8:42 PM
17 de setembro de 2025

MPF liga Jovem Pan a 8/1 e usa lei da ditadura para pedir seu fim

MPF liga Jovem Pan a 8/1 e usa lei da ditadura para pedir seu fim

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No pedido apresentado à Justiça para cancelar o sinal da Jovem Pan, o Ministério Público Federal (MPF) vincula a empresa ao vandalismo do 8 de janeiro de 2023 e recorre ao Código Brasileiro de Telecomunicações, editado no início da ditadura militar, para dizer que a emissora “incitou a desobediência às leis”. Juristas consultados pela Gazeta do Povo veem autoritarismo na fundamentação do MPF e no uso dessa lei.

A tônica das alegações finais do procurador Yuri Corrêa da Luz, que assina a ação, é criar um elo entre as análises políticas feitas pelos comentaristas da Jovem Pan em 2022 e os ataques aos prédios dos Três Poderes, classificados pelo MPF como tentativa de golpe, na esteira do que tem decidido o Supremo Tribunal Federal (STF).

Segundo ele, a emissora teria se tornado a “principal caixa de ressonância” dos discursos que pavimentaram o 8/1.

Corrêa da Luz apresentou as alegações poucos dias após a decisão da Primeira Turma do STF que condenou o ex-presidente Jair Bolsonaro e mais sete réus por tentativa de golpe de Estado, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, organização criminosa armada, dano e deterioração do patrimônio. A narrativa do procurador tem diversos paralelos com a decisão da Corte.

Os comentaristas apontados pelo MPF como propagadores dos discursos considerados golpistas foram desligados da emissora ainda em 2022, antes dos eventos de janeiro do ano seguinte. Programas da Jovem Pan foram enfáticos em condenar os ataques no mesmo dia em que eles ocorreram.

Para o advogado Felippe Monteiro, mestre em Direito pela Universidade de Harvard, não faz sentido jurídico estabelecer uma ligação direta entre opiniões emitidas durante o processo eleitoral de 2022 e o 8 de Janeiro de 2023. Além disso, a ideia de que comentários de jornalistas feitos ao vivo, sem prévia chancela da emissora, sejam suficientes para caracterizar responsabilidade institucional da Jovem Pan, com pena de cancelamento das outorgas, é absurda.

“A emissora não consegue, em um programa ao vivo, criar amarras e balizas para o comentarista limitar a sua ideia sobre determinado fato objetivo. Aí é que está o grande absurdo”, diz Monteiro. “Se uma opinião gera determinado dano, cabe ao Ministério Público Federal e às pessoas que sofreram dano buscar ressarcimento, se for o caso, do comentarista, do jornalista que está dando opinião sobre determinado assunto. Nunca sobre o órgão de imprensa em geral”, acrescenta.

No mesmo pedido, Corrêa da Luz diz que a punição à Jovem Pan seria uma maneira de “traçar uma linha no chão” para que outras emissoras não tenham condutas semelhantes no futuro. Monteiro classifica o argumento como “autoritário e abusivo”. “Desde quando aceitamos que um membro do Ministério Público defina qual é a fronteira da liberdade de expressão e da liberdade jornalística?”, questiona.

A advogada Katia Magalhães critica a ideia de que o MPF pretenda “traçar uma linha no chão” para casos futuros. Para ela, isso é ainda mais grave quando não há nem sequer tipos penais claros para enquadrar a conduta classificada como ilegal.

O MPF diz que a Jovem Pan esteve “fortemente engajada” em veicular “conteúdo desinformativo sobre a higidez do processo eleitoral brasileiro e sobre as instituições civis nele envolvidas”.

“A gente cai na problemática de sempre, que vem pelo menos desde o começo do inquérito das fake news: o que é desinformação? Com base em quais critérios? Isso foi deliberado por quem? Desinformação é um conceito aberto. São conceitos abertos. As pessoas não podem ser punidas, nem podem ter seus direitos restringidos, ou uma emissora ter sua concessão restringida, devido à aplicação de um conceito aberto”, comenta a advogada.

Lei da ditadura usada contra Jovem Pan proíbe conteúdos “contra a moral familiar”

O MPF pede que a Jovem Pan tenha cassado o direito de operar no rádio e na TV com base em alguns dispositivos do artigo 53 do Código Brasileiro de Telecomunicações. Segundo o procurador Corrêa da Luz, a conduta da emissora se enquadraria em hipóteses como “incitar a desobediência às leis”, “insuflar a rebeldia ou a indisciplina nas Forças Armadas” e “veicular notícias falsas, com perigo para a ordem pública, econômica e social”.

O mesmo artigo traz previsões que, a depender da interpretação do juiz, poderiam enquadrar praticamente qualquer emissora de rádio ou TV em funcionamento hoje. Um dos dispositivos prevê como abuso da concessão, por exemplo, “ofender a moral familiar, pública ou os bons costumes”. Outro proíbe “colaborar na prática de rebeldia, desordens ou manifestações proibidas”.

A lei foi criada em 1962, mas foi aditada por um decreto de 1967, já durante a ditadura militar. A redação do artigo 53 foi dada integralmente por esse decreto do período militar e vigora até hoje da mesma forma.

Para Katia Magalhães, a lei usada como base para o pedido nem sequer deveria estar em vigor. “É uma norma extremamente aberta, tipicamente ditatorial. Pode dar ensejo a qualquer tipo de interpretação. E eu entendo que hoje, se essa norma viesse a ser julgada, possivelmente seria declarada inconstitucional, porque não se compatibiliza com os princípios da Constituição de 1988, de liberdade de expressão, ou liberdade de imprensa.”

Felippe Monteiro também vê com preocupação o uso de uma lei do período militar para pedir o fechamento de uma emissora por opiniões veiculadas.

“Não é um problema usar leis antigas para analisar uma controvérsia, um conflito. Há muitas leis antigas que são aplicadas até hoje. Mas não dá para você esquecer todo o arcabouço jurídico e constitucional do Brasil, especialmente após a Constituição de 1988. A nossa Constituição foi muito clara ao colocar liberdade de imprensa, liberdade de expressão e de pensamento como princípios basilares da democracia. Quando há um dispositivo de uma lei da década de 1960 que pode violar os princípios da liberdade de expressão, da livre manifestação do pensamento, você tem que privilegiar esses princípios.”

Monteiro também lamenta o nível de poder arrogado pelo MPF. “É o Ministério Público Federal pedindo o cancelamento de meios de comunicação e de imprensa de acordo com a sua opinião sobre determinado fato. É o Estado querendo decidir quem tem o poder de falar e quem não tem o poder de falar. Esse é um poder muito grande, que não deveria caber ao Estado”, afirma.



Fonte. Gazeta do Povo

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