O ministro André Mendonça, do Supremo Tribunal Federal (STF), voltou a se colocar como voz dissonante dentro da Corte. Em entrevista ao portal Migalhas, especializado na cobertura jurídica, Mendonça afirmou nesta terça-feira (1) que se considera uma “minoria” no Supremo e criticou o que chama de avanço indevido da Corte sobre competências que, segundo ele, pertencem ao Congresso Nacional.
A declaração foi feita ao comentar o julgamento do STF que alterou a interpretação do artigo 19 do Marco Civil da Internet. Para Mendonça, a decisão representa um exemplo claro da Corte extrapolando os limites constitucionais de sua atuação.
“Eu sou minoria no Supremo hoje. E entendo que, realmente, em algumas situações o Supremo está invadindo o espaço de outros Poderes, principalmente o Poder Legislativo”, afirmou.
Ele citou diretamente o caso do Marco Civil como exemplo dessa interferência indevida: “Não é sem razão que tenho sido voto vencido em alguns julgados. Onde entendo que caberia a outros Poderes, por definições prévias por parte da própria Constituição, estar atuando, e não o Supremo ou o Judiciário.”
Mendonça foi o primeiro ministro a divergir da maioria do STF, no julgamento do Marco Civil da Internet. Ele havia pedido vista no fim do ano passado, o que fez com que o julgamento ficasse suspenso por seis meses. Na semana passada, ele apresentou um voto em defesa da constitucionalidade integral do artigo 19.
Para ele, o dispositivo é uma garantia da liberdade de expressão e qualquer mudança no regime legal deveria ser feita pelo Congresso. Ele também se posicionou contra o bloqueio de perfis, medida já usada pelo STF em outras decisões.
O julgamento
No último dia 26 de junho, por 8 votos a 3, o STF declarou parcialmente inconstitucional o artigo 19 do Marco Civil da Internet, que exigia decisão judicial para obrigar redes sociais a removerem conteúdos ofensivos. Para a maioria dos ministros, esse dispositivo não protegia adequadamente a dignidade das vítimas.
A aprovação da tese se deu com votos divergentes dos ministros Nunes Marques – que votou pela constitucionalidade do artigo 19 –, André Mendonça e Edson Fachin. A leitura da tese foi feita pelo ministro Dias Toffoli, relator do caso.
Com a nova tese fixada, as plataformas digitais passam a poder ser responsabilizadas civilmente se, notificadas extrajudicialmente por vítimas ou seus advogados, não removerem conteúdos ilícitos ou criminosos. A medida deve alterar profundamente a dinâmica de moderação das redes no país.
O julgamento teve repercussão geral e foi analisado no contexto de dois recursos extraordinários (RE 1.037.396 e RE 1.057.258), envolvendo os Temas 987 e 533, que tratam da responsabilidade civil das plataformas.
A decisão do STF permite responsabilizar as plataformas em casos de publicação dos tipos de conteúdos mencionados mesmo sem decisão judicial, especialmente quando houver redes artificiais de distribuição (robôs ou impulsionamento pago).
As punições para as plataformas que descumprirem as obrigações incluem a responsabilização civil por danos, o pagamento de indenizações e a aplicação de multas e outras sanções financeiras, que deverão ser cumpridas pelo representante legal da empresa no Brasil.
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Críticas à judicialização excessiva.
A fala de Mendonça se soma ao coro de críticos que veem no STF um protagonismo excessivo em temas sensíveis e que, tradicionalmente, seriam debatidos e definidos pelo Parlamento.
Embora isolado na posição, o ministro tem buscado consolidar uma linha de atuação mais restritiva quanto à interferência judicial em decisões de natureza política ou legislativa, o que tem lhe rendido votos vencidos em temas de grande impacto.
A decisão do STF ocorre em meio a um debate crescente sobre liberdade de expressão, responsabilização das big techs e combate à desinformação. A nova interpretação do Marco Civil é vista por seus defensores como um avanço na proteção de direitos fundamentais no ambiente digital.
Para os juristas ouvidos pela Gazeta do Povo, trata-se de um movimento que fragiliza a segurança jurídica e coloca em risco a liberdade nas redes.
Fonte. Gazeta do Povo