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14 de junho de 2025

Moraes normaliza medidas contra familiares de alvos de inquéritos

Moraes normaliza medidas contra familiares de alvos de inquéritos

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O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), tem aplicado com cada vez mais frequência medidas cautelares que atingem familiares de alvos dos seus inquéritos sem nenhum envolvimento direto com o fato investigado.

Em diferentes casos, parentes próximos, mesmo sem qualquer indício de coautoria nos atos que originaram o inquérito, foram atingidos por bloqueios de redes sociais e de contas bancárias ou convocados a prestar depoimentos em que são questionados como possíveis colaboradores dos investigados.

Nesta semana, a deputada Carla Zambelli (PL-SP) teve suas contas bloqueadas e suas redes sociais banidas por decisão de Moraes após ter dito que havia deixado o país. A decisão sobre as redes não se limitou à parlamentar: estendeu-se ao seu filho menor de idade e à sua mãe.

Nenhum dos dois era investigado, e a decisão não apresentou justificativas claras sobre eventual uso indevido das redes por parte deles. Juristas classificaram as medidas como um abuso inconstitucional e como censura prévia.

Também recentemente, no caso do inquérito contra o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) por sua suposta atuação para constranger ministros do STF, Moraes determinou que seu pai, o ex-presidente Jair Bolsonaro, fosse ouvido em inquérito.

O ministro obrigou Bolsonaro a comparecer à Polícia Federal para falar sobre ações atribuídas exclusivamente a Eduardo, sem que houvesse indício público de que o pai estivesse envolvido diretamente. O pretexto para isso, no caso, é que o ex-presidente estaria financiando as ações do filho. Ele afirmou ter enviado R$ 2 milhões a Eduardo.

Parlamentares criticaram a extrapolação das medidas dos inquéritos aos familiares dos acusados. “A nossa Constituição é clara, nenhuma pena pode passar da pessoa do acusado. Esse é um princípio básico da Justiça no Brasil, do Direito brasileiro, do Direito internacional. Se alguém comete um crime, é essa pessoa que deve responder por ele, dentro do devido processo legal, com ampla defesa, contraditório, como manda a regra do jogo”, afirmou via redes sociais o senador Marcos Rogério (PL-RO)

“Não se pode calar uma voz política perseguindo sua família. Não se combate o suposto excesso de um lado com o abuso de autoridade de outro lado. Isso não é justiça, isso é vingança travestida de decisão judicial”, acrescentou.

“É de embrulhar o estômago… Moraes está sem freio e isto é absolutamente notório”, criticou Eduardo Bolsonaro ao comentar o bloqueio das redes dos familiares de Zambelli.

Direito do STF não se encontra em nenhuma lei, afirma jurista

Para o jurista Fabricio Rebelo, coordenador do Centro de Pesquisa em Direito e Segurança (Cepedes), as medidas contra os familiares dos investigados são “inteiramente descoladas da legislação que sobre elas seria aplicável e, principalmente, da Constituição Federal”.

“Há um princípio básico do Direito Penal, assegurado como direito fundamental na Constituição, que é o da intranscendência. Ele dispõe que ‘nenhuma pena passará da pessoa do condenado’, ou seja, impede que sanções penais aplicadas a uma pessoa atinjam outras. Logo, não há nada que possa respaldar a extensão de medidas de cunho sancionador a quem não é parte num processo”, explica.

Para ele, a quebra do princípio da intranscendência é mais um exemplo da arbitrariedade que tomou conta do Supremo. “Ao vermos ações dessa natureza partindo da mais alta Corte do país, se torna inevitável o fortalecimento da compreensão de que ali há um Direito diferente daquele que vigora em todas as demais instâncias, cujas fontes normativas não são sequer conhecidas”, diz.

Alessandro Chiarottino, doutor em Direito Constitucional pela USP, explica que só processos contra grupos criminosos poderiam envolver medidas contra parentes – e, ainda assim, em casos muito específicos. “Em uma investigação, e até mesmo em um processo, essas restrições a terceiros só seriam admissíveis se considerados estes como parte de uma organização criminosa. Sem isso, caracteriza-se abuso odioso. O Moraes está tratando os familiares dos investigados como partícipes”, critica.

Outros casos mostram que medidas de Moraes contra familiares se tornaram um padrão

Os casos recentes de Zambelli e Eduardo Bolsonaro não são uma exceção.

Em 2024, durante uma audiência de delação premiada do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro, o ministro, momentaneamente insatisfeito com falas de Cid, disse que parentes dele poderiam ser responsabilizados em caso de rescisão da colaboração.

A ameaça foi registrada nos autos do processo, e envolveu o pai de Cid – o general da reserva Mauro César Lourena Cid –, sua mulher e sua filha. “Eventual rescisão [da colaboração] englobará inclusive a continuidade das investigações e responsabilização do pai do investigado, de sua esposa e de sua filha maior. Eu gostaria de saber se o colaborador está plenamente ciente das consequências da manutenção dessas omissões e contradições”, alertou Moraes.

A esposa do ex-deputado Daniel Silveira, Paola da Silva Daniel, também foi alvo de bloqueios. Em 2022, ela teve contas bancárias congeladas e perfis em redes sociais derrubados por ordem do STF. A medida foi mantida mesmo após questionamentos da defesa, que alegou ausência de qualquer investigação formal contra Paola e ressaltou que ela não desempenhava atividades públicas ou políticas. Em 2024, as redes sociais dela voltaram a ser bloqueadas.

No caso do jornalista Oswaldo Eustáquio, em diferentes ocasiões em 2023 e 2024, a filha menor de idade dele foi atingida por decisões. No ano passado, a Polícia Federal cumpriu mandado de busca e apreensão na casa onde ela residia, sem que o pai estivesse presente; em 2023, uma conta de rede social atribuída à criança foi bloqueada, com o objetivo de investigar se Eustáquio a utilizava para burlar bloqueios impostos contra ele.



Fonte. Gazeta do Povo

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