junto ao Vaticano, Everton Veira, e outros membros da delegação.
Inicialmente a audiência seria tratada como uma visita de Estado, mas, poucas horas antes do encontro, a Santa Sé informou ao governo brasileiro que haveria apenas uma reunião privada, sem todas as honras endereçadas a outros líderes mundiais.
Segundo um membro do Ministério de Relações Exteriores brasileiro, a decisão de mudar o programa foi do Vaticano e foi comunicada sem muitas explicações.
Com a alteração, autoridades da diplomacia da Santa Sé, como o cardeal secretário de Estado, Pietro Parolin, não estiveram presentes. Uma visita privada também geralmente significa que temas de caráter público e estatal não são tratados.
Ainda assim, o presidente brasileiro disse ter falado com o pontífice sobre “religião, fé, o Brasil e os imensos desafios que temos que enfrentar no mundo”.

Crédito, Ricardo Stuckert/Presidência da República
Como de costume, Lula e Leão 14 também trocaram presentes. O chefe de Estado recebeu uma placa, feita à mão em baixo-relevo de prata e pintada com esmaltes a fogo, representando a Mãe do Bom Conselho.
Já Lula deu ao pontífice um quadro do artista Waxamani Mehinako, com grafismos indígenas mehinako.
Segundo adiantaram fontes da diplomacia brasileira à BBC News Brasil antes mesmo da audiência com o papa, temas como justiça social, meio ambiente, defesa da paz e da democracia e inteligência artificial (IA) estariam entre os que poderiam ser discutidos entre Lula e Leão 14.
Em uma postagem em suas redes sociais, o presidente confirmou as expectativas.
Lula indicou ainda que Leão 14 não poderá comparecer à COP 30 em Belém, em novembro, mas disse que o pontífice deseja ir ao Brasil em algum momento.
“Ficamos muito felizes em saber que sua Santidade pretende visitar o Brasil no momento oportuno. Será muito bem recebido, com o carinho, o acolhimento e a fé do povo brasileiro”, escreveu Lula.
O atual papa é o quarto pontífice a se reunir com o presidente brasileiro. Durante seus três mandatos, Lula foi recebido no Vaticano pelos papas João Paulo 2º, Bento 16 e Francisco.
A última ida do presidente brasileiro para Roma foi em abril deste ano, para participar do velório de Francisco, que faleceu em 21 de abril, aos 88 anos.
Lula viajou a Roma desta vez para participar do Fórum Mundial da Alimentação, promovido pela Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), que acontece nesta semana. Ele discursa ainda nesta segunda-feira na conferência.
O encontro com o papa vinha sendo costurado há alguns dias pelo governo brasileiro, que queria aproveitar a passagem por Roma para uma visita ao Vaticano. A agenda de Leão 14, porém, estava disputada por conta do fórum organizado pela FAO.
O evento leva diversos chefes de Estado e representantes de governos estrangeiros a Roma, muitos dos quais pedem para se reunir com o papa.
O pontífice não costuma receber visitantes no Vaticano tão cedo na manhã, mas teria aberto uma exceção diante do grande número de solicitações e do pedido do Brasil, segundo interlocutores da diplomacia brasileira.
Confira, a seguir, os temas e interesses que aproximam Vaticano e Brasil, que foram centrais para concretizar o encontro entre Lula e Leão 14 nesta segunda.
Justiça social e pobreza
Leão 14 publicou na semana passada a primeira Exortação Apostólica — um documento oficial da Igreja contendo um ensinamento sobre determinado assunto — de seu papado. Intitulada Dilexi Te (Eu Te Amei, em português), a publicação denuncia as estruturas econômicas desiguais e a fome no mundo.
O pontífice americano naturalizado peruano pede uma mudança de mentalidade em relação às pessoas marginalizadas e critica a desigualdade do sistema econômico mundial e “uma cultura que descarta os outros”.
“Não devemos baixar a guarda diante da pobreza. Preocupam-nos, de modo particular, as graves condições em que vivem muitíssimas pessoas, devido à escassez de alimentos e água potável. Todos os dias morrem milhares de pessoas por causas relacionadas com a desnutrição”, diz o papa no documento.
Segundo fontes ouvidas pela BBC News Brasil, a publicação da Exortação Apostólica e a realização do Fórum Mundial da Alimentação já indicavam que Leão 14 estaria interessado em discutir o combate à injustiça social e à fome com Lula.
Após o encontro, o presidente brasileiro afirmou ter parabenizado o papa por sua Exortação Apostólica. “Disse a ele que precisamos criar um amplo movimento de indignação contra a desigualdade e considero o documento uma referência, que precisa ser lido e praticado por todos”, escreveu Lula.
“Falei ao Papa sobre minha participação hoje no encontro da FAO e como em dois anos e meio tiramos pela segunda vez o Brasil do Mapa da Fome. E, agora, estamos levando este debate para o mundo por meio da Aliança Global contra a Fome e a Pobreza”, disse ainda.
Para o teólogo e historiador Gerson Leite de Moraes, professor na Universidade Presbiteriana Mackenzie, Leão 14 tem vasto conhecimento sobre a situação social e econômica da América Latina, após viver no Peru por mais de duas décadas, de 1985 até 2023, antes de assumir o cargo no Vaticano.
Segundo o especialista, isso e uma certa “familiaridade ideológica” aproximam Leão 14 de Lula.
