A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou oficialmente em 18 de outubro de 2025 o uso da tirzepatida (Mounjaro) para o tratamento da síndrome da apneia obstrutiva do sono (SAOS) em pessoas com obesidade e quadro moderado a grave da doença.
Essa decisão foi embasada nos resultados robustos do estudo SURMOUNT-OSA, publicado no New England Journal of Medicine em junho de 2024 — um divisor de águas no manejo dessa condição tão comum e subdiagnosticada.
Resultados do estudo
O estudo clínico reuniu 469 adultos com obesidade e apneia do sono moderada a grave, divididos em dois grupos: um recebendo tirzepatida semanalmente (10 mg ou 15 mg) e outro placebo, durante 52 semanas.
- Um grupo sem uso de CPAP (aparelho de pressão positiva);
- Outro grupo que já fazia uso do CPAP, avaliando o efeito adicional do medicamento.
O principal parâmetro foi o índice de apneia e hipopneia (IAH), que mede quantas vezes, por hora, a pessoa para de respirar (apneia) ou respira superficialmente (hipopneia) durante o sono.
Após um ano, os resultados foram notáveis:
- No grupo sem CPAP, o IAH caiu 25,3 eventos por hora com tirzepatida, contra apenas 5,3 no grupo placebo;
- No grupo com CPAP, a queda foi ainda maior: 29,3 eventos por hora com tirzepatida versus 5,5 com placebo.
Isso representa uma redução de cerca de 60% na gravidade da apneia, acompanhada por perda média de 18 a 20% do peso corporal, melhora da pressão arterial, redução da inflamação (medida por PCR ultrasensível) e melhora na qualidade do sono relatada pelos próprios pacientes.
Em termos simples: o medicamento não apenas ajudou as pessoas a respirarem melhor à noite, mas também a viverem melhor durante o dia — menos sonolência, mais disposição e menos riscos cardiovasculares.
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Entendendo a apneia obstrutiva do sono
A apneia obstrutiva do sono é uma condição em que ocorre o colabamento das vias aéreas durante o sono, levando a interrupções repetidas da respiração. A palavra “apneia” vem do grego e significa literalmente “sem respirar”.
Essas pausas na respiração fazem o cérebro acordar brevemente várias vezes por noite, mesmo que o indivíduo nem perceba. O resultado? Um sono fragmentado e de má qualidade.
Entre os principais sintomas, destacam-se:
- Roncos altos e intermitentes;
- Engasgos noturnos ou sensação de sufocamento durante o sono;
- Sonolência diurna excessiva;
- Cansaço ao acordar, mesmo após várias horas de sono;
- Irritabilidade, dificuldade de concentração e falhas de memória.
Estima-se que a maioria dos brasileiros com apneia do sono sequer saiba que tem a doença. E isso é preocupante, pois ela está associada a aumentos significativos no risco de infarto, arritmias e AVC.
O grau da apneia é determinado pelo índice de apneia e hipopneia (IAH) — o número médio de eventos respiratórios por hora de sono:
- Leve: 5 a 14 eventos/hora;
- Moderada: 15 a 29 eventos/hora;
- Grave: 30 ou mais eventos/hora.
Os estudos SURMOUNT-OSA incluíram pacientes com IAH médio de cerca de 50 eventos por hora, ou seja, quadros graves. O impacto da tirzepatida nesse grupo foi considerado clinicamente relevante e superior a todas as estratégias medicamentosas já testadas.
Tratamentos disponíveis e o papel da tirzepatida
Tradicionalmente, o tratamento da apneia obstrutiva do sono envolve:
- Uso do CPAP, que mantém as vias aéreas abertas por meio de uma leve pressão de ar;
- Aparelhos intraorais que avançam a mandíbula durante o sono;
- Cirurgias de via aérea superior ou estimulação do nervo hipoglosso em casos específicos;
- Controle do peso corporal, já que a obesidade é um dos maiores fatores de risco.
Até então, não existia nenhum medicamento aprovado especificamente para tratar a apneia. A tirzepatida muda esse cenário, oferecendo uma abordagem dupla:
- Reduz a gordura corporal — aliviando a pressão nas vias aéreas;
- Melhora o controle metabólico e inflamatório, que também influencia o tônus muscular e a respiração durante o sono.
Um alerta e um convite à ação
Mesmo com essa nova opção, é fundamental reforçar que a apneia do sono continua subdiagnosticada e subtratada. Muitos pacientes acreditam que “roncar é normal”, quando na verdade pode ser o sinal mais evidente de uma doença silenciosa e perigosa.
Por isso, médicos de várias especialidades — especialmente endocrinologistas e cardiologistas — precisam incluir perguntas sobre sono nas consultas.
Identificar um paciente com apneia não é apenas ajudá-lo a dormir melhor, é prevenir doenças cardiovasculares, metabólicas e até acidentes de trânsito.
A chegada da tirzepatida inaugura uma nova era no tratamento da apneia do sono. O que antes era tratado apenas com máquinas, placas orais e máscaras, agora pode ser combatido também de dentro para fora, com uma terapia que atua nas causas profundas da doença.
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Fonte.:Saúde Abril