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- Author, Jasmin Fox-Skelly
- Role, BBC Future
Claramente, era uma bobagem.
Foi a reação da analista química Perdita Barran, quando um colega contou a ela sobre uma mulher escocesa que afirmava que conseguia sentir o cheiro do mal de Parkinson.
“Ela provavelmente está apenas sentindo o odor de pessoas idosas, reconhecendo os sintomas de Parkinson e fazendo algum tipo de associação”, pensou Barran sobre o caso.
A mulher era uma enfermeira aposentada, hoje com 75 anos, chamada Joy Milne.
Ela havia entrado em contato com um colega de Barran, o neurocientista Tilo Kunath, da Universidade de Edimburgo, na Escócia, quando ele foi palestrante em um evento, em 2012.
Milne contou a Kunath que ela descobriu sua capacidade quando observou que seu marido, Les, havia desenvolvido um novo odor almiscarado, anos antes.
Posteriormente, ele foi diagnosticado com mal de Parkinson, uma doença neurodegenerativa progressiva, caracterizada por tremores e outros sintomas motores.
Milne só fez a conexão quando compareceu a uma reunião em grupo de pacientes de Parkinson, na sua cidade natal de Perth, na Escócia. Ela percebeu que todos os pacientes tinham o mesmo odor almiscarado.
“Por isso, nós decidimos testar se ela tinha razão”, conta Barran. Na época, a analista trabalhava na Universidade de Edimburgo e, hoje, está na Universidade de Manchester, na Inglaterra.
Kunath, Barran e seus colegas pediram a Milne que cheirasse 12 camisetas. Seis delas haviam sido usadas recentemente por pacientes com Parkinson e outras seis eram de outras pessoas, sem a doença.
A enfermeira aposentada não só identificou corretamente os seis pacientes, como encontrou uma sétima pessoa, que foi diagnosticada com Parkinson menos de um ano depois.
“Foi meio que incrível”, relembra Barran. “Ela pré-diagnosticou a condição, como havia feito com seu marido.”
O cheiro das doenças
A história de Milne não é tão fora do comum quanto se pode imaginar.
O corpo humano libera uma série de odores diferentes. E um novo cheiro pode indicar que algo mudou no corpo ou deu errado.
Agora, os cientistas estão trabalhando em técnicas para detectar sistematicamente biomarcadores olfativos que possam acelerar o diagnóstico de um fantástico conjunto de condições médicas. Elas variam do mal de Parkinson até lesões cerebrais e câncer.
A chave para detectar essas doenças pode estar escondida bem debaixo do nosso nariz.

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“Fico maluco ao ver que as pessoas estão morrendo e estamos introduzindo agulhas no seu traseiro para descobrir se elas têm câncer de próstata, enquanto o sinal já é emitido e os cães podem detectá-lo”, afirma o físico Andreas Mershin.
Ele é um dos fundadores da empresa RealNose.ai, que está desenvolvendo um nariz robótico para diagnosticar doenças com base no odor das pessoas.
Esta é uma tecnologia necessária, já que relativamente poucas pessoas possuem um nariz suficientemente poderoso para detectar as denunciadoras substâncias bioquímicas que surgem nos primeiros estágios de uma doença.
Joy Milne é uma dessas pessoas. Ela tem hiperosmia hereditária, uma característica que faz com que seu olfato seja muito mais sensível do que a média dos seres humanos. Ela é uma espécie de superfarejadora.
Existem doenças que emitem um forte cheiro característico que a maioria dos seres humanos consegue sentir.
O hálito ou a pele das pessoas diabéticas com episódio de hipoglicemia, por exemplo, pode ter aroma de frutas ou “maçãs estragadas”, devido ao acúmulo de substâncias ácidas com cheiro de fruta chamadas cetonas na corrente sanguínea.
Estes odores são produzidos quando o corpo metaboliza gordura, em vez de glicose.
As pessoas com doenças hepáticas podem produzir um odor sulfuroso ou mofado no seu hálito ou na urina. E, se o seu hálito tiver cheiro de amônia, peixe ou similar à urina, este pode ser um sinal de doença renal.

