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- Author, Daniel Pardo
- Role, BBC Mundo
Para o Comitê Norueguês do Nobel, ela é reconhecida “por seu trabalho incansável na promoção dos direitos democráticos do povo da Venezuela e por sua luta por uma transição justa e pacífica da ditadura à democracia”.
Com o passar dos anos, Corina Machado se tornou a principal voz de resistência ao regime chavista, atualmente liderado por Nicolás Maduro, que governa a Venezuela há décadas.
Nos últimos meses de 2024, Corina Machado enfrentava uma ordem de prisão. Antes disso, já era vista como a “inimiga número um” do chavismo — a opositora que, mesmo nos períodos de maior força do regime, manteve críticas diretas a Hugo Chávez e ao sistema que ele criou.
O governo venezuelano impôs sucessivas restrições: proibiu sua saída do país, cassou seu mandato de deputada na Assembleia Nacional e a inabilitou para cargos públicos, sob a acusação de vínculos com o “imperialismo” dos Estados Unidos.
Apesar das sanções, ela manteve atuação política e consolidou-se como principal líder da oposição venezuelana.
E fez isso por mérito próprio.
Entre 2023 e 2024, Corina Machado percorreu a Venezuela duas vezes, mesmo após ter voos cancelados, estradas bloqueadas e o carro atacado com sangue de animal.
Durante as viagens, em meio a ruas lotadas, dezenas de pessoas lhe entregaram terços — que ela guarda com nome, local e data — e costuma usar ao redor do pescoço. Em grandes comícios, chega a carregar até dez sobre o peito.
“Com cada um posso lembrar por que faço o que faço e quantas orações nos animam a continuar lutando”, disse a líder opositora após as eleições de 28 de julho de 2024, nas quais Maduro foi declarado vencedor, apesar das denúncias de fraude da oposição e de o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) não ter divulgado os resultados detalhados, como pediu grande parte da comunidade internacional para legitimar o suposto triunfo.
Corina Machado reacendeu a esperança de milhões de venezuelanos que desejam mudança de governo. Fez isso antes e depois da votação, mesmo sob ceticismo sobre o caminho eleitoral. Menos de uma hora após o anúncio oficial do CNE, alinhado ao governo, Corina Machado declarou que o candidato opositor Edmundo González Urrutia havia vencido — e afirmou ter provas.
Com experiência em observação eleitoral, ela coordenou uma rede de verificação paralela que reuniu as atas oficiais protegidas por fiscais da oposição. O cruzamento dos dados revelou discrepâncias em relação ao resultado divulgado pelo CNE. Países como os Estados Unidos reconheceram González como vencedor, citando as “provas contundentes” apresentadas pela oposição.
“Vencer levou tempo, e fazer valer a vitória também pode levar”, disse Corina Machado em mensagens de voz a apoiadores. “É preciso resistir, e continuar perto das pessoas, dizendo que não vamos abandoná-las, porque iremos até o fim.”
O lema “até o fim” consolidou sua imagem como figura maternal e símbolo de resistência. Tornou-se líder de uma coalizão opositora que por anos a considerou incômoda por rejeitar o diálogo e defender intervenção internacional.
Em entrevista em novembro de 2023, Corina Machado reconheceu mudanças em sua postura: “Cometemos muitos erros. Quando se erra acreditando fazer o certo, ou por falta de informação, ou por subestimar o que se enfrenta, é preciso aprender. Temos nos redescoberto e percebido que somos capazes de muito mais.”
Quem é Maria Corina Machado
Ainda em 2011, após um discurso em que ela, na época uma congressista, questionou Hugo Chávez durante um discurso, o então presidente venezuelano respondeu com desdém.
“Sugiro que ganhe as primárias”, disse Chávez. “Está fora do ranking para discutir comigo (…) Águias não caçam moscas.”
Doze anos depois, em outubro de 2023, Corina Machado venceu com mais de 90% dos votos as eleições primárias da oposição venezuelana, tornando-se pela primeira vez líder do movimento de oposição ao chavismo, liderado por Maduro desde 2013.
Dezenas de milhares de venezuelanos que vivem no exterior, que por anos ficaram excluídos do processo eleitoral, participaram das primárias da oposição. E a participação de quase 1,5 milhão de eleitores superou as expectativas.
