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13 de junho de 2025

Novo Código Eleitoral pode consolidar a censura à direita em 2026

Novo Código Eleitoral pode consolidar a censura à direita em 2026

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O novo Código Eleitoral que tramita na Comissão de Constituição de Justiça (CCJ) do Senado pode ser utilizado como ferramenta para censurar críticos do processo eleitoral, em especial candidatos de direita. O texto relatado pelo senador Marcelo Castro (MDB-PI) criminaliza quem “desestimular o exercício do voto e deslegitimar o processo eleitoral”. Caso o projeto seja aprovado, a pena para esses crimes pode variar de 1 a 4 anos de reclusão e multa.

O projeto se soma ao histórico do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) durante as últimas eleições gerais, quando penalizou postulantes liberais e conservadores por críticas às urnas. A atuação da Corte contra os candidatos resultou em diversas penalidades, como cassação, inelegibilidade, bloqueio de redes sociais e remoção de publicações do meio digital por críticas às urnas.

Sob o argumento de “ataque ao sistema eleitoral”, em 2018, o TSE chegou a remover 213 postagens de eleitores do então candidato Jair Bolsonaro (PL), à época no PSL, que criticavam as urnas eletrônicas: 86 no Twitter, 43 no Facebook e 84 no Youtube. Já em 2022, o TSE comandado pelo ministro Alexandre de Moraes removeu 135 postagens em redes sociais de diversos candidatos e eleitores que tratavam das urnas eletrônicas.

Devido a essa atuação, avaliação de especialistas é de que postulantes a cargos e cidadãos comuns podem sofrer penalidades em 2026 se o novo Código Eleitoral for aprovado no Senado.

O texto chegou a entrar na pauta da CCJ nesta quarta-feira (11), mas foi adiado para 9 de julho por falta de acordo entre os membros. O projeto, um substitutivo com 898 artigos, propõe a unificação e atualização de diversas normas que regem o sistema eleitoral e partidário brasileiro.

Entre as legislações incorporadas estão o atual Código Eleitoral, a Lei Geral das Eleições, a Lei dos Partidos Políticos, a Lei de Inelegibilidades, além da Lei nº 9.709/1998, que trata de plebiscitos, referendos e projetos de iniciativa popular. Também foram incluídas a Lei nº 14.192/2021, que combate a violência política contra a mulher, e a Lei nº 6.091/1974, sobre transporte gratuito para eleitores em zonas rurais nos dias de votação.

A mudança na legislação eleitoral ocorre em um momento em que o Congresso busca fazer alterações no sistema político, como a proposta que extingue a reeleição para cargos ao Executivo.

A restrição a manifestações contra o sistema eleitoral recebeu críticas por parte da oposição. O senador Rogério Marinho (PL-RN) questionou a abrangência do artigo 859 do projeto, que responsabiliza cidadãos e comunicadores pelas declarações durante o período eleitoral. “Você está criminalizando a crítica, está restringindo o debate público, está imputando penas às pessoas pela simples discordância”, disse Marinho.

Já Marcelo Castro negou que a normativa puna críticas feitas por cidadãos. Para ele, o texto criminaliza quem desacreditar o resultado eleitoral para “promover uma balbúrdia, para desacreditar o eleito”.

A discussão da matéria ocorre ao mesmo tempo em que o Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria para alterar o entendimento vigente sobre o artigo 19 do Marco Civil da Internet. Com a decisão, a exigência de ordem judicial para a responsabilização das plataformas deixará de ser regra, o que tende a agravar a censura nas redes sociais no Brasil.

Deputados já foram cassados por críticas ao sistema eleitoral

Apesar da declaração do relator, parlamentares de direita já foram penalizados pela Justiça Eleitoral por criticar o sistema de votação. O próprio ex-presidente Jair Bolsonaro também se enquadra na situação, já que foi tornado inelegível pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) por criticar a urna eletrônica em uma reunião com embaixadores. 

