
Crédito, BBC/Hosu Lee
- Author, Jean Mackenzie
- Role, Correspondente em Seul, na Coreia do Sul,
Hong Suk-hui estava esperando na costa da Ilha de Jeju, na Coreia do Sul, quando recebeu a ligação: seu barco de pesca havia virado.
Apenas dois dias antes, a embarcação havia partido para o que ele esperava ser uma longa e produtiva viagem. Mas, com o aumento dos ventos, o capitão foi orientado a retornar.
No caminho de volta ao porto, uma onda poderosa atingiu o barco por dois lados, formando um redemoinho — e a embarcação virou. Cinco dos dez tripulantes, que dormiam em suas cabines abaixo do convés, morreram afogados.
“Quando ouvi a notícia, senti como se o céu tivesse desabado”, disse Hong.
No ano passado, 164 pessoas morreram ou desapareceram em acidentes nos mares ao redor da Coreia do Sul — um aumento de 75% em relação ao ano anterior. A maioria eram pescadores cujos barcos afundaram ou viraram.
“O clima mudou, está ficando mais ventoso a cada ano”, disse o sr. Hong, que também preside a Associação de Proprietários de Barcos de Pesca de Jeju.
“Redemoinhos surgem de repente. Nós, pescadores, temos certeza de que é por causa das mudanças climáticas.”

Crédito, South Korean Coastguard
Tragédias repetidas
Alarmado com o aumento nas mortes, o governo sul-coreano iniciou uma investigação sobre os acidentes.
Neste ano, o chefe da força-tarefa apontou as mudanças climáticas como uma das principais causas, além de destacar outros problemas — o envelhecimento da força de trabalho na pesca, a crescente dependência de trabalhadores migrantes e o treinamento precário em segurança.
Os mares ao redor da Coreia estão aquecendo mais rapidamente do que a média global, em parte por serem mais rasos. Entre 1968 e 2024, a temperatura média da superfície marítima do país aumentou 1,58 °C — mais que o dobro do aumento global de 0,74 °C.
O aquecimento das águas tem contribuído para condições climáticas extremas no mar, tornando tempestades tropicais, como tufões, mais intensas.
Segundo o Instituto Nacional de Ciência das Pescas da Coreia, o fenômeno também está fazendo com que algumas espécies de peixes migrem, obrigando os pescadores a viajar distâncias maiores e correr mais riscos para conseguir sustentar-se.
Ambientalistas afirmam que é preciso agir com urgência para “impedir que a tragédia continue acontecendo nas águas coreanas”.

Crédito, BBC/Hosu Lee
Em uma manhã chuvosa de junho, o principal porto da Ilha de Jeju estava lotado de barcos de pesca.
As tripulações corriam entre o mar e a terra, reabastecendo e estocando suprimentos para a próxima viagem, enquanto os proprietários caminhavam ansiosos pelo cais, observando os preparativos finais.
“Estou sempre com medo de que algo aconteça com o barco, os riscos aumentaram tanto”, disse Kim Seung-hwan, proprietário de 54 anos. “Os ventos se tornaram mais imprevisíveis e extremamente perigosos.”
Há alguns anos, Kim percebeu que o popular peixe rabo-prateado, de que dependia, estava desaparecendo das águas locais, e seus ganhos caíram pela metade.
Agora, suas tripulações precisam navegar em águas mais profundas e perigosas para encontrá-los, às vezes seguindo até o sul, próximo a Taiwan.
“Como estamos operando mais longe, nem sempre é possível voltar rápido quando há alerta de tempestade”, disse ele. “Ficar mais perto da costa seria mais seguro, mas para ganhar a vida precisamos ir mais para o mar.”

Crédito, BBC/Hosu Lee
O professor Gug Seung-gi liderou a investigação sobre os recentes acidentes, que concluiu que os mares da Coreia do Sul parecem ter se tornado mais perigosos. O estudo apontou que o número de alertas meteorológicos marítimos na Península Coreana — que avisam os pescadores sobre ventos fortes, ressacas e tufões — aumentou 65% entre 2020 e 2024.
“O clima imprevisível está levando a mais naufrágios, especialmente de pequenas embarcações de pesca que estão se aventurando mais longe e não foram construídas para viagens longas e turbulentas,” disse ele à BBC.
O professor Kim Baek-min, cientista climático da Universidade Nacional Pukyong, afirmou que, embora as mudanças climáticas criem condições que tornam rajadas de vento fortes e repentinas mais prováveis, uma tendência clara ainda não foi estabelecida — para isso, são necessárias mais pesquisas e dados de longo prazo.

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Em uma manhã de neblina, partimos do porto ainda no escuro em um pequeno arrastão com o capitão Park Hyung-il, que pesca anchovas na costa sul da Coreia há mais de 25 anos. Ele cantava cantigas de marinheiro, determinado a manter o ânimo. Mas, ao chegarmos às redes que havia deixado durante a noite, seu humor desabou.
Enquanto recolhia as redes, as anchovas mal eram visíveis entre hordas de águas-vivas e outros alimentos. Depois de separá-las, encheram apenas duas caixas.
“Antigamente, enchíamos de 50 a 100 dessas caixas em um único dia”, disse ele. “Mas este ano as anchovas desapareceram e estamos pegando mais águas-vivas do que peixes.”
Esse é o dilema enfrentado por dezenas de milhares de pescadores ao longo das costas da Coreia do Sul. Nos últimos 10 anos, a captura anual de lulas nas águas sul-coreanas caiu 92%, enquanto a de anchovas caiu 46%.

