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- Author, Redação
- Role, BBC News Mundo
O Irã insiste que seu programa nuclear é pacífico, mas Israel o acusa há muito tempo de buscar secretamente produzir armas nucleares.
Isso se deve a um homem e às revelações que ele fez, expondo as operações clandestinas que Israel realizou para se tornar uma potência nuclear.
Essas informações lhe custaram a liberdade por duas décadas.
‘Os segredos do arsenal’

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Vanunu era um ex-funcionário do reator nuclear de Dimona, onde trabalhou por nove anos, até 1985.
Mas, antes de deixar o cargo, tirou clandestinamente dois rolos de fotografias da instalação.
As fotos mostravam o equipamento para extração de material radioativo para a produção de armas e o laboratório de modelos de dispositivos termonucleares.
Em 1986, ele se juntou a um grupo antinuclear em Sydney, Austrália, e foi lá que contatou o jornalista freelancer colombiano Óscar Guerrero. Guerrero o convenceu a publicar as fotos.
Em seguida, contatou o jornalista Peter Hounam, do jornal britânico The Sunday Times.
Em outubro de 1986, o Sunday Times publicou um artigo, amplamente aclamado como um dos melhores do jornalismo britânico, intitulado “Revelados: Os Segredos do Arsenal Nuclear de Israel”.
A fonte era o técnico nuclear israelense Mordechai Vanunu, e sua revelação confirmou as suspeitas sobre as capacidades nucleares de seu país, revelando um programa de armas maior e mais avançado do que qualquer um havia imaginado anteriormente.
Vanunu trabalhava no centro ultrassecreto de pesquisa nuclear de Dimona, no deserto de Negev, a cerca de 150 quilômetros ao sul de Jerusalém por estrada.
O jornal concluiu que Israel havia se tornado a sexta maior potência nuclear do mundo e possuía até 200 armas atômicas.
“Estávamos tensos, exaustos, a maioria das pessoas lá nunca havia trabalhado em uma matéria tão importante quanto esta”, disse o jornalista investigativo do jornal, Peter Hounam, à BBC.
Mas no dia em que o The Sunday Times publicou a matéria — 5 de outubro — sua principal fonte desapareceu.
Traidor ou informante?

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Hounam conheceu Vanunu em Sydney, Austrália, em agosto de 1986, e ficou impressionado com a aparência e o comportamento do denunciante.
“Quando vi Vanunu sentado ali — um homem pequeno, bufando, sem autoconfiança e vestido de forma muito casual —, ele certamente não me pareceu um cientista nuclear”, lembrou Hounam.
“Mas fiquei convencido com sua decisão de contar ao mundo o que viu em Dimona”, acrescentou.
No final de 1985, Vanunu decidiu largar o emprego e embarcar em uma viagem pela Ásia, desiludido com o tratamento dado por Israel aos palestinos e com o desenvolvimento de armas nucleares.
Antes de partir, ele tirou fotos da usina nuclear, incluindo equipamentos para extração de material radioativo para a produção de armas e modelos de laboratório de dispositivos termonucleares.
Foi uma decisão que o levou primeiro a Londres e ao Sunday Times, e depois a Roma, onde foi sequestrado pelo serviço de inteligência israelense Mossad, que o trouxe de volta a Israel, onde cumpriu uma longa pena de prisão.
“Ele começou a delinear a história de como havia contrabandeado uma câmera sem filme para dentro da sede, depois escondeu o filme nas meias e começou a tirar algumas fotos secretamente tarde da noite e de manhã cedo”, disse Hounam.
Os editores do Sunday Times pediram a Hounam que trouxesse Vanunu de volta a Londres para corroborar ainda mais seu depoimento.
Apesar de seus temores, Vanunu concordou em voar para o Reino Unido. O Sunday Times o hospedou em um discreto hotel-fazenda nos arredores de Londres.
Mas ele ficou inquieto e foi transferido para um hotel londrino, onde as coisas tomaram um rumo inesperado. “Naquele fim de semana, ele conheceu uma mulher enquanto caminhava pela rua. Ele a viu algumas vezes e foi ao cinema com ela. E eu perguntei a ele: ‘Você tem certeza de que essa mulher é real?'”, lembrou Hounam.
Durante sua estadia em Londres, Hounam ficou cada vez mais preocupado com a segurança de Vanunu e começou a visitá-lo periodicamente. Ele se lembrou da última conversa deles.
“Ele disse: ‘Vou para o norte da Inglaterra por alguns dias. Vou ficar bem’. E eu disse: ‘Olha, aconteça o que acontecer, me ligue duas vezes por dia só para ter certeza de que está seguro.'”
Um mês depois, o governo israelense revelou que Vanunu havia sido preso. Ele havia sido vítima de uma armadilha clássica de sedução em Roma e havia sido contrabandeado, inconsciente, de volta para Israel de barco.
Crônica de um sequestro

