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Em uma publicação no X, o comitê que concede a honraria afirma ter escolhido a política, principal figura da oposição na Venezuela, “por seu trabalho incansável na promoção dos direitos democráticos do povo da Venezuela e por sua luta para alcançar uma transição justa e pacífica da ditadura para a democracia”.
Ainda segundo o comitê, María Corina é uma “mulher que mantém acesa a chama da democracia, em meio a uma escuridão crescente”, e recebeu o prêmio por ser um dos “exemplos extraordinários” de coragem na América Latina nos últimos tempos.
María Corina, de 58 anos, vem há anos fazendo campanha contra o governo do presidente Nicolás Maduro, que acumula acusações de organizações de direitos humanos e cuja vitória na última eleição não foi reconhecida como legítima por diversos países, entre eles o Brasil.
Impedida de concorrer nas eleições presidenciais do ano passado, nas quais Maduro conquistou um terceiro mandato de seis anos, María Corina conseguiu unir a oposição em torno de um único candidato, Edmundo González, trazendo esperança de mudança para milhares de venezuelanos.
No cenário internacional, a líder oposicionista é elogiada por seu discurso pró-democracia e pró-liberdades e é vista como uma chance de alternância de poder em relação ao chavismo, que governa a Venezuela desde 1997.
Especialistas que acompanham o país lembram, em entrevista à BBC News Brasil, que, internamente, a visão sobre María Corina tem mais matizes e ela enfrenta ressalvas até de oposicionistas, por algumas estratégias usadas no passado e dada sua proximidade histórica com os governos dos EUA e, agora, com o governo Trump.
María Corina tem apoiado o envio de navios militares dos EUA em direção à costa venezuelana pelos Estados Unidos e a estratégia de explodir barcos que eles considerem levar drogas para território americano.
O governo Trump ainda não apresentou provas e detalhes sobre quem ou o que estava a bordo desses barcos, numa ofensiva que começou em setembro.
Os ataques no Caribe têm provocado condenação em países como Venezuela e Colômbia, além de críticas do governo brasileiro. Alguns juristas os classificam como uma violação do direito internacional.
No começo do mês, um memorando vazado enviado ao Congresso americano – e divulgado pela imprensa local – revelou que o governo Trump decidiu que está em um “conflito armado não internacional” com cartéis de drogas, alguns dos quais a Casa Branca classifica como “grupos terroristas”. Maduro, segundo o governo americano, lidera um desses cartéis.
O memorando foi considerado significativo porque o governo dos EUA é obrigado por lei a informar o Congresso se usará as Forças Armadas, o que sugere que Washington pode estar planejando novas ações militares na região.
Maduro rejeita as acusações de narcotráfico e vê o envio de tropas como uma tentativa dos Estados Unidos de intimidar com a ameaça de um eventual ataque à Venezuela, buscando uma mudança de governo. Em resposta, o governo ordenou que soldados ensinassem a população das comunidades pobres a usar armas.
Em entrevista à Fox News, María Corina afirmou que a medida de Trump contra a Venezuela era “decisiva”.
“Estamos em um momento decisivo para as Américas. O que está acontecendo na Venezuela, fruto da firme postura do presidente Trump em desmantelar essa estrutura criminosa, está tendo um impacto enorme”, afirmou.
Em outra entrevista com Fox News, desta vez em espanhol, Corina diz que seu movimento político está preparado para assumir o poder na Venezuela em caso de queda de Maduro, uma posição que ela repetiu no X:
“Estamos prontos para uma transição ordenada e pacífica rumo à democracia. Vamos tomar o controle territorial e institucional com os melhores venezuelanos”, escreveu.

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‘Um Nobel para María Corina certamente surpreende’
“Um Nobel da paz para María Corina certamente surpreende”, afirmou Marsílea Gombata, professora de relações internacionais da Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP) e pesquisadora do Núcleo de Pesquisa em Relações Internacionais (NUPRI) da Universidade de São Paulo (USP).
