
Crédito, REUTERS/Zo Andrianjafy
- Author, Sammy Awami*
- Role, Enviado da BBC News a Antananarivo, Madagascar
O país na costa sudeste da África enfrenta semanas de protestos contra o governo de Rajoelina. Na manhã desta terça, parlamentares da Assembleia Nacional votaram por seu impeachment.
O coronel Michael Randrianirina, chefe da unidade de elite CAPSAT, leu um comunicado na rádio nacional dizendo: “Assumimos o poder”.
A unidade militar foi criada para cuidar de serviços administrativos e técnicos das Forças Armadas, mas, ao longo dos anos, o grupo ganhou importância política e militar.
No final de semana, a CAPSAT desafiou a autoridade presidencial ao se aliar de forma inesperada aos manifestantes que exigiam a renúncia de Rajoelina.
O paradeiro do presidente deposto é incerto — na noite de segunda-feira (13/10), ele fez uma transmissão ao vivo pelo Facebook, de um “local seguro”.
Após anunciar que sua unidade havia tomado o poder, o coronel Randrianirina afirmou que a CAPSAT criará um comitê com oficiais do Exército, da Gendarmaria e da Polícia Nacional.
“Talvez, com o tempo, o comitê inclua também conselheiros civis de alto nível. É esse comitê que exercerá as funções da Presidência”, disse Randrianirina, segundo a agência de notícias AFP.
“Ao mesmo tempo, depois de alguns dias, formaremos um governo civil.”
Um general das Forças Armadas declarou que os serviços de segurança estão atuando em conjunto para manter a ordem.
Na segunda-feira, o presidente havia emitido um decreto dissolvendo a Assembleia Nacional para impedir o avanço do processo de impeachment.
A ordem de Rajoelina para dissolver a Assembleia Nacional ocorreu enquanto parlamentares se reuniam para votar sua destituição por “abandono de dever”, segundo a AFP.
Nesta terça, o Parlamento convocou uma sessão extraordinária para “constatar a ausência de poder em Madagascar”, de acordo com a mesma agência.
“Há um vazio de poder. A solução não é vingança, nem confusão, mas uma transição pacífica, inclusiva e responsável”, disse o ex-presidente e líder da oposição Marc Ravalomanana, que perdeu o poder para Rajoelina após um golpe em 2009.
O presidente deposto rejeitou a votação de impeachment, classificando a decisão como “nula e sem efeito”.

Crédito, REUTERS/Zo Andrianjafy
A União Africana declarou que os militares devem “abster-se de interferir” nos assuntos políticos de Madagascar e alertou que “rejeita totalmente qualquer tentativa de mudança inconstitucional de governo”.
Acompanhando os eventos “com profunda preocupação”, o Conselho de Paz e Segurança da organização realizou uma reunião de emergência.
Antes do anúncio dos militares, o presidente da França, Emmanuel Macron, classificou a situação em Madagascar como “extremamente preocupante”, mas se recusou a comentar informações de que militares franceses teriam retirado o presidente da ilha no domingo.
A França tem sido alvo de parte dos manifestantes, que levantaram faixas com os dizeres “Fora Rajoelina e Macron” nos protestos.
Madagascar foi colônia francesa desde o final do século 19. A independência foi proclamada em 1960.
Hoje, a França considera Madagascar um parceiro importante no Oceano Índico, com cooperação em defesa.
Em abril, Macron fez uma visita de Estado a Madagascar — a primeira de um presidente francês em 20 anos — e assinou acordos de cooperação em vários setores.
Quem é o presidente deposto de Madagascar
Andry Rajoelina é empresário e ex-DJ, com uma trajetória marcada por idas e vindas no comando de Madagascar desde 2009.
Naquele ano, ele chegou ao poder ao depor o então presidente Marc Ravalomanana, em um golpe apoiado pelo Exército.
Aos 34 anos, tornou-se o líder mais jovem da África, governando por quatro anos antes de retornar ao cargo após as eleições de 2018.
Rajoelina administrava diversos negócios antes de ingressar na política. Em 2007, foi eleito prefeito de Antananarivo, capital do país.
Sua popularidade cresceu rapidamente, impulsionada por seu estilo enérgico e campanhas sofisticadas.
Reeleito em 2018 e novamente em 2023 — em eleições contestadas e boicotadas pela oposição —, Rajoelina viu sua imagem se desgastar diante de acusações de clientelismo e corrupção endêmica.
Os protestos contra Rajoelina

Crédito, REUTERS/Siphiwe Sibeko
Há pouco mais de duas semanas, um movimento liderado por jovens iniciou protestos contra os cortes crônicos de água e energia no país.
As manifestações rapidamente escalaram, com queixas sobre o custo de vida e pedidos pela renúncia de Rajoelina.
A tensão aumentou após a prisão, em 19 de setembro, de dois importantes políticos da capital, que planejavam uma manifestação pacífica em Antananarivo contra os apagões e a escassez de água.
Os serviços, operados pela estatal Jirama, sofrem com longas interrupções diárias.
No sábado (11/10), tropas da CAPSAT deixaram inesperadamente seus quartéis para se unir aos manifestantes.
Dois dias depois, surgiram relatos de que Rajoelina teria sido evacuado por militares franceses e possivelmente levado a Dubai — sem confirmação oficial.
A onda de protestos foi a maior que o país do Oceano Índico vivenciou em mais de 15 anos.
Segundo a ONU, ao menos 22 pessoas morreram e mais de 100 ficaram feridas durante os protestos. O governo malgaxe nega esses números, alegando que se baseiam em “rumores e desinformação”.
Muitos viram as prisões como uma tentativa de silenciar críticas legítimas, o que gerou indignação popular e levou à criação do movimento juvenil online Gen Z Mada, com apoio de grupos da sociedade civil.
Madagascar é um dos países mais pobres do mundo: segundo o Banco Mundial, 75% da população vive abaixo da linha da pobreza.
Apenas um terço dos 30 milhões de habitantes tem acesso à eletricidade, segundo o Fundo Monetário Internacional.
“As condições de vida do povo estão se deteriorando a cada dia”, disse um manifestante à AFP.
*Com reportagem de Farouk Chothia, Natasha Booty, Omega Rakotomalala, Wedaeli Chibelushi e Wycliffe Muia, da BBC News.
Fonte.:BBC NEWS BRASIL