As eleições foram realizadas sem apoio estatal, com censura aos meios de comunicação locais e obstáculos logísticos, técnicos e orçamentários.
Os organizadores consideraram as eleições um “sucesso”, no entanto, porque mostraram a vitalidade do eleitorado de oposição e a vontade de muitos venezuelanos de participar de um processo democrático.
A questão, no entanto, é que Corina Machado ficou impossibilitada de concorrer a cargos públicos, a unidade da oposição é frágil e a vontade do governo de Maduro – e das Forças Armadas – continua a ser a mais importante variável na equação política venezuelana.
Em 26 de janeiro de 2024, o Supremo Tribunal de Justiça da Venezuela (TSJ), acusado de agir sempre a favor do governo Maduro, emitiu uma decisão confirmando que Machado está inabilitada para exercer cargos públicos por 15 anos. Ela é alvo de diferentes acusações, como corrupção e formação de quadrilha, mas nega qualquer irregularidade.
Pouco depois da decisão do TSJ, Machado acusou Maduro de descumprir o Acordo de Barbados, firmado na ilha caribenha em 2023, quando o governo venezuelano garantiu um calendário para as eleições de 2024, inclusive com participação e observação de órgãos internacionais.
Em troca, foram levantadas algumas sanções financeiras que impediam o governo venezuelano de receber receitas provenientes da venda de petróleo.
Corina Machado acabou se tornando o braço direito e companheira de campanha de González Urrutia. Ela o apoiou como candidato único, depois que o governo venezuelano a impediu de concorrer à presidência.
Maduro acabou vitorioso na eleição, segundo o resultado oficial, mas o resultado foi amplamente contestado.
Os EUA e a maioria dos governos da região questionaram a vitória de Maduro, e alguns até reconheceram González Urrutia como presidente. O Brasil não reconheceu a vitória de Maduro. O candidato da oposição deixou a Venezuela pouco depois do pleito devido a ameaças de prisão, exilando-se na Espanha.
Mas Corina Machado permaneceu no país. Em janeiro de 2025, ela foi presa, mas solta minutos depois durante um protesto contra a posse de Maduro, após meses escondida na clandestinidade. Ela não era vista em público desde o final de agosto de 2024, em meio a um período em que se intensificaram as prisões de cidadãos comuns e líderes da oposição.
Em entrevista à BBC News Mundo, o serviço de notícias em espanhol da BBC, naquele mesmo janeiro de 2025, ela declarou que o chavismo nunca esteve tão debilitado quanto agora.
Machado pediu ainda a Maduro que não permaneça no poder pela força. “Ele sabe que não tem como permanecer no poder, exceto pelo uso da violência, o que é insustentável”, defendeu ela, em entrevista concedida por teleconferência.
Corina Machado afirmou também que Maduro vive “entrincheirado em Miraflores”, o palácio presidencial venezuelano, e o acusa de exercer “ocupação territorial” da Venezuela. Ela destaca que a decisão sobre sua forma de sair está nas mãos do próprio presidente.
“Nós construímos um movimento social e cultural que transformou a Venezuela. Fizemos sem dinheiro, sem meios de comunicação e sem armas. Sem nenhum tipo de apoio internacional, além da diplomacia, e veja onde estamos. Nós já derrotamos Maduro, derrotamos nas ruas, derrotamos nos corações dos venezuelanos e derrotamos nos votos”, disse ela.
Afinal, como Corina Machado chegou a esse patamar tão importante na oposição venezuelana?
‘A Dama de Ferro’
Maria Corina Machado Parisca tem 57 anos e três filhos. Ela é a mais velha de quatro irmãs em uma família liderada por um renomado empresário do setor metalúrgico que teve suas empresas expropriadas por Chávez. Sua mãe é uma renomada psicóloga e tenista.
Engenheira industrial com especialização em finanças, Corina Machado trabalhou em diversas empresas do setor industrial antes de passar a atuar em organizações de combate à pobreza e de fiscalização eleitoral.