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Ao ser transportado de uma prisão em Israel, Vanunu escreveu alguns detalhes de seu sequestro na palma da mão, que ergueu em direção à janela da van para que os jornalistas pudessem obter as informações.
Ele disse que, em Londres, uma agente americana do Mossad, Cheryl Bentov, que se passava por turista, fez amizade com ele.
Ela o atraiu para Roma em 30 de setembro para passarem alguns dias juntos. Uma vez lá, ele foi sequestrado e drogado.
Vanunu foi julgado em março de 1987 por traição e espionagem e posteriormente condenado a 18 anos de prisão. Ele passou mais da metade desses anos em confinamento solitário.
“Eu queria contar ao mundo o que estava acontecendo… isso não é traição, é informar o mundo, em contraste com as políticas de Israel”, declarou Vanunu em uma entrevista gravada na prisão.
Ele foi libertado em 21 de abril de 2004 e, desde então, teve sua permissão para deixar Israel negada. Ele foi preso várias vezes por violar as condições da sua liberdade condicional.
Antes de ser preso em 2009, Vanunu gritou: “Vocês não receberam nada de mim em 18 anos; não receberão nada de mim em três meses! Que vergonha, Israel!”
Acordo secreto

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Até as revelações de Vanunu, pouco se sabia sobre a capacidade nuclear de Israel, mesmo entre seus aliados mais próximos.
Acredita-se que Israel tenha iniciado seu programa nuclear logo após a fundação do Estado em 1948.
Em grande desvantagem numérica em relação aos seus inimigos, o primeiro-ministro israelense David Ben-Gurion reconheceu o valor da dissuasão nuclear, mas não queria incomodar os aliados de Israel introduzindo armas não convencionais em uma região instável.
Israel, portanto, chegou a um acordo secreto com a França para construir a usina de Dimona, que se acredita ter entrado em produção para fabricar ingredientes para armas nucleares na década de 1960. Durante anos, Israel afirmou que se tratava de uma fábrica têxtil.
Inspetores americanos visitaram o local diversas vezes na década de 1960, mas, segundo relatos, desconheciam a existência dos andares subterrâneos, já que os poços dos elevadores e as entradas haviam sido selados com tijolos e gesso.
Estima-se que Israel possua atualmente cerca de 90 ogivas nucleares, de acordo com o Centro de Controle de Armas e Não Proliferação.
No entanto, mantém uma política oficial de ambiguidade em relação à sua capacidade nuclear, e os líderes israelenses têm repetido frequentemente ao longo dos anos que “Israel não será o primeiro país a introduzir armas nucleares no Oriente Médio”.
Desde 1970, 191 Estados aderiram ao Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares (TNP), um acordo que visa impedir a proliferação de armas nucleares e promover o desarmamento.
Cinco países (EUA, Rússia, Reino Unido, França e China) têm permissão para possuir armas porque construíram e testaram um dispositivo explosivo nuclear antes da entrada em vigor do tratado, em 1º de janeiro de 1967.
Israel não é signatário do tratado.
Vanunu é considerado um traidor em Israel, mas seus apoiadores celebraram sua libertação em 2004, chamando-o de “herói da paz”.
Em sua primeira entrevista após sua libertação, ele disse à BBC que não se arrependia.
“O que eu fiz foi informar o mundo sobre o que está acontecendo em segredo. Eu não vim dizer: ‘Devemos destruir Israel, devemos destruir Dimona’. Eu disse: ‘Vejam o que vocês têm e julguem por si mesmos’.”
Fonte.:BBC NEWS BRASIL