
Crédito, Arquivo pessoal
- Author, Michael Buchanan,
- Role, Social affairs correspondent
Os filhos de um homem que matou a esposa durante um surto psicótico antes de tirar a própria vida disseram à BBC que não responsabilizam o pai pelo ocorrido.
Chris e Ruth Stone-Houghton morreram em setembro de 2022, na casa da família em Portsmouth, no Reino Unido.
Uma investigação judicial concluiu que houve “falha em prestar apoio integral” à família depois que Chris recebeu alta de um hospital psiquiátrico, semanas antes das mortes.
Oliver, filho do casal, disse: “Não precisamos perdoá-lo. Em nenhum momento duvidei de que tudo foi causado pela doença”.
O Hampshire and Isle of Wight Healthcare NHS Foundation Trust afirmou que “aprendeu com este caso” para aprimorar o cuidado oferecido a pacientes em crise de saúde mental e a seus familiares.
Segundo Oliver e Abbie Stone-Houghton, Chris e Ruth eram pais amorosos e atenciosos, além de profundamente dedicados um ao outro.
“Tivemos uma infância maravilhosa e, mesmo na vida adulta, sempre fomos muito próximos dos dois”, disse Abbie.
Chris administrava um negócio de joias no qual Ruth também trabalhou. Sem histórico de problemas de saúde mental, ele passou a apresentar pensamentos delirantes depois que a empresa enfrentou dificuldades durante a pandemia de covid-19 e fechou o negócio em abril de 2022.
O quadro evoluiu para paranoia crescente: Chris acreditava, de forma equivocada, que estava sendo monitorado pelo telefone e pelo computador e temia que alguém quisesse lhe fazer mal. Ele se isolou, passou a aparentar maior fragilidade e manifestou pensamentos suicidas.
“Ele sentia que não tinha mais nada a oferecer”, disse o filho, Oliver, hoje com 30 anos.

Chris acabou diagnosticado com depressão psicótica e, em julho de 2022, tentou tirar a própria vida.
Ele foi internado de forma compulsória e encaminhado a uma ala de saúde mental do Hospital St James, em Portsmouth, administrado pelo serviço público de saúde britânico (NHS). A família acreditava que a internação duraria vários meses.
Em menos de quatro semanas, porém, Chris recebeu alta e voltou para casa contra a vontade dos familiares. Ruth estava “aterrorizada” com a possibilidade de o marido voltar a se automutilar, segundo o inquérito.
Segundo Oliver, o fato de serem uma família amorosa acabou jogando contra eles, pois a equipe teria avaliado que “não precisaria se preocupar tanto com o retorno dele para casa quanto talvez em outros casos”.
“Não recebemos praticamente nenhuma orientação sobre o que fazer ou não fazer”, afirmou Abbie. “Estávamos apenas fazendo o que achávamos certo e torcendo para que tudo desse certo.”
O psiquiatra Denzel Mitchell, consultor que trabalhava no Hospital St James, afirmou que a decisão pela alta se baseou sobretudo no fato de Chris Stone-Houghton não ter se automutilado nem apresentado episódios psicóticos durante a internação.
A legista Rachel Spearing concluiu que, embora a decisão tenha sido “adequada”, a forma como foi executada foi “insegura”, com uma “avaliação de risco inadequada”.
Chris tinha histórico de recusar o uso de medicamentos antipsicóticos em casa e precisou ser persuadido a tomá-los no hospital, fator que não foi devidamente considerado. Segundo Spearing, a família também não recebeu apoio suficiente, apesar da responsabilidade que lhe foi atribuída de garantir a adesão ao tratamento.
Ela afirmou ser “improvável” que Chris estivesse tomando a medicação no momento das mortes.

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O inquérito também apontou falhas no acesso a apoio adequado. Chris não recebeu intervenção psicológica durante a internação porque a ala não contava com um psicólogo.
Após o retorno para casa, a equipe comunitária de crise solicitou duas vezes que ele fosse encaminhado para um tratamento de intervenção precoce para psicose, considerado o mais rápido e eficaz disponível, mas os pedidos foram negados.
Chris tinha 66 anos, acima do limite etário de 65 anos estabelecido pelo NHS para esse serviço.
“Se ele tivesse recebido esse tratamento, não sabemos o que poderia ter acontecido”, afirmou Oliver.
Em vez disso, Chris entrou em uma fila de espera de um ano para terapia especializada por meio de acompanhamento psicológico.
Segundo o inquérito, caberia à família alertar a equipe de crise caso surgissem sinais de recaída. No entanto, nenhuma avaliação formal de cuidador foi realizada para Ruth, de 60 anos, responsável por acompanhar o marido.
‘Extremamente unidos’ como família
Em 14 de setembro de 2022, Chris matou Ruth na casa da família, em Portsmouth, antes de tirar a própria vida. A legista Rachel Spearing concluiu que ele estava “provavelmente sob o efeito de um episódio psicótico”.
Segundo Spearing, as mortes não poderiam ter sido previstas, e Chris e Ruth formavam um casal “amoroso e feliz”.
Oliver e Abbie disseram que eram “extremamente unidos” como família e que não responsabilizam o pai pelo que aconteceu.
“Nós dois sentimos isso com muita convicção e sabemos, no fundo do coração”, afirmou Oliver, “que [nosso pai] não seria capaz disso como uma pessoa sã e racional, e que foi a doença que levou os acontecimentos a se desenrolarem daquela forma”.
“Não deixamos que isso afete as lembranças que temos dos dois”, completou.
Em nota, o Hampshire and Isle of Wight Healthcare NHS Foundation Trust afirmou apresentar “suas mais profundas condolências à família e aos amigos de Ruth e Chris”.
O órgão acrescentou que “aprendeu com este caso, e com outros, para aprimorar continuamente a forma como cuida e apoia pessoas em crise de saúde mental e suas famílias”.
Caso você seja ou conheça alguém que apresente sinais de alerta relacionados ao suicídio, ou tenha perdido uma pessoa querida para o suicídio, confira alguns locais para pedir ajuda:
– O Centro de Valorização da Vida (CVV), por meio do telefone 188, oferece atendimento gratuito 24h por dia; há também a opção de conversa por chat, e-mail e busca por postos de atendimento em todo o Brasil;
– Para jovens de 13 a 24 anos, a Unicef oferece também o chat Pode Falar;
– Em casos de emergência, outra recomendação de especialistas é ligar para os Bombeiros (telefone 193) ou para a Polícia Militar (telefone 190);
– Outra opção é ligar para o SAMU, pelo telefone 192;
– Na rede pública local, é possível buscar ajuda também nos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), em Unidades Básicas de Saúde (UBS) e Unidades de Pronto Atendimento (UPA) 24h;
– Confira também o Mapa da Saúde Mental, que ajuda a encontrar atendimento em saúde mental gratuito em todo o Brasil.
Fonte.:BBC NEWS BRASIL