“Apesar de ser uma líder opositora que nas últimas eleições simbolizou o clamor por um processo eleitoral justo e transparente, María Corina é também uma política que, historicamente, angaria apoio por meio de polarização e estratégias de confronto.”
“Um conflito militar na região dificilmente levaria a uma mudança de poder na Venezuela, e teria consequências desastrosas para toda a região”, afirma Gombata.
A professora de Relações Internacionais e coordenadora do grupo de pesquisa Realidades Latinoamericanas da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) Carolina Pedroso, analisa de maneira semelhante: “Chama atenção ela ter sido escolhida, porque ela não é, das figuras opositoras, a mais pacífica”, afirma Pedroso.
“Pelo contrário, ela é considerada a mais radical, a que não descarta, ao contrário, incentiva, meios beligerantes para a derrubada do governo”, diz a professora da Unifesp.
Pedroso cita o apoio a esse avanço americano sobre o território venezuelano é um dos pontos questionáveis da trajetória de María Corina.
“Os Estados Unidos estão deslocando submarinos nucleares em uma zona que, desde 1968, é desnuclearizada por um acordo internacional do qual os Estados Unidos também fazem parte”, diz ela, mencionando o Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares.
Nos últimos dois meses, os EUA confirmaram envio de navios de guerra americanos para o Caribe, incluindo destróieres de mísseis guiados e um submarino de propulsão nuclear.
Ao ser informada sobre o prêmio, María Corina fez um gesto para Trump, que esperava ser o ganhador do Nobel da Paz.
“Dedico este prêmio ao povo sofrido da Venezuela e ao presidente Trump por seu apoio decisivo à nossa causa!”, escreveu ela em sua conta no X.
Mas a proximidade com o governo norte-americano, rival do governo bolivariano de Chávez e Maduro há décadas, não é recente para María Corina Machado.
“Ela sempre defendeu, pelo menos desde o início do governo Maduro, uma intervenção direta dos Estados Unidos na política venezuelana”, afirma Pedroso.
“Estamos falando de uma pessoa que há mais de 20 anos tem um discurso de defender a democracia e a liberdade, mas por outro lado já participou de ações que foram antidemocráticas”, diz a professora, citando o apoio de Corina ao golpe contra Hugo Chávez em 2000.
Naquele momento, os Estados Unidos foram o primeiro país a reconhecer o presidente interino, que se autodeclarou presidente após o afastamento de Chávez, que durou 47 horas. “E o papel da María Corina foi essencial para abrir essa articulação”, diz.
Ala da oposição sai fortalecida
Para Gombata, que também é mestra e doutora pelo Departamento de Ciência Política da USP, onde defendeu tese sobre democracia e autoritarismo na Venezuela chavista, a premiação de María Corina pode dar musculatura para uma oposição mais beligerante. Pedroso concorda.
“Talvez essa premiação fortaleça uma ala da oposição mais combativa e disposta a qualquer coisa – até mesmo um confronto armado no território venezuelano – para tirar Maduro do poder”, diz a professora da Faap.
“Tentar mudar as coisas à força, o que tem sido a tônica do governo Trump desde o seu primeiro mandato, com as sanções ao setor petrolífero venezuelano, não está funcionando. No fim do dia, quem sofre são os venezuelanos cada vez mais empobrecidos, enquanto Maduro se fortalece domesticamente.”
Já para Pedroso, além do fortalecimento da oposição, a premiação é uma vitória do governo Trump – o secretário de Estado dos EUA, Marco Rúbio, quando ainda era senador, fez parte do grupo que indicou María Corina ao Nobel em 2024.
“Pode ter parecido uma derrota para Trump por ele não ter sido nomeado, mas não é uma derrota do trumpismo global, porque ela é uma aliada do trumpismo”, diz.
Fonte.:BBC NEWS BRASIL