
Crédito, AFP via Getty Images
- Author, Fátima Kamata
- Role, De Tóquio para a BBC News Brasil
O Japão convive com um fenômeno silencioso e crescente: o das mortes solitárias, conhecidas como kodokushi.
Com o envelhecimento da população e o aumento de pessoas vivendo sozinhas, cresce também o número de óbitos que passam dias — ou até meses — sem serem notados.
Segundo dados da Agência Nacional de Polícia (NPA), entre janeiro e junho de 2025, foram 40.913 casos do tipo, 3.686 a mais que no mesmo período do ano anterior.
Em mais de 11 mil desses casos, o corpo só foi descoberto após oito dias — critério que o governo passou a adotar como definição oficial de morte isolada.
O problema não se limita à terceira idade. Pessoas em idade ativa também são afetadas, em parte devido ao isolamento social, doenças não tratadas e dificuldades financeiras.
Casos como o dos chamados “8050” — em que pais idosos vivem com filhos adultos desempregados ou isolados — agravam ainda mais o cenário de vulnerabilidade.
O resultado é um crescente número de pessoas que morrem sozinhas, sem despedidas nem rituais.
Um relatório elaborado por uma equipe do governo sugeriu políticas para conter o avanço do problema, incluindo o incentivo à participação em atividades comunitárias que promovam laços sociais e senso de pertencimento, especialmente entre idosos.
Brasileiros também enfrentam a solidão
Na comunidade brasileira, a mudança no estilo de vida também agrava o risco de mortes solitárias. Se antes era comum dividir moradia, hoje muitos preferem viver sozinhos.
“É cada vez mais raro encontrar brasileiros dispostos a compartilhar imóvel”, afirma Diego Taira, responsável pelo RH de uma empresa com mais de 20 mil contratados.
“Morar sozinho pode ser confortável, mas também pode atrasar o atendimento em emergências.”

Crédito, Arquivo pessoal
Casos envolvendo brasileiros revelam a dimensão dos impactos. Um exemplo é o caso de um homem de 58 anos cujo corpo foi encontrado em avançado estado de decomposição.
O herdeiro precisou arcar com todos os custos — incluindo reforma do imóvel onde vivia —, que ultrapassaram 2,6 milhões de ienes (cerca de R$ 95 mil).
Em outro episódio, as cinzas de um brasileiro de 60 anos, morto em um acidente de trânsito, em 2021, ficaram por meses sob responsabilidade do escritório de advocacia onde trabalha a assistente administrativa Chise Murakami.
“Como a filha não podia vir do Brasil, os restos mortais ficaram aqui, até serem levados recentemente para um cemitério coletivo criado por brasileiros no Japão”, conta.
O peso da morte no mercado imobiliário
Os chamados jiko bukken — imóveis onde houve mortes violentas ou solitárias — enfrentam forte rejeição no mercado.
Mesmo bem localizados e em boas condições estruturais, esses imóveis podem perder até 50% do valor, especialmente quando há necessidade de limpeza forense — serviço que pode custar o equivalente a dezenas de milhares de reais.
Desde 2021, a legislação japonesa obriga proprietários a informarem, no momento da venda ou do aluguel, se ocorreram mortes no imóvel ocorridas nos três anos anteriores, especialmente em casos de suicídio, homicídio ou kodokushi com descoberta tardia. Em situações mais extremas, a saída pode ser a demolição do imóvel.
Norberto Mogi, um dos brasileiros pioneiros no setor, relata casos marcantes. “Havia um forte odor e a marca de um corpo no tatame. Durante a demolição, uma máquina parou de funcionar e um funcionário passou mal. Até hoje, ele não sabe que era um jiko bukken.”

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Rituais e ‘certificação espiritual’

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Para quem busca um imóvel próprio a preço acessível, os jiko bukken podem ser oportunidade.
Depois de mais de 20 anos vivendo de aluguel, Edna Maeda adquiriu um sobrado pela metade do preço após saber que um suicídio havia ocorrido no local.
“Fizemos um ritual espiritual de acolhimento. Isso nos deu tranquilidade para viver ali”, conta. Espírita, Edna acredita na importância de harmonizar o ambiente.
No Japão, rituais de purificação são comuns em casos assim. Algumas empresas oferecem até “certificação espiritual”, como faz a Kachimode, fundada por Kazutoshi Kodama.
Usando câmeras térmicas e sensores, ele atesta que não há “presença espiritual” no local e fornece o selo de “livre de fantasmas”.
Se algo for detectado após a certificação, o cliente pode ser indenizado em até 1 milhão de ienes (cerca de R$ 37 mil).

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“Quero desafiar a ideia de que a única solução é baixar o preço da propriedade”, afirma Kodama, que atuou por 15 anos como corretor antes de fundar a empresa, em 2022.
Um dos casos mais emblemáticos do serviço foi a certificação de um apartamento em Tóquio onde uma jovem cometeu suicídio.
Após passar três noites no local, Kodama considerou o imóvel isento de “presenças espirituais”, e o apartamento foi alugado por 95% do valor de mercado — um resultado considerado bem-sucedido nesse tipo de situação.
Fonte.:BBC NEWS BRASIL


