10:22 AM
9 de novembro de 2025

O degelo do paraíso – 09/11/2025 – Ruy Castro

O degelo do paraíso – 09/11/2025 – Ruy Castro

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Não sei se é assim em outras cidades litorâneas do Brasil, mas os moradores da orla carioca têm observado de suas janelas a incidência de mar revolto, o recuo da faixa de areia e as frequentes bandeiras vermelhas nas praias. No final do Leblon, a água quebrando na pedra parece chegar a cada dia mais perto do topo. As ressacas, fenômeno de uma ou duas vezes por ano —os moradores saíam de casa para admirá-las—, agora parecem normais. Não demora, polvos serão encontrados em garagens.

Há anos ouvimos que, com o aquecimento do planeta, o mar iria subir. Prevê-se que a temperatura aumente até 2,6ºC até o fim do século (já estamos em 1,5ºC acima da era pré-industrial), a fazer com que o mar suba acima de meio metro —suficiente para que a vida tenha de se mudar para o segundo andar. E, se 2099 parece distante, uma ótima reportagem de Sônia Bridi para o Fantástico deveria nos alertar para a certeza de, um dia, água nas canelas de nossos netos.

Bridi revisitou há pouco um território que conheceu a trabalho em 2010: a Groenlândia. Já então o degelo do Ártico era preocupante. Hoje, 15 anos depois, gigantes de gelo que ela esperava rever derretiam a seus olhos, abriam-se em fendas colossais ou já tinham se despedaçado e desaparecido. Até há pouco, era normal que as geleiras se retraíssem no verão e se refizessem no inverno, mas, agora, o verão se estende pelo ano. As imagens de Pedro Zero mostram os blocos colapsando e sendo engolidos pelo mar, o qual, inexoravelmente, avança em nossa direção.

Talvez nós, litorâneos e à distância, sejamos os únicos apreensivos com a perspectiva dessa tragédia. A Groenlândia parece feliz com ela —o degelo está beneficiando a economia. Sua indústria de pesca festeja a chegada de novas espécies, e os fabricantes de barcos se desdobram para entregar embarcações maiores e mais fortes para enfrentar os blocos flutuantes.

E o prefeito de uma ilhota, entrevistado por Sonia, não escondia sua alegria pelo aumento de turistas a fim de assistir à morte de seu paraíso.


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Fonte.:Folha de S.Paulo

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