O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes acusou as big techs de “manipulação” e defendeu nesta terça-feira (12) a mudança no entendimento vigente sobre o artigo 19 do Marco Civil da Internet. A Corte tem sete votos para obrigar a remoção de conteúdos pelas plataformas sem a exigência de ordem judicial — entendimento que pode agravar a censura nas redes sociais no Brasil.
Segundo Moraes, as big techs agem de “má-fé” e acreditam que somente elas não podem ser regulamentadas. Ele defendeu que os provedores de redes sociais e de serviços de mensageria privada devem ser legalmente equiparados aos demais meios de comunicação.
O ministro citou o filósofo liberal John Stuart Mill para defender a regulação, apontando a mudança de paradigma na forma como as big techs tratam os usuários, que passaram de consumidores a eleitores em potencial.
“As big techs, ao perceberem que, além do poder econômico, poderiam adquirir o poder político, só fizeram uma transferência: o consumidor foi substituído pelo eleitor. O produto a ser vendido não é mais um carro, uma roupa. O produto a ser vendido é o candidato”, afirmou.
Moraes ressaltou que, diante da “instrumentalização” das redes sociais, as plataformas não podem “posar de instrumentos neutros”, pois usam “algoritmos direcionados” para “manipular as pessoas”.
“As big techs têm – com todo o direito de ter – ideologia política; têm crenças religiosas aqueles que as dominam, não há nenhum problema nisso. Só que não podem querer posar de instrumentos neutros, instrumentos imparciais. Se eles têm lado, têm ideologia, devem, como todos, ser responsabilizados por seus abusos”, disse. “Se há direcionamento, impulsionamento e monetização, há direta participação das big techs naquela notícia, naquele vídeo, naquela ideia”, acrescentou.
Moraes afirmou que a sociedade poderia lançar um desafio às big techs e aos seus dirigentes: “Tudo que vocês direcionam, impulsionam e monetizam, façam em um mês na vida real. Tenham a coragem de fazer na vida real. Para ver quanto tempo eles permaneceriam livres. Saiam da covardia da vida virtual e venham para a vida real. A mesma conduta, igualzinho, façam na vida real.”
Liberdade de expressão não é absoluta, diz Moraes
Para o ministro, a autorregulação das plataformas faliu, e a falta de regras pode causar “dano em massa”. Ele citou como exemplo grupos no Facebook que tratam de automutilação e autolesão, acessados principalmente por adolescentes. Moraes afirmou que não é possível admitir a “prática reiterada de crimes pelas redes sociais sob a falsa alegação de liberdade de expressão”.
“Onde está a autorregulação? Não estamos nem falando de atentado contra a democracia, onde o perfil ideológico de algumas big techs não tende muito à democracia. Estamos falando de automutilação e autolesão de crianças e adolescentes”, disse o ministro, destacanado que a liberdade de expressão absoluta é uma idealização de “regimes populistas digitais” que avançam pelo mundo.
“Ninguém jamais defendeu a liberdade de expressão absoluta que se idealizou nos novos regimes populistas no mundo todo, regimes populistas digitais. Os extremistas digitais querem dizer que tudo pode, tudo vale, e que não precisam ser responsabilizados”, enfatizou.
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Tese proposta por Moraes para regular big techs
Ao final do voto, Moraes apontou que as big techs podem “corroer os pilares da democracia e do Estado de Direito” com a disseminação de desinformação, discurso de ódio e crimes contra crianças e adolescentes. O ministro defendeu que o STF decida sobre a regulação até que o Congresso defina uma regra para o tema.
“Enquanto não sobrevier uma regulamentação pelo Congresso Nacional, há necessidade de uma interpretação constitucional que afaste esse reiterado descumprimento dos princípios e preceitos constitucionais”, disse.
Ele seguiu o entendimento apresentado pelo relator do caso, ministro Dias Toffoli, com ressalvas, sustentando que os provedores de redes sociais e de serviços de mensageria privada devem ser legalmente equiparados aos demais meios de comunicação. Veja abaixo outros pontos da tese apresentada por Moraes:
- Deve-se aplicar integralmente a garantia constitucional de liberdade de comunicação social prevista no artigo 220 da Constituição Federal, nos mesmos termos em que a legislação se aplica aos demais meios de comunicação;
- As plataformas devem ser solidariamente responsáveis, civil e administrativamente, por conteúdos direcionados por algoritmos, impulsionados e publicitários cuja distribuição tenha sido realizada mediante pagamento ao provedor de redes sociais;
- Aplicação do “dever de transparência algorítmica” pelas empresas, com a adoção de critérios mínimos de transparência em relação aos algoritmos;
- As big techs devem obrigatoriamente fornecer informações claras e objetivas na hipótese de utilização de inteligência artificial, principalmente na manipulação de áudios e vídeos;
- As big techs devem coibir a divulgação de discursos de ódio, bem como condutas, informações e atos antidemocráticos, caracterizadores dos artigos 286, parágrafo único; 359-L; 359-M; 359-P e 359-R do Código Penal;
- Responsabilização em caso de divulgação e compartilhamento de fatos sabidamente inverídicos ou gravemente descontextualizados que atinjam a integridade do processo eleitoral, inclusive nos processos de apuração, votação e totalização de votos;
- Responsabilização das plataformas quando houver a caracterização de crimes contra a honra. Da mesma forma, em casos de grave ameaça a crianças, adolescentes, violência ou incitação à violência contra a integridade física ou a vida de crianças e adolescentes. A regra também deve ser aplicada quando houver comportamento ou discurso de ódio, inclusive promoção de racismo, homofobia e ideologias nazistas ou fascistas contra uma pessoa ou grupo, preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade ou quaisquer outras formas de discriminação.
Fonte. Gazeta do Povo