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Algumas doenças infecciosas também emitem cheiros característicos.
Fezes com odor doce podem ser sinal de infecção com cólera ou com a bactéria Clostridioides difficile, uma causa comum de diarreia. Mas um estudo encontrou um grupo de infelizes enfermeiros hospitalares que foram incapazes de diagnosticar com precisão os pacientes cheirando suas fezes.
Mas detectar outras doenças exige um nariz especial.
Mas nem todos os cães têm todo o necessário para se tornarem detectores de doenças. E treinar os animais exige tempo.
Cientistas afirmam que podemos reproduzir as extraordinárias capacidades olfativas caninas (e de pessoas como Milne) em laboratório, para talvez possibilitar que um simples cotonete seja suficiente para o teste.
Barran, por exemplo, utiliza cromatografia gasosa-espectrometria de massa para analisar sebo (uma substância oleosa produzida na pele das pessoas) de pacientes com Parkinson.
A cromatografia gasosa separa os compostos e a espectrometria de massa os pesa, permitindo determinar a natureza exata das moléculas presentes. As indústrias de alimentos, bebidas e perfumes já utilizam rotineiramente esta forma de análise de odores.
Testes rápidos
Dos cerca de 25 mil compostos comumente encontrados na pele humana, cerca de 3 mil são regulados de forma diferente em pessoas com Parkinson, segundo Barran.
“Estamos agora em posição de reduzir este número para cerca de 30, com diferenças realmente muito consistentes, em todas as pessoas com Parkinson”, explica ela.

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Muitos desses compostos são lipídios ou gorduras e ácidos graxos de cadeia longa, segundo Barran.
“O que descobrimos é que a capacidade das células de transportar ácidos graxos de cadeia longa para o interior da mitocôndria é prejudicada [em pessoas com mal de Parkinson]”, explica a pesquisadora.
“Sabemos, portanto, que existem mais desses lipídios em circulação pelo corpo. Alguns deles são excretados pela pele e é o que nós medimos.”
A equipe, agora, está desenvolvendo um simples teste da pele com swab, que pode detectar o mal de Parkinson nos seus estágios iniciais.
Atualmente, os clínicos gerais costumam encaminhar as pessoas com sintomas de tremores para um neurologista, que irá, então, fazer o diagnóstico. Mas isso pode levar anos.
“O que queremos é ter um teste não invasivo, muito rápido, que permita selecionar uma pessoa de forma eficiente, para podermos, então, consultar um neurologista, que irá avaliá-la e dizer ‘sim’ ou ‘não'”, explica Barran.
O papel das moléculas
Mas por que as doenças alteram nosso odor corporal? Isso se deve a um grupo de moléculas conhecidas como compostos orgânicos voláteis (COVs).
Para permanecer vivo, o nosso corpo precisa transformar continuamente os alimentos e bebidas em energia.
Para isso, uma série de reações químicas ocorre nas mitocôndrias, as minúsculas estruturas celulares que convertem os açúcares da nossa alimentação em energia que o nosso corpo pode utilizar.
Estas reações químicas produzem moléculas conhecidas como metabólitos. Algumas delas são voláteis, ou seja, elas podem evaporar facilmente à temperatura ambiente — e, possivelmente, ser captadas pelo nosso nariz.
Os COVs são, então, expelidos pelo corpo.
“Se você sofrer uma infecção, doença ou lesão, é claro que haverá efeitos sobre o seu metabolismo”, afirma o ecologista químico Bruce Kimball, do Centro dos Sentidos Químicos Monell, um instituto de pesquisa localizado na Filadélfia, nos Estados Unidos.
“Esta mudança no metabolismo será percebida na distribuição de metabólitos em diferentes lugares do corpo.”
Em outras palavras, ter uma doença pode alterar os COVs produzidos e o cheiro característico do nosso corpo.