Apesar de ser o caso mais emblemático envolvendo uma personalidade da direita, a cassação de Fernando Francischini (União Brasil-PR), em 2021, é lembrada pela oposição como um marco na atuação da Justiça Eleitoral contra membros da direita.

Na época, o TSE cassou o mandato do parlamentar e o tornou inelegível por dizer, em 2018, que urnas teriam sido adulteradas para impedir a eleição de Jair Bolsonaro ao cargo de presidente. Francischini foi o candidato mais votado para deputado estadual daquele pleito, com quase 428 mil votos. Ele havia sido eleito para exercer o mandato na Assembleia Legislativa do Paraná.

Ele chegou a recorrer ao STF, recebendo do ministro Nunes Marques uma liminar favorável para continuar com o mandato. Em 2022, no entanto, a Segunda Turma do STF derrubou a liminar e manteve a cassação.

A deputada Carla Zambelli também já teve seu diploma cassado pelo Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo (TRE-SP), em janeiro deste ano. Na ação, a Corte puniu a parlamentar por críticas feitas às urnas em 2022. 

Houve um recurso contra a decisão no TSE, que ainda aguardava deliberação do Tribunal. Com a declaração de perda do mandato pelo STF, no caso envolvendo uma invasão ao sistema do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), na qual a Justiça entende que Zambelli teria participação, a expectativa é de que a ação na Justiça Eleitoral não ande.

Combate à desinformação não pode justificar censura

O texto analisado pela CCJ do Senado é vago e pode deixar margem para que eventuais críticas ao sistema eleitoral sejam interpretadas como ataques à democracia. Segundo o advogado Richard Campanari, membro da organização não governamental Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep), a tentativa de combater a desinformação no processo eleitoral não pode se transformar em um instrumento de censura.

Para ele, o artigo 859 do projeto do novo Código Eleitoral representa uma ameaça à liberdade de expressão ao criminalizar a divulgação de “fatos inverídicos” que causem “deslegitimação” do voto.

“Sob o manto da proteção do processo eleitoral, o texto é vago e aberto. Termos como ‘atentado grave à igualdade’ ou ‘deslegitimação’ permitem interpretações subjetivas por autoridades, o que afronta princípios básicos do Direito”, afirmou.

Campanari também chama atenção para o que considera uma inversão do ônus da prova ao punir quem “deveria saber” que uma informação é falsa. “Isso impõe um dever de checagem irrealista ou impossível, sobretudo no ambiente das redes sociais. O resultado inevitável é um chilling effect: o medo de responsabilização penal levará eleitores, jornalistas e candidatos a evitarem manifestações críticas ou debates legítimos”, avaliou.

Para o advogado, o texto atual abre margem para perseguições políticas. “Em um Brasil já polarizado, isso pode virar ferramenta para silenciar críticas legítimas e perseguir opositores. Já vimos sinais desse risco nas eleições de 2022, quando decisões do TSE determinaram a remoção de conteúdos críticos — algo que muitos consideraram censura prévia. Em uma democracia, o discurso político — mesmo duro ou provocador — deve ser amplamente protegido. Não cabe ao Estado decidir o que é a “verdade oficial” no debate eleitoral”, disse Campanari.

Esquerda já criticou as urnas e duvidou de resultado eleitoral, mas não foi punida

Antes de Bolsonaro se tornar o principal alvo de investigações por ataques ao sistema eleitoral, figuras da esquerda também já haviam expressado desconfiança sobre as urnas eletrônicas. Um dos casos mais lembrados é o de Flávio Dino, que atualmente é ministro do Supremo Tribunal Federal (STF).

Em 2013, quando ainda era deputado federal, Dino publicou em suas redes sociais que as urnas brasileiras eram “extremamente inseguras e suscetíveis a fraudes”. Ele argumentou que o professor Diego Aranha “conseguiu provar a vulnerabilidade das urnas”. Na época, o então deputado participava do workshop em Pernambuco “Eleições Digitais: desafios tecnológicos e jurídicos”, que contava com uma apresentação de Aranha.

