
Crédito, Tiago Calazans/BBC
- Author, Adriana Amâncio
- Role, De Recife para a BBC News Brasil
A Academia Brasileira de Cinema escolheu nesta segunda-feira (15/9) o filme O Agente Secreto para representar o Brasil na disputa pelo Oscar 2026.
Seis longas estavam no páreo, entre os quais Manas, de Mariana Brennand.
Desde maio de 2025, quando estreou no Festival Cannes, O Agente Secreto vem amealhando prêmios e críticas positivas. O filme rendeu um prêmio inédito a Wagner Moura como Melhor Ator, e a segunda Palma de Ouro de Melhor de Diretor a Mendonça Filho.
Nascido em Recife, em 1968, o diretor é formado em jornalismo pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
Como cineasta, despontou nacionalmente com o longa O Som ao Redor, escolhido como um dos dez melhores filmes de 2012 pelo jornal The New York Times.
Ele já dirigiu13 filmes, entre curtas e longas-metragens.
A história de O Agente Secreto se passa na cidade do Recife, durante a semana de Carnaval.
Segundo uma crítica da BBC, o filme “transborda sexo, tiroteios, matadores de aluguel e carros antigos — e mostra uma perna humana decepada encontrada na barriga de um tubarão”.
O Agente Secreto é estrelado pelo ator Wagner Moura, que interpreta um professor viúvo que se opôs às tentativas de um funcionário do governo de roubar sua pesquisa patenteada.
“Um dos temas centrais do filme é a questão do que é lembrado e do que é esquecido, e Kleber Mendonça Filho, que cresceu no Recife, parece determinado em registrar, na película, todos esses detalhes peculiares antes que eles sejam apagados para sempre”, diz a crítica.
Em entrevista à BBC News Brasil um dia após a pré-estreia de O Agente Secreto no Recife, na semana passada, o diretor disse que não teve escolha sobre a “candidatura” do filme ao próximo Oscar.
Segundo ele, desde que venceu as premiações em Cannes, em maio, e foi adquirido pela distribuidora Neon – a mesma que comprou os direitos dos premiados Parasita (2019) e Anora (2024) -, o filme se tornou forte concorrente para o Oscar.
“Então, ele naturalmente, de maneira muito orgânica, começou a campanha no mês de maio”, afirmou.
A Neon já promoveu uma sessão exclusiva de O Agente Secreto para membros da Academia do Oscar, em Los Angeles.
Na entrevista à BBC, o diretor explicou ainda sua preferência pelas salas de cinema mesmo diante do crescimento das plataformas de streaming e avaliou o terceiro mandato de Lula como “uma volta do Brasil aos trilhos democráticos”.
Confira a seguir os principais trechos da entrevista.

Crédito, Divulgação/Vitrine Filmes
BBC News Brasil: Você está disposto a encarar a maratona pela disputa de mais um Oscar para o Brasil?
Kleber Mendonça: É como se eu, como produtor, realizador e artista, não tivesse exatamente uma escolha, porque O Agente Secreto começou uma campanha em maio, quando participou do Festival de Cannes.
Essa campanha foi começada não por mim, nem por ninguém do filme, mas pelo fato de ele estar no Festival de Cannes em competição. Por ter sido excepcionalmente bem recebido pela imprensa internacional. Por ter sido adquirido pela Neon, que é hoje a mais influente, mais forte distribuidora de filmes de prestígio nos Estados Unidos e que tem trabalhado muito bem em campanhas de Oscar.
E finalmente por ter ganhado o prêmio de melhor diretor, melhor ator e o prêmio da crítica da Federação Internacional de Críticos de Cinema (FIPRESCI, na sigla em inglês). Quando isso aconteceu, começou uma campanha para esse filme ter uma participação importante na chamada temporada de prêmios.
BBC News Brasil: Como é alavancar o cinema nacional em uma época na qual o streaming vem ganhando força, inclusive com produções exclusivas?
Mendonça: Eu fui criado num ambiente onde o filme passa em primeiro lugar na sala de cinema. Eu acredito na sala de cinema, na experiência popular do cinema e eu acho também que o streaming deve chegar para fazer parte da vida de um filme que eu faço.
Mas eu não quero nesse momento que o meu filme seja em primeiro lugar visto em streaming. Eu acho que o streaming, ele vem como parte da vida lá na frente de um novo filme. Desde O Som ao Redor, eu trabalho arduamente para lançar o filme nas salas de cinema e eu tenho parceiros que eu gosto muito que a gente trabalha muito bem junto que é a Vitrine Filmes.
Desde O Som ao Redor que a gente lança filmes na sala de cinema. Uma vez finda a temporada na sala de cinema, que pode durar entre dois e seis meses, o filme vai chegar em outras plataformas. E eu acho que isso é muito bom, porque o Brasil ainda é um país que não consegue atender as regiões com salas de cinema e finalmente um filme, quando chega no streaming, ele consegue ser visto por todas e por todos.
A gente está, inclusive, preparando a melhor versão técnica possível para quando ele chegar em streaming.
BBC News Brasil: Qual o desafio de ambientar o longa no Recife da segunda metade dos anos 70?
