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19 de setembro de 2025

Mineração encarece custo de vida de cidades em que atua – 18/09/2025 – Mercado

Mineração encarece custo de vida de cidades em que atua – 18/09/2025 – Mercado

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A presença da mineração em uma cidade pode aumentar o custo de vida da população local em até 10% quando comparado com cidades não mineradas com economias semelhantes, sendo que em alguns setores o aumento é próximo de 30%. A constatação é de um estudo feito pelo Ipead, instituto de pesquisas econômicas ligado à UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), sob encomenda da Amig, associação que reúne os municípios minerados do país.

Os setores que mais apresentaram diferença nos preços, segundo o estudo, foram habitação, vestuário, saúde e despesas pessoais. A última foi a que registrou as maiores variações e inclui custos com empregados domésticos, hospedagem e cigarro. Os dados foram coletados em março, a partir de visitas a 873 estabelecimentos e 2.352 cotações de preço.

Para chegar aos valores, os pesquisadores separaram todos os municípios de Minas Gerais e do Pará –os principais estados minerados do país– em três grupos, considerando 14 variáveis, incluindo população, PIB, escolaridade, saúde, saneamento e setores econômicos que mais empregam.

A partir disso, os pesquisadores selecionaram um município minerado de cada grupo: Parauapebas (PA), Mariana (MG) e Conceição do Mato Dentro (MG), respectivamente dos grupos 1,2 e 3. Para fazer a comparação entre os preços, eles também selecionaram os municípios não minerados que mais tinham semelhança com os escolhidos inicialmente, fechando a comparação entre Parauapebas (PA) e Belém, Mariana (MG) e João Monlevade (MG) e Conceição do Mato Dentro (MG) e Extrema (MG).

Na comparação de preços, foram consideradas nove categorias de produtos e serviços, sendo todas incluídas no cálculo do IPCA feito pelo IBGE. São elas: alimentação e bebidas, habitação, artigos de residência, vestuário, transportes, saúde e cuidados pessoais, despesas pessoais, educação e comunicação.

Chama atenção, por exemplo, o fato de que alimentos e bebidas em Parauapebas, uma cidade do interior do Pará, são 8% mais caros do que em Belém, a capital do estado. Já os vestuários são 30% mais caros na primeira e as despesas pessoais, 36%. Os moradores de Parauapebas pagam menos do que os de Belém apenas em comunicação e, mesmo assim, só 0,8%.

Parauapebas é a principal cidade minerada do Pará e abriga o principal complexo minerário da Vale em todo o mundo. Em 2024, por exemplo, a mineradora extraiu na cidade 88 milhões de toneladas de minério de ferro, quase 30% de toda a sua produção.

Já Mariana abriga minas importantes da Vale e da Samarco. Na cidade, de acordo com os pesquisadores do Ipead, as maiores diferenças de preços estão nos setores de habitação e despesas pessoais, com variação de 27% e 24%, respectivamente, em relação aos preços de João Monlevade, uma importante cidade do interior de Minas Gerais –parte da produção de aço da ArcelorMittal no Brasil acontece lá. Dentro do setor de habitação, estão os custos com aluguel, combustíveis e energia elétrica residencial.

Não há nenhuma categoria em que os moradores de Mariana pagam menos do que os de João Monlevade.

Por fim, a pesquisa encontrou grandes diferenças nos preços de artigos de residência, despesas pessoais e saúde e cuidados pessoais entre Conceição do Mato Dentro e Extrema. A primeira abriga o principal complexo de minério de ferro da Anglo American, segunda maior mineradora em atuação no Brasil. Já a segunda cidade é um grande polo industrial e logístico, principalmente devido à proximidade com o estado de São Paulo.

Os moradores de Conceição do Mato Dentro pagam 25% mais em despesas pessoais do que os de Extrema, além de 19% em saúde e cuidados pessoais e 16% em artigos de residência. Eles, no entanto, pagam menos em transportes e educação.

Quando se comparam as médias gerais (feitas a partir de pesos distintos entre as categorias, tendo o IPCA como parâmetro), o custo de vida em Conceição do Mato Dentro é 6,3% maior do que em Extrema. Já o de Mariana é 9,4% maior do que de João Monlevade e o de Parauapebas 10,2% maior do que o de Belém.

“Parece pouca a diferença, mas não é, porque estamos comparando cidades que têm pujança econômica semelhante. O aluguel em Extrema e em João Monlevade, por exemplo, também é alto e ainda assim há uma diferença grande”, diz Fabrício Missio, coordenador da pesquisa e presidente do Ipead. “Imagine, portanto, a diferença entre essa cidade e uma outra que não tenha a mesma pujança econômica.”

O alto custo de vida nessas cidades, de acordo com o pesquisador, se justifica principalmente pelo aumento repentino da população, além da concentração de funcionários com alta renda. “Os salários que estão diretamente ligados à mineração são mais altos, o que dá um poder maior de compra a esses trabalhadores e acaba pressionando os preços para cima,” afirma.

Justamente por isso, a variação dos preços detectada na pesquisa não afeta com a mesma intensidade toda a população. É comum no setor que funcionários das mineradoras recebam bons salários, participação nos lucros, planos de saúde e, em algumas regiões, até acesso a escolas particulares para seus filhos. Em Parauapebas, por exemplo, os altos servidores da Vale moram em um condomínio da mineradora longe do centro urbano. Por isso, os trabalhadores terceirizados e os moradores locais sem vínculo com a mineração são os que mais sofrem com esses preços.

“Além disso, se você ganha salário baixo, você já é uma população vulnerável, e, se parte desse salário você desperdiça com aumento de preço, significa que a sua vida está um caos. Com isso, você vai buscar suporte na prefeitura, o que significa que a mineração, além de elevar o custo de vida local, joga uma pressão para os serviços públicos”, afirma Missio.

Nessa linha, a pesquisa apontou que cidades mineradas dos dois estados têm mais mais demanda por internações, por mil habitantes, do que as não mineradas, assim como maior demanda por exames e atendimentos ambulatoriais. A maior demanda também se na dá na educação pública e assistência social.

De acordo com o presidente da Amig, Marco Antônio Lage, a mineração gera riqueza concentrada. “Esse cenário impõe uma sobrecarga aos municípios, que acabam arcando com a maior parte dos custos sociais relacionados à população de baixa renda, cada vez mais excluída pelos efeitos da concentração de renda gerada pela mineração e pelo aumento expressivo do custo de vida nessas localidades”, diz.

“O ciclo da mineração, quando não é acompanhado de planejamento urbano e políticas de diversificação econômica, aprofunda as desigualdades sociais e empurra os mais pobres para as margens da cidade e do consumo”, acrescenta.



Fonte.:Folha de S.Paulo

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