No ano anterior, o pesquisador detectou vulnerabilidades no software de votação, o que poderia representar um risco ao sigilo do voto. Questionado pelo jornal O Estado de S. Paulo sobre o assunto, em 2023, Aranha afirmou que a “vulnerabilidade havia sido propriamente corrigida” após novas verificações ao código-fonte do sistema.

Durante depoimento ao STF, na terça-feira (10), Bolsonaro resgatou esse e outros episódios para argumentar que suas falas sobre o sistema eleitoral não foram inéditas nem exclusivas. Segundo ele, a desconfiança em relação às urnas eletrônicas já havia sido manifestada por diversos atores políticos, inclusive da esquerda, e por isso não poderia ser considerada, por si só, um ataque à democracia. O ex-presidente afirmou que estava apenas exercendo seu direito de crítica dentro dos limites do debate público.

Além de Dino, a deputada federal Erika Kokay (PT-DF) também se destacou por críticas ao sistema eleitoral. Em 2018, ela afirmou que a eleição presidencial vencida por Bolsonaro havia sido fraudada. A declaração foi feita nas redes sociais e repercutiu entre apoiadores do então presidente, que passaram a cobrar isonomia na forma como o Judiciário lida com manifestações de desconfiança sobre o processo eleitoral.

“Bolsonaro não seria presidente se as eleições de 2018 não tivessem sido fraudadas”, disse a parlamentar. Em seguida, escreveu: “Nós não aceitaremos mais nenhum tipo de golpe contra a democracia neste país!”.

Quando questionado sobre o tema, o TSE já afirmou que as “urnas eletrônicas são seguras, são confiáveis, e não há nenhuma indicação segura de que não protegem o sigilo e a veracidade do voto de todos os brasileiros.”

O advogado constitucionalista André Marsiglia avalia que o cerne da preocupação institucional não está nas críticas ao sistema eleitoral, mas na força de mobilização que elas podem gerar. “O problema não é nem urnas e nem sistema eleitoral, nenhum desses conceitos é em si um problema”, afirma.

Para ele, a direita tem conseguido engajar sua base com mais eficácia, o que desperta atenção dos tribunais. “A esquerda não mobiliza ninguém, a direita mobiliza. E o receio dos tribunais, portanto, não é do questionamento, mas da mobilização popular a partir dos questionamentos.”

Em 2022, parlamentares de direita foram alvos preferidos do TSE

As últimas eleições gerais demonstraram como o novo Código Eleitoral pode funcionar na prática. Sob o comando de Alexandre de Moraes, o TSE chegou a determinar a remoção de 135 postagens em redes sociais que tratavam das urnas eletrônicas.

A decisão do ministro ocorreu após a Assessoria Especial de Enfrentamento à Desinformação do TSE encaminhar uma lista de 224 conteúdos com desinformação em várias redes sociais. Moraes decidiu pela remoção das 135 publicações que vinham de perfis com mais seguidores ou que tiveram mais alcance.

Além disso, Moraes chegou a bloquear perfis dos deputados federais Major Vitor Hugo (PL-GO), Marcel Van Hattem e dos então deputados eleitos Nikolas Ferreira (PL-MG), Gustavo Gayer (PL-GO), Coronel Tadeu (PL-SP), José Antonio dos Santos Medeiros (PL-MS) e Cabo Gilberto (PL-PB). Na época, o ministro alegou que os congressistas publicaram desinformações sobre urnas eletrônicas. A liberação ocorreu em dezembro, após o período eleitoral.

Moraes analisou um pedido apresentado pelo ex-presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), por meio do qual solicitou “a reconsideração das decisões que determinaram a suspensão de perfis de Deputados Federais nas redes sociais, dada a relevância dessa forma de comunicação para o exercício pleno das atribuições do mandato parlamentar”.



Fonte. Gazeta do Povo

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