Mendonça – Eu conheço o Recife relativamente bem. Tenho uma consciência muito grande do que foi mantido, do que foi já demolido e destruído ao longo das décadas. É como se eu, na verdade, venho fotografando o Recife desde a minha adolescência, desde a época em que eu era estudante da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
Quando eu parto para fazer um filme desse, já tenho muitas anotações sobre onde colocar a câmera. Tem uma um plano no Retratos Fantasmas (2023) que eu fiz com Pedro Sotero, que é em cima de um prédio na avenida Guararapes, que tem um senhor regando as plantas, ele tem um pequeno jardim no topo do prédio e a câmera começa a ir para a direita até que a gente vê a cidade toda.
Ali, eu aprendi que com um equipamento bom de fotografia, com um super fotógrafo e com o ângulo certo, aquele plano ali poderia se passar talvez nos anos 70.
Você começa a aprender um pouco sobre a textura da cidade, sobre como a cidade fotografa e eu acho que isso termina sendo muito bem-sucedido em O Agente Secreto, porque tem reações estrangeiras de gente que nunca veio ao Recife, impressionadas com o resultado do filme.

Crédito, Divulgação/Vitrine Filmes
BBC News Brasil – Qual o papel de O Agente Secreto no cinema como uma arte que contribui para manter a memória do Brasil?
Mendonça – O Brasil, em 1979, passou pela Lei da Anistia, proposta pelo regime na época, em que tudo foi perdoado. Todos os crimes hediondos, todos os psicopatas, estupradores, assassinos, sequestradores, que cometeram atos de violência em nome do regime militar, eles próprios se perdoaram e cinicamente perdoaram também o outro lado, as pessoas que lutaram contra o regime, que lutaram a favor da democracia.
E isso eu acho que teve um efeito traumático na sociedade brasileira, que é esquecer para não lembrar. É uma amnésia autoaplicada, quase como uma injeção no bumbum. Eu acho que isso foi muito ruim para a forma como nós brasileiros lidamos com a memória.
O brasileiro adora dizer assim: “Não vamos falar sobre isso, não, isso é muito desagradável. Bola pra frente, deixa para lá!”. Eu acho que O Agente Secreto, quando eu estava escrevendo o roteiro, eu pensava muito nisso. Como vidas inteiras são esquecidas, apagadas e nem todas as vidas são lembradas.
Acho que a gente tem o dever cidadão de manter a memória, de lutar pela manutenção da memória, seja ela política, cultural, artística, seja ela através da mídia diária ou do cinema ou da televisão, mas esse é um país onde muita gente é esquecida. É muito doloroso o que acontece com esse personagem. Porque essa é a realidade de um país que, lá atrás, preferiu não lembrar.
O tema da memória, para mim, é presente em todos os meus filmes, desde o Crítico (2008), que é uma coleção de entrevistas e diálogos com cineastas e críticos – eu sempre pensei no Crítico como uma cápsula no tempo para o futuro.
Acho que O Som ao Redor (2012) e Aquarius (2016) são filmes sobre memória, que vai de um imóvel a fotografias, a um espaço construído que é um apartamento, uma casa, um lar de alguém.
O próprio Bacurau (2019), o segredo de muita coisa no filme está guardado em um museu, um pequeno museu simples. É modesto, mas que é muito importante para aquela comunidade. E eu acho que tudo meio que convergiu para o Retratos Fantasmas (2023), que é um filme absolutamente de memória e que me permitiu escrever O Agente Secreto.
BBC News Brasil: Tanto você, quanto Wagner Moura, expressam com muita clareza as suas perspectivas políticas. Diante disso, como você avalia o governo Lula 3?
Mendonça – Eu vejo o governo Lula número 3 como uma volta aos trilhos democráticos do Brasil. Eu acho que os últimos dez anos, com o pouco que tivemos do [Michel] Temer, que já foi suficiente para atrasar o país em pelo menos duas décadas e os quatro anos de [Jair] Bolsonaro, que eu acho que foram suficientes para atrasar o país em quatro ou cinco décadas, nos distanciamos de valores humanos democráticos e sociais.
Um período realmente sombrio para milhões de brasileiros. Um desastre completo na área da saúde, na área da cultura, na área da identidade brasileira. Um momento trágico de desrespeito à ciência, onde passamos por uma pandemia que também foi desrespeitada, cujos trabalhos de tomar conta do país foram atrasados por picuinha e por pirraça.
Hoje, com a volta de Lula depois de dois mandatos que foram históricos na década de 2000, eu acho que o país tem um sentimento de democracia, tem um sentimento de respeito pelo próprio país.
É um governo que tenta se relacionar de maneira democrática com todo mundo, mas que tem uma ideia muito clara de soberania do próprio país, ou seja, um país que não baixa a cabeça para algum outro país.
O trabalho com a cultura voltou a ser valorizado, respeitado e isso diz muito sobre o momento em que nós estamos. É um momento também muito difícil porque nós temos sim um pensamento democrático de volta, mas eu fico com a impressão, eu como cidadão, que é tudo muito frágil.
Isso está muito claro também nos Estados Unidos, eu acho que está claro na Europa e certamente é, com tudo que a gente tem observado no Brasil em relação a essa extrema direita que não funciona como cidadãos, mas como membros de uma seita, tudo parece um pouco frágil.
É muito importante que nós estejamos protegendo as instituições da democracia brasileira. A justiça no Brasil, não é perfeita, longe disso. Talvez não exista nenhum país do mundo onde a justiça seja perfeita. Mas ela é uma demonstração de cidadania. A democracia brasileira, ela não é perfeita, mas ela é o melhor sistema que nós temos. A gente precisa defender a democracia e a gente precisa defender um governo que é democrático.
Fonte.:BBC NEWS BRASIL