Ângela Diniz: Assassinada e Condenada é mais que uma ótima série, é um lembrete assustador de que ainda temos muito o que conversar e evoluir como sociedade. A produção apresenta a socialite Ângela Diniz, apelidada de “Pantera de Minas”, meses antes de seu assassinato, oferecendo a possibilidade do público conhecer um pouco mais a mulher por trás dos relatos. Estrelada por Marjorie Estiano e dirigida por Andrucha Waddington, a série é um retrato tocante da história de Ângela.
Em coletiva sobre a produção, o elenco falou sobre as expectativas quanto à recepção da série. Os atores, o diretor e as produtoras presentes reforçaram os paralelos entre a história da protagonista e histórias de feminicídios atuais, com destaque para a cena do julgamento de Doca Street, onde o advogado de defesa utilizou da tese de “legítima defesa da honra” à favor do réu, que obteve grande apoio público.
“Não pode ser só isso a vida, né?”
Intérprete de uma amiga próxima de Ângela, Camila Márdila aposta nas escolhas criativas da produção para mostrar a força da protagonista. Lulu, sua personagem, representa o compilado de registros de diversas amigas da socialite na vida real.
Sobre isso, Camila disse: “Eu acho, inclusive, que essa questão da tese de legítima defesa da honra pode não existir mais juridicamente desde 2023, mas ela ainda é a base do pensamento, a origem de toda a violência de gênero. Enquanto a gente fazia a série, eu sentia muito nas escolhas da Marjorie, nas escolhas do Andrucha, da Rebeca, de todo mundo que estava ali construindo isso: todos queriam bancar essa personalidade, essa particularidade da Ângela que incomoda. Porque a verdade é que tanto homens quanto mulheres se incomodam com uma mulher usufruindo dessa liberdade, bancando os seus desejos e falando.”
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A atriz também acredita que a série vai expor opiniões que o público nem sabe que têm, revelando possíveis hipocrisias e fazendo a audiência se questionar.
“Tem uma fala muito bonita em determinado momento da série em que a Ângela diz que ‘não pode ser só isso a vida, né?’. Ela quer expandir. Mas a gente não tá muito preparado para isso. Acho que é uma série que vai dividir opiniões, inclusive, e deflagrar essa falha, em relação ao julgamento sobre a Ângela. Porque vai ter muita gente que vai adorar e se sentir contemplada, e falar ‘uau, que mulher!’, mas acho que vai reforçar quem tem aquela cabeça de olhar e falar: ‘Hum, mas ela merecia…’. E aí a pessoa morde a própria língua, porque se percebe condenando também essa assassinada”, Camila seguiu.
As palavras no título da série não foram colocadas por acaso. No julgamento ficou claro que quem estava na reta não era o assassino, mas sim a assassinada.
É necessário botar essas datas lado a lado e entender que esse Doca hoje estaria no Congresso. Esse Doca teria uma equipe de marketing agindo junto com ele.
“Acho que esse título de “assassinada e condenada”, que a gente vive muito em casos de estupro, por exemplo — em tudo que está relacionado à violência de gênero — tem essa base introjetada. A série vai provocar debates nesse sentido, e essa complexidade vai ser muito boa da gente sentir, conversar e perceber o público a partir disso.”, Camila finalizou.
Como ser livre em um contexto tão punitivista?
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Yara de Novaes, que interpreta a mãe de Ângela, Maria, aclamou Marjorie em sua interpretação, também reforçando a escolha da série em retratar a protagonista como uma mulher que lutava por sua liberdade.
“Eu fiz essa cena com a Marjorie, quando a mãe fala: ‘Mas, minha filha, você tem tudo, tudo, tudo’. E ela fala: ‘Isso não pode ser tudo’. O jeito que a Marjorie falou foi tão pedagógico. Eu, fazendo Maria, sendo mineira, de uma circunstância super religiosa e punitiva, em que a culpa é protagonista… Quando a Marjorie fez isso pra mim, ali, no set, me deu uma iluminada.” Yara disse, emocionada.
A produção questiona o que é certo e errado quando se trata de gênero, fugindo de estereótipos e obrigando o público a encarar padrões pré-estabelecidos. O diferencial é que, durante toda a história, já sabemos exatamente onde esses padrões nos levam como sociedade.
Yara continuou: “Ela escolheu assumir essa mulher. Normalmente colocam a Ângela, para defendê-la, como uma mulher amorosa com os filhos, o estereótipo da mulher que ‘não deve morrer’, a mulher que precisa ser protegida — a mulher como ela ‘deve ser’, de acordo com essa visão misógina que a gente tem. E a Marjorie não fez isso. Ela fez uma mulher libidinosa, lascívia, desejosa. Isso é incrível e é uma libertação para nós, mulheres. Uma libertação: usar o corpo como quer, usar a roupa que quer. E isso não significa que a gente está fazendo convite para ninguém, para nenhum homem”.