“O PT foi, de alguma forma, influenciado pelos movimentos sociais que estavam presentes na Igreja Católica brasileira no final dos anos 70 e começo dos 80, entre eles a teologia da libertação”, diz Moraes, que lembra ainda que o mesmo movimento também teve grande força em outros países da América Latina, inclusive no Peru.
“Então há familiaridades históricas, sociais e ideológicas que aproximam Lula de deste papa.”
Paz, democracia e IA
Desde o início de seu papado, Leão 14 tem demonstrado ainda grande interesse pela defesa da paz.
O tema foi o foco de seu discurso inaugural, proferido em frente a uma multidão de fiéis na Praça de São Pedro, logo após a sua eleição.
“A humanidade precisa de Cristo como ponte para ser alcançada por Deus e por seu amor. Nos ajudem, e ajudem uns aos outros, a construir pontes com diálogo, com encontros. Todos juntos, em um só povo, sempre em paz”, disse.
Desde então, o pontífice se manifestou diversas vezes pelo fim dos conflitos mundiais, citando as guerras na Ucrânia e na Faixa de Gaza, além de outras disputas, como entre Índia e Paquistão na região da Caxemira.
Por tudo isso, membros da diplomacia brasileira e observadores do Vaticano acreditavam que alguma discussão sobre a luta pela paz poderia surgir no encontro com Lula.
O vaticanista Filipe Domingues, diretor do Lay Centre, em Roma, e professor na Pontifícia Universidade Gregoriana, também em Roma, afirma que, embora o Brasil não tenha participação direta na construção da paz nesses conflitos, adota posições muito semelhantes à da Santa Sé, especialmente na guerra em Gaza.
Da mesma forma, a defesa da democracia é vista como um tema de interesse tanto para o Vaticano quanto para o governo brasileiro.
Segundo Gerson Leite de Moraes, o Vaticano tem reconhecido por meio de comunicados e declarações de autoridades diversas que há uma crise na democracia mundial.
“E o Brasil é uma democracia forte que tem punido aqueles que atentaram contra a democracia”, diz.
De acordo com um diplomata ouvido em caráter reservado pela reportagem, também é de interesse do Brasil e do Vaticano manter discussões sobre regulamentação das redes sociais e inteligência artificial, tópicos que vêm sendo abordados pela Igreja Católica recentemente.
Em junho, Leão 14 ressaltou em uma mensagem a necessidade de uma “governança global” das novas tecnologias e afirmou que as novas tecnologias não podem substituir “o discernimento moral” e a riqueza das relações humanas.
“A humanidade está numa encruzilhada, enfrentando o imenso potencial gerado pela revolução digital impulsionada pela inteligência artificial. O impacto desta revolução é de longo alcance, transformando áreas como educação, trabalho, arte, saúde, governança, forças armadas e comunicação”, disse o papa no texto divulgado pelo Vaticano.
Por fim, aponta o teólogo e padre Dayvid da Silva, professor na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), o Vaticano também pode ter interesse em revisitar o tema da liberdade religiosa novamente.
“As questões dos direitos da Igreja Católica e da liberdade religiosa foram reconhecidas no acordo Brasil-Santa Sé, do dia 11 de fevereiro de 2010, quando o presidente Lula cumpria o seu segundo mandato, e o papa era Bento 16”, explica o religioso.
Meio ambiente e COP 30

Crédito, Ricardo Stuckert/Presidência da República
Leão 14 foi convidado pelo governo brasileiro a participar da COP30, que acontecerá em Belém entre os dias 10 e 21 de novembro.
O convite foi formalizado pela ministra do Meio Ambiente e Mudança Climática do Brasil, Marina Silva, durante um evento realizado no Vaticano há algumas semanas.
“A questão climática interessa tanto a Lula quanto ao papa. E o próprio debate que vai ocorrer na COP no Brasil é importante para a Igreja Católica”, avalia Gerson Leite de Moraes.
Lula disse ter reforçado o convite em sua reunião com o papa, mas confirmou que o pontífice já está com a agenda lotada.
“Convidei-o a vir à COP30, considerando a importância histórica de realizarmos uma Conferência do Clima pela primeira vez no coração da Amazônia. Por conta do Jubileu, o Papa nos disse que não poderá participar, mas garantiu representação do Vaticano em Belém”, escreveu Lula nas redes sociais.
“Ficamos muito felizes em saber que sua Santidade pretende visitar o Brasil no momento oportuno. Será muito bem recebido, com o carinho, o acolhimento e a fé do povo brasileiro.”
Católicos no Brasil
De acordo com dados do Censo feito pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), os católicos eram 74% da população brasileira no ano 2000. Dez anos mais tarde, eram 65%.
Diante do cenário, estudiosos e membros da Igreja no Brasil têm demonstrado preocupação com a queda do interesse na vida religiosa e a perda da relevância do catolicismo no país.
No entanto, um diplomata ouvido em caráter reservado pela reportagem antes da reunião, disse que não havia expectativa de que o tema fosse tratado diretamente entre Lula e Leão 14.
“Esse é um tema que é mais tratado pela CNBB”, disse a fonte, em referência à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil.
E para o teólogo Gerson Leite de Moraes, apesar de pesquisas recentes mostrarem uma queda na influência da Igreja Católica e no número de pessoas que frequentam cerimônias religiosas, a morte e o legado do papa Francisco têm representado “uma espécie de reavivamento” para a Santa Sé.
“Muita gente entende que os posicionamentos de Francisco serviram para estancar a queda de fiéis na Igreja Católica”, diz o professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie.
Fonte.:BBC NEWS BRASIL