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“Examinamos diversas infecções virais e bacterianas, examinamos câncer do pâncreas e raiva. A lista é bastante longa”, explica Kimball.
“Eu diria que, em comparação com condições saudáveis, é muito raro não observarmos a capacidade de diferenciar entre a condição saudável e qualquer condição que estivermos examinando. É bastante típico.”
Mas, fundamentalmente, muitas das mudanças de COVs associadas a essas doenças são sutis demais para que os seres humanos possam detectá-las. É por isso que os cães (ou aparelhos médicos farejadores) podem vir a nos ajudar no futuro a diagnosticar algumas condições sérias de difícil detecção.
Kimball está trabalhando com seus colegas para desenvolver um teste de diagnóstico de lesões cerebrais em crianças que praticam esportes de contato, com base nas mudanças dos COVs emitidos pelos seus corpos.
Em 2016, eles publicaram um estudo que revela que lesões cerebrais traumáticas em camundongos causam odor distinto e é possível treinar outros camundongos a farejá-las.
Em um novo estudo a ser publicado em breve, Kimball observou cetonas específicas na urina humana, nas primeiras horas após uma concussão.
Não se sabe ao certo por que as substâncias odoríferas são liberadas após essas lesões, mas uma teoria é que o cérebro libera COVs como subproduto, enquanto tenta se curar.
“A classe das cetonas que observamos indica que tem algo a ver com tentar conseguir mais energia para o cérebro, talvez para combater a lesão ou, pelo menos, apoiar a recuperação”, explica Kimball.
O odor do corpo também pode revelar que uma pessoa sofre de malária. Em 2018, cientistas descobriram que crianças infectadas com malária emitem um cheiro característico através da pele, que as torna especialmente atraentes para os mosquitos.
Estudando amostras de 56 crianças no oeste do Quênia, a equipe identificou um odor “de frutas e grama” que pareceu irresistível para os insetos voadores.

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Outras análises dessas amostras revelaram a presença de substâncias denominadas aldeídos, especificamente heptanal, octanal e nonanal. Eles são responsáveis pelo odor característico e a pesquisa poderá ser usada para desenvolver um novo teste de malária.
Por enquanto, os cientistas esperam reproduzir o aroma e usá-lo como armadilha para capturar mosquitos e retirá-los de aldeias e comunidades.
Mershin é ex-pesquisador científico do Instituto de Tecnologia de Massachusetts, nos Estados Unidos (MIT, na sigla em inglês). Agora, ele trabalha na RealNose.ai e afirma que ele e sua equipe esperam desenvolver um aparelho detector de odores que possa identificar câncer da próstata, responsável pela morte de um a cada 44 homens.
“A empresa emergiu a partir dos meus cerca de 19 anos de pesquisas no MIT, onde a Darpa [Agência do Projeto de Pesquisa Avançado de Defesa, na sigla em inglês] me pediu para ultrapassar o limite de detecção do nariz dos cães”, ele conta. “Eles nos pediram, basicamente, para construir biociborgues.”
O aparelho
O aparelho sendo desenvolvido atualmente pela RealNose.ai incorpora receptores olfativos humanos reais, cultivados por células-tronco em laboratório. Eles são ajustados para permitir a detecção das diversas moléculas odoríferas associadas ao câncer da próstata.
Em seguida, o aprendizado de máquina (uma forma de inteligência artificial) busca padrões de ativação dos receptores.
“Conhecer os componentes que existem em uma amostra não é suficiente”, explica Mershin. “Os ingredientes de um bolo nos dizem pouco sobre o sabor ou o aroma do bolo.”
“Isso precisa acontecer depois que os seus sensores interagem com essas substâncias voláteis e seu cérebro processa aquela informação para transformá-la em uma experiência perceptiva.”
“Estamos buscando padrões da ativação sensorial que sejam mais próximos do que fazemos como mente, como cérebro”, afirma Mershin.

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Joy Milne agora trabalha ao lado de Barran na sua equipe de pesquisa. Ela ajuda a desenvolver um teste de diagnóstico de Parkinson e outras condições.
“Atualmente, nós não a usamos muito para detectar odores”, conta Barran.
“Ela consegue, no máximo, fazer 10 amostras por dia e é emocionalmente muito cansativo. Ela tem 75 anos e, por isso, é preciosa.”
Mas, se a técnica de Barran puder reproduzir a capacidade de Milne e identificar o mal de Parkinson em estágio inicial, este poderá ser um ótimo legado para ela e seu marido Les.
“Acho notável que Joy e Les eram pessoas com formação médica e, por isso, eles sabiam que esta observação era significativa”, afirma Barran.
“Mas acho que a questão, aqui, é que todos deveriam se sentir empoderados sobre a sua saúde, a saúde dos seus amigos ou da sua família, para fazer observações e agir, se sentirem que existe algo de errado.”
Fonte.:BBC NEWS BRASIL