Ouvir, pensar e refletir: contar essa história é essencial
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Emílio Dantas, intérprete do assassino, abriu sua participação na coletiva se apresentando como “o cara que interpreta esse grandíssimo filho da puta, Doca Street”. Ele não estava errado. O ator questionou onde esse personagem estaria, se esse exato caso acontecesse nos dias de hoje.
“A única coisa que eu penso é que muitas vezes a gente faz o paralelo temporal. A gente vê um fato que aconteceu há 49 anos e pensa: “Poxa, até hoje…”. Mas é necessário botar essas datas lado a lado e entender que esse Doca hoje estaria no Congresso. Esse Doca teria uma equipe de marketing agindo junto com ele. O máximo do avanço tecnológico ali era televisionar o julgamento e apelar com o melhor advogado possível. Mas é importante entender também quem seria a Ângela hoje. Não é só um atraso no nosso comportamento. Essa Ângela seria muito mais massacrada na internet, na vida, enfim. Então, é pra gente não fazer só o caminho de lá para cá, mas também de cá para lá, entendendo o que isso acarreta.”
Thiago Lacerda, que interpreta o jornalista Ibrahim Sued, complementou dizendo que a série deve ser vista como uma oportunidade de reflexão, para entendermos onde estamos, visualizando o futuro.
“Tem um aspecto interessante no que o Emílio falou. A série é uma oportunidade de reflexão sobre essa relação cotidiana de opressão, de imposição autoritária do patriarcado. E de uma certa maneira, esse retorno a uma história de 49 anos é uma forma de compreender que tudo isso não caiu do céu. A gente vem de algum lugar. Compreender toda essa circunstância e projetar como seria hoje essa história é uma oportunidade de entender melhor o lugar que a gente está, e imaginar um pouquinho o que vem pela frente”, disse o ator.
Lacerda se diz impressionado com a atualidade dessa luta e reforça a importância de histórias como a de Ângela serem contadas.
“Essa luta é cotidiana, não cessou, ela não mudou para outro lugar, ela se transforma e ainda faz parte do presente, isso é muito impressionante. A história da Ângela precisa ser contada para que a gente não se esqueça desse aspecto da nossa cultura, desse lugar que a gente habita. Esse ‘dedo no olho’ que é essa história e que o Andrucha vai contar é urgente, essencial, e faz parte do hoje, do aqui e agora. A gente precisa olhar pro lugar de onde a gente vem. Sem isso, é difícil compreender o que rola hoje”, finalizou o ator.
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A diretora de produção da Warner Bros. Discovery., Renata Rezende, concluiu então o papo sobre as expectativas, dizendo que a intenção era exatamente essa: provocar uma discussão sobre tudo o que aconteceu com Ângela.
“Quando você perguntou qual é a expectativa com a série, é exatamente essa: provocar, fomentar esse tipo de conversa, esse tipo de discussão. Desde aquela época até hoje, a gente entende que pouco avançou. Na época do julgamento, que foi televisionado, não sei se todos sabem, mas havia uma torcida a favor do Doca, a gente registra isso na série. E hoje, muita gente ainda vai assistir e validar esse tipo de atitude. Esse tipo de conversa e discussão é a nossa grande expectativa com o lançamento desse projeto”, disse Renata.
Ângela Diniz enxergava viver como a beleza da vida
Enfim, no início da coletiva, Marjorie Estiano compartilhou um pouco sobre o que aprendeu interpretando essa personagem tão injustiçada e condenada.
“A Ângela era uma figura que se autorizava a se dar prazer, a ter liberdade de viver e não querer conquistar nada. Ter viver como a beleza da vida. E é um ensinamento muito importante, acho que para todos nós. Eu me identifico muito com a falta dessa autorização de prazer, de beleza, de liberdade. Para mim a vida sempre foi muito trabalho: é trabalho, é compromisso, é seriedade. Então foi uma oportunidade de me experimentar na liberdade, me experimentar na leveza, me experimentar no prazer, e isso é muito valioso. Acho que isso é um processo para a vida inteira, um exercício para a vida inteira”, explicou a atriz.
Marjorie continuou com a reflexão: “Ela me trouxe e continua me trazendo consciência histórica sobre a batalha, a luta pelos direitos das mulheres, a consciência sobre o impacto de uma formação de gênero, de uma sociedade machista. Quando você estuda sobre isso, você começa a enxergar melhor a sociedade, a sua própria vida e suas relações”, concluiu.
Os dois primeiros episódios de Ângela Diniz: Assassinada e Condenada estão disponíveis no HBO Max. A série será lançada semanalmente às quintas-feiras. Confira o trailer:
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Fonte.: TecMundo


