A decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), de incluir o pastor Silas Malafaia no inquérito que investiga Jair Bolsonaro (PL) e Eduardo Bolsonaro (PL-SP) provocou forte reação de parlamentares, juristas e especialistas. Eles acusam o magistrado de avançar sobre a liberdade de expressão e manifestação, além de transformar os inquéritos da Corte em instrumentos de intimidação política. Críticos apontam que o caso não apresenta provas concretas de participação do líder religioso em atos supostamente golpistas ou de obstrução de investigações, restringindo-se a declarações públicas contrárias ao STF e ao governo federal. A medida também gerou preocupação com o impacto sobre a comunidade evangélica, majoritariamente alinhada à direita.
A investigação foi aberta por Moraes para apurar a atuação de Eduardo Bolsonaro contra autoridades brasileiras nos Estados Unidos e a suposta tentativa de obstrução do processo do golpe. Eduardo e Jair Bolsonaro, Paulo Figueiredo e Silas Malafaia são investigados pelos crimes de coação no curso do processo, obstrução de investigação de organização criminosa e tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito.
O pastor foi o responsável pela organização de diversas manifestações em apoio a Bolsonaro, inclusive a realizada em 3 de agosto após ele ser proibido de usar as redes sociais. No dia seguinte, Moraes decretou a prisão domiciliar do ex-presidente em meio à escalada da crise entre o governo de Donald Trump e o Brasil. O ministro alegou que Bolsonaro teria descumprido medidas cautelares por cumprimentar, por meio de videochamada, os manifestantes que participavam do ato em Copacabana, no Rio de Janeiro.
O advogado Alessandro Chiarottino, professor de Direito Constitucional e doutor em Direito pela USP, alerta que há risco evidente de extrapolação do conceito de crime, especialmente quando manifestações orais são tomadas como elementos centrais de imputação penal. “Não há, até agora, indícios claros de que Malafaia tenha atuado para obstruir qualquer investigação ou para coagir agentes públicos no exercício de suas funções. Tampouco se evidencia participação dele em qualquer plano articulado de ruptura institucional”, explica.
Além disso, o advogado constitucionalista André Marsiglia aponta que o pastor está sendo investigado por falar o que pensa e que essa decisão configura a “revogação” da liberdade de expressão no Brasil.
“Malafaia está sendo investigado por coação e obstrução no processo de Bolsonaro por falar o que pensa. Ou seja, qualquer pessoa que fale de Moraes, do STF ou saia em defesa de Bolsonaro, como fez o pastor, pode ser alvo da PF. A liberdade de expressão foi revogada”, alerta Marsiglia.
A opinião é compartilhada por Luiz Augusto Módolo, doutor em Direito pela Universidade de São Paulo (USP) e comentarista político. Para ele, a inclusão do líder evangélico na investigação é vista como um novo e preocupante limite ultrapassado no que tange ao cerceamento da liberdade de expressão.
Ele avalia que se trata de mais um episódio que escancara o uso indiscriminado dos inquéritos como ferramenta de intimidação política — especialmente contra figuras públicas alinhadas ao ex-presidente Jair Bolsonaro e que tenham poder de articulação política e de críticas ao Supremo.
Chiarottino salienta também que a inclusão de Malafaia na investigação carece de fundamentação jurídica sólida. “Até o momento, o que se tem de concreto são declarações públicas críticas ao Supremo Tribunal Federal e ao governo federal. Discursos, ainda que incisivos ou polêmicos, não podem ser automaticamente enquadrados como crimes graves como os que estão sendo apurados no inquérito”, afirma.
O jurista ressalta que o combate a crimes contra o Estado Democrático de Direito não pode servir de pretexto para restringir liberdades fundamentais, como a liberdade de expressão e a crítica política. “Se começarmos a criminalizar opiniões ou discursos críticos ao poder estatal, especialmente vindos de figuras públicas com forte base social e religiosa, estaremos entrando em um território perigoso, onde o dissenso vira motivo de punição”, alerta.
Para ele, o caso exige cautela e respeito aos limites constitucionais. “O Estado de Direito pressupõe equilíbrio entre os poderes, respeito às garantias processuais e zelo pelas liberdades civis. Qualquer investigação deve ter base probatória mínima e não pode ser motivada apenas por posicionamentos políticos ou religiosos divergentes”, salienta Chiarottino.
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Silas Malafaia diz que Moraes atenta contra a liberdade e que não tem medo de investigação política
Silas Malafaia afirmou, em um vídeo postado no X, que há um avanço descabido e desproporcional contra a liberdade de expressão, além de uma espetacularização por seu nome estar entre os investigados. O pastor disse que soube pela imprensa que havia sido incluído por Moraes no inquérito. “Eu não recebo notificação alguma, que país é esse onde a Polícia Federal vaza alguma acusação contra alguém e só depois você vai ficar sabendo?”.
Malafaia disse não ter medo das investigações e que isso prova que as denúncias que têm feito há quatro anos em mais de 50 vídeos têm preocupado os ministros e a Corte. Ele afirma que tem mostrado, com base nas leis e na Constituição os crimes que Alexandre de Moraes tem praticado e que o próprio ministro agora “instituiu o crime de opinião” com a “Polícia Federal promovendo perseguição”. Ele se referiu ao ministro como “ditador da toga”.
“Isso aqui está caminhando para a venezuelização, onde o cidadão não pode criticar autoridades. Onde está isso na Constituição? É livre a manifestação de pensamento e eu não vou me calar porque eu não tenho medo. Muito pelo contrário. Isso para mim soa algo em que vou me posicionar duramente, baseado na Constituição”.