Aproximou-se do Partido Republicano dos Estados Unidos, ligação que a levou à Casa Branca, onde se encontrou com o presidente George W. Bush para falar sobre a situação venezuelana, que despertava crescente interesse na época devido à proximidade de Chávez com Fidel Castro.

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Pelo chavismo, sempre foi vista como colaboradora do “golpe imperialista”. Ela foi acusada de receber ilegalmente dinheiro de fundações americanas, o que lhe rendeu a proibição de sair do país por três anos.
Em 2010, no entanto, ela chegou à Assembleia Nacional como deputada independente e com um discurso anticomunista e crítico às expropriações.
Foi nesse período, em 2012, que disputou as primárias da oposição, perdendo por ampla margem para Henrique Capriles, que concorreu, mas se retirou do pleito na última hora.
Em 2014, junto com Leopoldo López, Corina Machado promoveu um movimento de protesto para retirar Maduro do poder, o que lhe custou o cargo na Assembleia por acusação de conspiração golpista.
De lá para cá, Corina Machado tornou-se uma das lideranças mais radicais da oposição: promoveu protestos em 2017 e 2019, passou a classificar o governo como uma ditadura, rejeitou todas as tentativas de negociação com o chavismo, defendeu o uso da força para destituir Maduro e se opôs aos principais partidos da oposição, que acusou de serem “colaboradores”.

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Quando muitos viam sua liderança diminuir, ela manteve-se firme nas suas posições e ações, costurando uma base de apoio e recusando-se a deixar o país, opção que muitos opositores acabaram por escolher.
Sua trajetória política somada provavelmente à tradição metalúrgica de sua família, rendeu-lhe o apelido de “dama de ferro”.
À medida que as lideranças de Capriles, López e Juan Guaidó foram se desgastando, ela surgiu como a opção mais óbvia para enfrentar Maduro.
Durante a campanha eleitoral, Corina Machado apresentou propostas como a abertura da economia aos investimentos internacionais, a privatização de algumas empresas de um Estado que espera encolher, a ida aos bancos de desenvolvimento em busca de empréstimos e a promoção da exploração privada das reservas de petróleo, consideradas as maiores do mundo.
Machado realizou uma campanha meteórica por todo o país sob o lema “até o fim”, apesar das perseguições e das diversas agressões que sofreu – chegaram a atirar sangue animal contra ela.
Essa resiliência talvez teimosa, que não é nova nem incomum nos políticos venezuelanos, finalmente deu frutos a Machado.

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No ano passado, a oposicionista venezuelana fez um duro questionamento ao presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva.
“Eu chorando, Presidente @LulaOficial? O senhor diz porque sou mulher?”, escreveu ela em uma rede social.
Lula havia sido questionado por jornalistas sobre a comparação que fez entre o pleito venezuelano e o processo eleitoral no Brasil, quando afirmou que “se o candidato da oposição tiver o mesmo comportamento do nosso aqui, nada vale”.
Jornalistas pediram então que o presidente explicasse melhor o paralelo entre as duas eleições.
Lula negou que tivesse feito uma ligação entre a situação no Brasil e na Venezuela e lembrou que foi impedido de concorrer nas eleições de 2018.
“Ao invés de ficar chorando, eu indiquei outro candidato, e ele disputou as eleições”, disse o presidente.
Ela rebateu a fala de Lula no X: “O senhor não me conhece. Estou lutando para fazer valer o direito de milhões de venezuelanos que votaram por mim nas primárias e os milhões que têm direito de votar em umas eleições presidenciais livres nas quais derrotarei o Maduro”.
“A única verdade é que Maduro tem medo de me enfrentar porque sabe que o povo venezuelano está hoje na rua comigo”, concluiu Machado.
O Planalto negou depois que Lula estivesse se referindo a Machado.
“O presidente não fez afirmação sobre ninguém especificamente. Ele não disse que ninguém ficou chorando. Apenas que ele não chorou, relatando a situação que ele próprio viveu”, disse o governo em nota à imprensa.
“O presidente Lula apoiou a primeira presidenta mulher Brasileira, Dilma Rousseff em 2010, então o comentário mostra que ela não conhece o presidente e faz uma ilação sem base.”
Fonte.:BBC NEWS BRASIL