Dados oficiais de vários países apontam para uma queda global sem precedentes dos níveis de natalidade. No Reino Unido, por exemplo, a taxa de fecundidade está em 1,4 filho por mulher, segundo o Escritório Nacional de Estatísticas. Nos Estados Unidos, esse índice é de 1,6. Já em nações asiáticas como Japão e Coreia do Sul, os números são ainda mais baixos, chegando a 1,2 e 0,75, respectivamente.
No Brasil, o último Censo apontou para o menor número de filhos por mulher da história – em 1960, a taxa de fecundidade era de 6,28 filhos por mulher. Atualmente essa taxa está em 1,55.
O número fica muito abaixo da chamada “taxa de reposição”, isto é, a média de filhos que cada mulher precisa ter para que a população de um país se mantenha estável ao longo do tempo, sem crescer nem diminuir. Esse valor é de 2,1 filhos por mulher. Quando a taxa fica acima desse número, a tendência é de crescimento populacional; quando fica abaixo, a população tende a diminuir no futuro.
Mas um movimento crescente observado dentro de algumas famílias de viés conservador tem desafiado a tendência de queda na fertilidade. São famílias em sua maioria cristãs, tanto evangélicas quanto católicas, com número de filhos muito acima da média brasileira, que remontam ao quantitativo de gerações passadas.
A contratendência, entretanto, ainda é pequena e até mesmo insignificante em uma perspectiva ampla de crescimento populacional. “Mesmo quando pegamos o grupo de mulheres evangélicas [que, segundo o último Censo têm a maior média de fertilidade – 1,74 filho por mulher], ainda está abaixo da taxa de reposição. Então é um crescimento que não é suficientemente expressivo no sentido de aumentar a média da taxa de reposição”, explica o sociólogo Lucas Azambuja, professor do Ibmec de Belo Horizonte.
Por outro lado, afirma ele, “trata-se de uma resistência, de um ato de ir contra a corrente, uma vez que você tem um entorno cultural e institucional que desestimula esse estilo de vida de ter muitos filhos”, pontua.
Decisão de ter mais filhos nasce de convicções profundas, diz psicóloga
Para Gleice Sivek, psicóloga clínica especialista em famílias, a decisão por ter um número de filhos acima da média está relacionada a uma visão mais aprofundada que os cônjuges têm sobre família – que, em grande parte das vezes, está relacionada a uma influência da espiritualidade, sobretudo cristã.
“Muitos desses casais perceberam falhas nos relacionamentos familiares dos seus pais, parentes e amigos de seus pais, mas passaram a acreditar que é possível algo melhor do que o que presenciaram. Mais do que uma questão emocional, cultural ou mesmo religiosa – ainda que esses aspectos embasem a decisão – são casais que acreditam no poder da família, e família no sentido mais profundo do termo”, diz a psicóloga.
Ela pondera, no entanto, que a vida de casais com famílias numerosas é repleta de desafios, e que essa realidade não é para todos. A psicóloga também pontua a importância de que os cônjuges compartilhem das mesmas convicções para serem capazes de lidar com a rotina diária, sobretudo quando os filhos ainda estão na primeira infância, até os cinco anos, com autonomia reduzida.
“É preciso mudar a ótica e o fundamento da própria existência do casal, que deve entender que precisará trabalhar mais para suprir as necessidades da casa. Além disso, muitas vezes para um dos cônjuges existe a redução de trabalho fora de casa para poder suprir a presença na educação e demandas da casa”, explica Gleice.
Rotina é exigente, mas benefícios superam, dizem mães
Para Maria Carolina Mello Porto, mãe de cinco filhos, uma família numerosa traz uma série de desafios práticos (no cuidado diários com as crianças), financeiros e emocionais. Mas nada disso, segundo ela, supera os benefícios de ter muitos filhos.
“Os maiores desafios são da própria rotina exigente, da casa e das crianças, mas se comparado à graça que é ter eles, à alegria, ao sorriso no rosto deles no final do dia, ao carinho que eles têm, à alma de criança mesmo, que é a gratidão em relação a tudo e qualquer coisa… Mesmo com pouca coisa, eles ficam super gratos, felizes e satisfeitos. Isso é muito maior do que qualquer cansaço e rotina exigente”, diz ela.
Renata Silveira Colle do Amaral compartilha da mesma opinião. Ela tem oito filhos – os dois últimos são gêmeos, que nasceram três dias após a entrevista concedida à Gazeta do Povo.
“Tudo que você tem que fazer com um, tem que fazer com todos. Então aqui em casa são seis banhos, todos eles para alimentar, cortar as unhas, escovar os dentes… Tem toda essa logística, e nem sempre há rede de apoio para ajudar. Aqui, no nosso caso, somos só nós”, conta. “Tem dias que sentimos o desgaste, mas isso faz parte da realidade de uma família grande. A gente tem que estar preparado para isso, e com o tempo, conforme eles forem crescendo, a tendência é acalmar”, diz Renata.
Estranhamento existe, e às vezes vem dos próprios parentes
Para as fontes ouvidas pela reportagem, não há necessariamente um preconceito com quem tem filhos em número acima da média, mas sim uma espécie de estranhamento – e isso por vezes vem dos próprios parentes.
“Nossa geração foi criada para mudar a realidade de antigamente, quando havia essa maior abertura à vida. E aí veio toda essa mudança na sociedade, e as pessoas decidiram não ter mais tantos filhos. Então hoje não é comum uma família grande e há um certo estranhamento”, diz Renata.
Já para Gleice, psicóloga, o “desconforto social” em ver uma família numerosa pode ter relação com um incômodo inconsciente em relação às expectativas de realização pessoal. “Esse desconforto muitas vezes denuncia, lá no fundo da consciência, que talvez tudo o que se construiu sob o aspecto financeiro e profissional não seja necessariamente o que vai trazer felicidade. Muitas vezes a pessoa conquistou tudo e ainda se sente infeliz ou sozinho, com um vazio existencial”, explica.
Fé e espiritualidade são determinantes, relatam famílias
Apesar dos desafios, famílias que decidiram dedicar-se à criação de um grande número de filhos classificam o resultado como extremamente gratificante. Além disso, tanto Renata quanto Maria Carolina, que são cristãs, apontam o fator espiritual como determinante para lidar com a jornada.
“Sempre comento com meu marido que não tem um dia que a gente não olhe para as crianças e para a nossa família com muita gratidão, agradecendo muito a Deus. Se a gente olhasse para isso alguns anos atrás, teria desespero e o sentimento de que não daríamos conta. Mas Deus, a cada ano e a cada filho, vai nos surpreendendo e nos ajudando a viver e a dar conta de cada demanda – seja ela financeira, física ou emocional”, afirma.
De forma semelhante, Renata – que tem filhos de zero a 12 anos – relata que a gratidão pela família que formou junto com o marido supera os momentos desafiadores.
“Eles estão brincando aqui na sala, a gente está olhando para eles e eu não consigo mensurar a gratidão que eu tenho a Deus por Ele ter nos dado cada um. Ver uma filha que está quase entrando na adolescência, a docilidade das pequenininhas, o menino que já é um homenzinho… Sempre dizemos que nem nos nossos melhores sonhos a gente podia sonhar com a família que Deus nos deu”, afirma.
Fonte. Gazeta do Povo