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22 de setembro de 2025

O caos regulatório dos medicamentos manipulados

O caos regulatório dos medicamentos manipulados

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Se a indústria farmacêutica instalada no Brasil é eficiente e moderna e os medicamentos fabricados e distribuídos no país se equiparam em eficácia, segurança e qualidade aos produzidos nos principais polos globais, um impulso significativo nessa direção foi dado pelas diretrizes rigorosas e cientificamente embasadas da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) durante os últimos 26 anos.

Nesse período, o compromisso das empresas nacionais e internacionais com a excelência e os elevados investimentos em instalações e equipamentos mais modernos e na capacitação de seus profissionais, aliados aos altos padrões de regulação sanitária, fizeram do mercado farmacêutico brasileiro um dos melhores do mundo.

E, no entanto, vivemos atualmente uma contradição regulatória perigosa e inaceitável. Enquanto a indústria farmacêutica é submetida a um rigoroso controle, com fiscalizações constantes, protocolos rígidos de qualidade e restrições severas de propaganda, as farmácias de manipulação operam em um verdadeiro vácuo regulatório.

Essa disparidade não é apenas injusta: traz consequências para a saúde pública. É uma situação que põe em risco a integridade individual e coletiva, afronta as normas de publicidade de medicamentos e desrespeita direitos de propriedade intelectual.

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A competência da Anvisa ficou patente no manejo da pandemia de covid-19. Entretanto, numa incoerência evidente, a agência demonstra falta de cuidado com a saúde da população quando se trata de regulamentar e fiscalizar as farmácias de manipulação.

A omissão da Anvisa se manifesta, principalmente, em duas frentes: a dispensação de medicamentos com forma e fórmulas farmacêuticas não registradas e sem nenhuma comprovação de eficácia e segurança, violando frontalmente a legislação sanitária; e a publicidade e venda agressiva e ilegal desses mesmos medicamentos pela internet, com promessas por vezes enganosas.

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A inércia da agência em seu dever de monitorar e coibir tais práticas criou um mercado perigoso, no qual substâncias potentes como análogos de GLP-1 (semaglutida, liraglutida etc.), tadalafila e hormônios bioidênticos são tratados como produtos de prateleira, acessíveis a qualquer um com um simples clique.

Enquanto a indústria farmacêutica é obrigada a adquirir insumos farmacêuticos ativos (IFAs) exclusivamente de fornecedores certificados pela Anvisa, submetidos a auditorias rigorosas e inspeções internacionais, as farmácias magistrais, por elas ou seus distribuidores, importam livremente matérias-primas, sem nenhuma garantia de pureza, identidade ou segurança.

Essa disparidade tem fomentado um mercado paralelo de produtos manipulados em larga escala, muitas vezes com formulações não testadas, estabilidade duvidosa e eficácia não comprovada.

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Nesse contexto, farmácias magistrais transformaram-se em consultórios disfarçados, onde balconistas prescrevem “fórmulas milagrosas”, incentivando a automedicação de produtos que, sem a devida orientação, podem trazer consequências indesejáveis.

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O absurdo atinge seu ápice quando observamos a propaganda desenfreada de emagrecedores manipulados. Substâncias como sibutramina, femproporex e anfepramona — e, agora, até semaglutida e tirzepatida —, todas controladas pela Anvisa devido aos seus potenciais efeitos colaterais, são vendidas como se fossem suplementos alimentares, em um fenômeno que pega carona com influenciadores digitais sem formação técnica.

O caso da manipulação dos análogos de GLP-1, então, configura um risco sanitário intolerável. Trata-se de moléculas complexas, de produção biotecnológica e altíssima demanda. A indústria farmacêutica investe bilhões em pesquisa e em processos produtivos estéreis para garantir sua estabilidade e segurança.

No entanto, farmácias de manipulação importam o IFA de fontes não certificadas pela Anvisa e o aviam em formas que nunca foram testadas (como cápsulas e géis sublinguais), expondo pacientes a riscos de contaminação, dosagem incorreta e ineficácia terapêutica. O recente despacho da Anvisa avança ao reforçar as medidas de controle de qualidade e procedência desses IFAs. Vejamos se será cumprido.

Não menos preocupante é a comercialização irresponsável de medicamentos para disfunção erétil, apresentados como simples “suplementos de performance”.

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Farmácias de manipulação oferecem “fórmulas personalizadas” contendo sildenafila, tadalafila e vardenafila. São combinações que podem conter dosagens letais! Homens com problemas cardíacos, hipertensão ou diabetes — justamente aqueles mais propensos à disfunção erétil — são expostos a riscos potencialmente fatais.

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E o que dizer dos hormônios, oferecidos com argumentos de “rejuvenescimento, libido e ganho de músculos”? A propaganda é direcionada ao público leigo, omitindo severos riscos associados à terapia hormonal sem diagnóstico e acompanhamento.

Tais produtos não possuem registro na Anvisa, não dispõem de estudos clínicos de segurança e eficácia, e comportam inúmeros relatos de reações adversas graves, como trombose, acne severa, queda de cabelo e distúrbios metabólicos.

A indústria farmacêutica estabelecida no Brasil não é contra as farmácias magistrais; sabe da contribuição desses estabelecimentos para a saúde personalizada. Mas a diferença de tratamento regulatório descrita aqui é gritante e inexplicável.

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Por essa razão, o Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos (Sindusfarma) está fazendo uma série de denúncias à Anvisa sobre atos ilegais praticados por farmácias de manipulação em todo o país. Tudo em flagrante desrespeito às normas sanitárias em vigor e às boas práticas médicas.

A Anvisa, que deveria ser a guardiã da saúde pública, mantém uma postura incompreensivelmente leniente com esse estado de coisas. Muito além dos aspectos regulatórios, essa pode ser uma questão de vida ou morte para um número incalculável de cidadãos.

Nelson Mussolini é presidente-executivo do Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos (Sindusfarma) e membro titular do Conselho Nacional de Saúde.

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Fonte.:Saúde Abril

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