Teve o gosto de um último cosmopolitan. Sarah Jessica Parker deu adeus à Carrie Bradshaw e, com isso, milhões de mulheres se despediram oficialmente da própria juventude. Não foi só o fim de uma personagem, foi o fim de uma era. Daquela em que usar um salto agulha num dia quente parecia plausível, mesmo que totalmente insano. Daquela em que a gente achava que tudo na vida podia ser resolvido com uma amiga do lado, uma taça de vinho e uma boa desculpa para mais um encontro ruim. (Spoiler: podia.)
Muito da mulher que me tornei, que nos tornamos, teve inspiração na liberdade que “Sex and the City” pregava. E, diferentemente de muitas séries que envelheceram mal, essa aqui foi importante, com todos os exageros e limitações que só algo realmente disruptivo tem. Carrie, Miranda, Charlotte e Samantha chegaram antes do feminismo pop, antes das redes sociais, antes da problematização em tempo real. E falaram de tudo: protagonismo sexual feminino, machismo, homossexualidade, câncer, aborto, traição, prostituição, sexo anal, embalados num banho de loja com sapatos de US$ 660. Alguém podia ter aquele estilo de vida? Eu não, a maioria não.
Não era só entretenimento. Era quase um curso intensivo de autonomia emocional disfarçado de novela fashionista. Quem torceu o nariz porque “elas eram fúteis” não entendeu nada. Ou entendeu, mas teve preguiça de aceitar que, sim, era possível falar de sexo, angústia, vulnerabilidade e poder feminino enquanto se discutia a estampa da bolsa da temporada. A futilidade era só o cavalo de Troia. O recheio era tabu, servido com humor, brilho labial e a cara de pau de quem resolveu expor tudo o que a gente falava só entre amigas.
Muito antes de qualquer tese sobre amizade entre mulheres virar tendência no TEDx, “Sex and the City” já colocava o grupo como centro de tudo. Os namorados vinham e iam. O Mr. Big sumia, voltava, decepcionava, sumia de novo. Mas elas estavam lá. Sentadas no café da manhã, julgando, apoiando, rindo e às vezes surtando, como toda amizade real. O “quem é você na série?” virou quase um teste de personalidade. Mas a verdade é que todas éramos um pouco de cada. Inseguras como Charlotte, cínicas como Miranda, ousadas como Samantha e confusas (e excessivamente apaixonadas) como Carrie.
A carta de despedida que Sarah Jessica Parker escreveu à sua personagem é quase uma crônica da nossa vida adulta. Ela cruzou ruas, avenidas, limites. Partiu corações, quebrou saltos e hábitos. Amou, perdeu, ganhou, tropeçou. Envelheceu –e ficou melhor. Carrie viveu amores e desastres, escreveu, duvidou, publicou, dançou, foi traída, traiu, foi fiel, foi contraditória. Como todas nós.
E agora se vai. Não num final melancólico, mas com a dignidade de quem entende que fechar um ciclo é mais corajoso do que arrastá-lo até ele virar autoparódia. Sarah se despede com gratidão, e a gente também. Porque, querendo ou não, essa personagem nos deu mais do que looks e frases de efeito: ela deu licença. Para experimentar, errar, recomeçar. Para ser adulta sem perder a essência. Para ser solteira sem ser coitada. Para amar uma cidade, uma ideia ou um salto Manolo, mas para nos amarmos acima de tudo.
O adeus a Carrie Bradshaw não é só o fim de uma série. É o encerramento oficial da juventude de uma geração inteira. A gente envelheceu junto –mas agora com menos drama, mais autoestima e, no meu caso, tênis no lugar do salto. E quer saber? Tudo bem. Temos nossas amigas, nossos amores bem escolhidos, nossos limites bem definidos. Conquistamos liberdade, prazer, respeito e a coragem de dizer não. Temos a cidade, temos o mundo, temos umas às outras. E, agora que nos conhecemos de verdade, ninguém mais vai nos parar.
LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar sete acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.
Fonte.:Folha de S.Paulo