Para o pastor, trata-se da prova para onde está indo a democracia brasileira e também que querem calar os opositores. “STF, senadores e deputados, quem vai parar isso? Que país e que democracia é essa? E se preparem porque eu vou botar para quebrar. Vocês não vão me calar, não tenho medo de prisão e não tenho medo de investigação política de pura perseguição”.
Segundo Módolo, desde 2019 os inquéritos abertos pelo STF se transformaram em uma espécie de “buraco sem fim” da vida institucional brasileira. Ele os descreve como um “instrumento de estigmatização e terror”, que enfraquece a oposição, intimida críticos e mina o pluralismo político, valor previsto no artigo 1º da Constituição Federal. “Qualquer pessoa que incomode pode ser colocada lá dentro [do inquérito do STF] — políticos, empresários, jornalistas, influencers, manifestantes, e agora até líderes religiosos”, critica.
Para ele, os inquéritos se tornaram uma espécie de “coração de mãe”, nos quais cabe qualquer um que seja rotulado como ameaça à democracia, com base em conceitos vagos e subjetivos. O jurista alerta ainda para o risco de expansão do alcance dessas investigações, atingindo outros opositores com influência e voz pública. “Enquanto esses inquéritos ilegais estiverem abertos, ninguém está seguro”, alerta.
Já o líder do PL na Câmara, deputado federal Sóstenes Cavalcante, afirmou que “no Brasil de Alexandre de Moraes, organizar ato pacífico e criticar o STF é crime”. Ele se referia às recentes manifestações em apoio a Bolsonaro e pelo impeachment de Moraes. “Mas roubar dinheiro público, aparelhar o Estado e destruir a economia, pode. Colocar o pastor Silas Malafaia no mesmo inquérito que investiga tentativa de golpe é piada de mau gosto”, opina.
Segundo Cavalcante, Silas é um líder cristão respeitado, que há décadas serve ao país e defende valores que o sistema não suporta ouvir. “Perseguir quem ora, prega e fala a verdade virou prioridade. Combater corrupto e criminoso, nem tanto”, afirmou, ao criticar para o avanço de ações contra a liberdade de expressão.
Além deles, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) criticou a decisão e disse que, enquanto criminosos de verdade estão soltos, Alexandre de Moraes segue gastando tempo e dinheiro público para intimidar quem ousa discordar do sistema. “O novo alvo dele é o pastor, um líder religioso respeitado, homem de fé inabalável, voz corajosa em defesa da verdade, que luta pelos valores que sustentam nossa Nação. Essas injustiças não vão prevalecer”, comenta.
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Inquérito causa tensão com comunidade evangélica
Fontes ligadas ao inquérito revelaram preocupação com o impacto que a investigação determinada por Moraes sobre Malafaia pode ter na comunidade evangélica do Brasil, que está em sua maioria alinhada à direita.
As frentes parlamentares evangélicas na Câmara e no Senado divulgaram nota afirmando que acompanharão “com intensa atenção e preocupação” a inclusão do nome do pastor. As frentes disseram que o vazamento da informação para a imprensa antes da comunicação aos advogados de Malafaia “configura prática que compromete a isonomia processual e abala a confiança no sistema de Justiça”.
Segundo o jornal O Globo, o ministro do STF André Mendonça teria manifestado preocupação com a inclusão do pastor Silas Malafaia no inquérito. Mendonça, que também é pastor presbiteriano, teria alertado colegas da Corte e o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PE), sobre o risco de a decisão intensificar a tensão com a comunidade evangélica e acirrar a polarização.
“Deveriam se revoltar, o país já deveria ter acordado faz tempo. Na prática, cada brasileiro [crítico às ações do STF] já está no inquérito. Basta um dia ter a capacidade de formular ideias que desagradem e se está sujeito a ser investigado”, salienta Módolo.
Segundo o sociólogo Gustavo Alves, a comunidade evangélica, especialmente a que apoia Malafaia e se identifica com a direita, tem mostrado uma postura combativa contra as ações do Supremo Tribunal Federal, do ministro Alexandre de Moraes e do próprio governo Lula. “A inclusão de Malafaia no inquérito pode aumentar a polarização e influenciar na formação de identidades políticas, acirrando as divergências e estimulando novos atos públicos e até revolta social”, descreve.
Ele explica que a identidade religiosa e política, especialmente no contexto das últimas eleições, foi fortemente associada a movimentos conservadores. “A crítica ao STF e ao governo Lula, que muitos veem como uma ameaça ao “poder da igreja” e à moralidade cristã, deve se intensificar”, avalia.
Alves afirma ainda que a figura do STF, e particularmente de Alexandre de Moraes, já tem sido vista por esses grupos como o “inimigo da liberdade de expressão e religiosa” e da “moral cristã”.
Para muitos líderes evangélicos, como Malafaia, o ataque institucional é percebido como uma tentativa de minar sua influência e sua capacidade de se expressar livremente. A reação de evangélicos, que deve vir após a inclusão de Malafaia na investigação, pode ser interpretada como uma forma de resistência à percepção de que suas crenças e convicções políticas estão sendo atacadas ou marginalizadas.
“A religião, neste caso, é não apenas uma questão de fé, mas também uma identidade política que está sendo moldada. Líderes como Malafaia não são apenas guias espirituais, mas também influenciadores políticos que mobilizam suas congregações e se posicionam ativamente contra o que consideram ser abusos do sistema judiciário e contra as liberdades”.
Fonte. Gazeta do Povo