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Até as anchovas que Park havia pescado não eram próprias para o mercado, disse ele, e precisariam ser vendidas como ração animal.
“A pesca é basicamente inútil”, suspirou, explicando que mal cobriria os custos de combustível do dia, quanto mais os salários da tripulação.
“O mar está um caos, nada faz sentido mais”, continuou Park. “Eu costumava amar este trabalho. Havia alegria em saber que alguém, em algum lugar do país, estava comendo o peixe que eu pescava. Mas agora, com quase nada para pescar, esse sentimento de orgulho está desaparecendo.”
E, com os meios de vida desaparecendo, os jovens não querem mais entrar na profissão. Em 2023, quase metade dos pescadores da Coreia do Sul tinha mais de 65 anos, contra menos de um terço uma década antes.
Cada vez mais, capitães idosos dependem da ajuda de trabalhadores migrantes do Vietnã e da Indonésia. Frequentemente, esses trabalhadores não recebem treinamento adequado em segurança, e barreiras linguísticas impedem a comunicação com os capitães — aumentando ainda mais os riscos.
Woojin Chung, representante-chefe da Coreia do Sul na ONG britânica Environmental Justice Foundation, descreveu a situação como “um ciclo cruel e trágico”.
Quando se combinam condições meteorológicas mais extremas com a pressão para viajar distâncias maiores, o aumento dos custos de combustível e a necessidade de depender de mão de obra barata e sem treinamento, “as chances de enfrentar um desastre são muito maiores”, explicou ela.

Crédito, BBC/Hosu Lee
Em 9 de fevereiro deste ano, um grande barco afundou de repente perto da cidade costeira de Yeosu, matando 10 tripulantes.
Era um dia extremamente frio e com muito vento, e barcos menores estavam proibidos de sair, mas a embarcação foi considerada resistente o suficiente para suportar os ventos fortes. A razão de seu naufrágio ainda é um mistério.
Um dos mortos foi Young-mook, de 63 anos. Pescador há 40 anos, ele planejava se aposentar, mas naquela manhã recebeu uma ligação pedindo para cobrir uma vaga de última hora no barco.
“Estava tão frio que, se alguém caísse na água, não sobreviveria à hipotermia, especialmente na idade dele”, disse a filha Ean, ainda abalada com a morte do pai.
Ean acredita que ficou fácil demais para os proprietários de barcos culparem as mudanças climáticas pelos acidentes. Mesmo nos casos em que o mau tempo contribui, ela entende que ainda é responsabilidade dos donos avaliar os riscos e proteger a tripulação. “No fim das contas, a decisão de sair é deles”, afirmou.

Crédito, BBC/Hosu Lee
Quando criança, ela lembra que a geladeira do pai estava sempre cheia de caranguejos e lulas. “Agora os estoques desapareceram, mas as empresas ainda os obrigam a sair, e como esses homens trabalharam como pescadores a vida toda, não têm alternativas de emprego, então continuam pescando mesmo quando estão frágeis demais”, disse ela.
Ean também quer que os proprietários mantenham melhor seus barcos, que também estão envelhecendo. “As empresas têm seguro, então são indenizadas quando um barco afunda, mas nossos entes queridos não podem ser substituídos.”
As autoridades, conscientes de que não podem controlar o clima, estão agora trabalhando com os pescadores para tornar os barcos mais seguros. Enquanto estávamos com o sr. Hong, cujo barco virou no início deste ano, uma equipe de inspetores do governo chegou para realizar uma série de verificações em dois de seus outros barcos.
A força-tarefa do governo recomenda que os barcos sejam equipados com escadas de segurança, que os pescadores sejam obrigados a usar coletes salva-vidas e que o treinamento de segurança seja obrigatório para toda a tripulação estrangeira. Também quer melhorar as operações de busca e resgate e garantir que os pescadores tenham acesso a informações meteorológicas mais localizadas e em tempo real.
Algumas regiões estão até oferecendo pagamento aos pescadores pelas águas-vivas que capturam, para ajudar a limpar os mares, enquanto pescadores de lula recebem empréstimos para protegê-los da falência e incentivá-los a se aposentar.

Crédito, BBC/Hosu Lee
O problema provavelmente vai piorar. A Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) prevê que a captura total de peixes na Coreia do Sul deve cair quase um terço até o final deste século, se as emissões de carbono e o aquecimento global continuarem nas trajetórias atuais.
“O futuro parece muito sombrio”, disse o pescador de anchovas, capitão Park, agora na casa dos 40 anos. Ele começou recentemente um canal no YouTube para documentar suas capturas e tentar ganhar algum dinheiro extra. Park é a terceira geração da família a exercer essa atividade e provavelmente a última.
“Antes, parecia romântico levantar cedo e sair para o mar. Havia um senso de aventura e recompensa.”
“Hoje em dia, é simplesmente muito difícil.”
Reportagem adicional de Hosu Lee e Leehyun Choi.
Fonte.:BBC NEWS BRASIL


