
Crédito, Carole Bethuel
- Author, Nicholas Barber
- Role, BBC Culture
O novo filme de Olivier Assayas, O Mago do Kremlin, que acaba de estrear no Festival de Cinema em Veneza, traz Jude Law interpretando o presidente russo, Vladimir Putin.
Mas o filme pode decepcionar quem espera ver o ator explodindo de raiva e ameaçando seus subordinados, como fez quando interpretou outro governante da vida real, Henrique 8º, em O Jogo da Rainha, lançado em 2023.
Sua interpretação de Putin — que fala em inglês com um sotaque britânico — é calma e afável, e ele não é nem mesmo o personagem principal da trama.
Mas O Mago do Kremlin oferece uma atuação intrigantemente plausível de como a Rússia de Putin se consolidou após a dissolução da URSS.
Adaptado do best-seller de mesmo nome de Giuliano da Empoli, publicado em 2022, o filme foca no gentil Vadim Baranov (Paul Dano), um personagem fictício inspirado em um político russo real, Vladislav Surkov, que foi conselheiro pessoal de Putin por anos.
Para fazer outra referência a Henrique 8º, O Mago do Kremlin é comparável aos romances Wolf Hall, de Hilary Mantel, no sentido de que fala mais sobre o estrategista astuto por trás do trono do que do monarca sentado nele.

Crédito, Getty Images
No filme, Baranov explica a um acadêmico americano (Jeffrey Wright) que era um estudante no início da década de 1990, quando o comunismo havia entrado em colapso e Moscou fervilhava de jovens desfrutando das novas liberdades que acreditavam nunca perder.
Ele queria ser ator e diretor de teatro, mas logo decidiu que poderia ser mais influente como executivo de televisão, alimentando o público com programas de auditório populares.
É durante esse período que ele é recrutado por Boris Berezovsky — um oligarca real, interpretado pelo ator britânico Will Keen — para ajudar na campanha de reeleição do presidente, já em idade avançada, Boris Yeltsin.
Um dos truques era amarrar Yeltsin à cadeira para que ele se mantivesse ereto em vez de cair sobre a mesa, e depois dublar trechos de discursos antigos sobre seu jeito de falar arrastado.
Tanto Berezovsky quanto Baranov concordavam que, na política, as aparências podiam valer mais do que a realidade.
Yeltsin é reeleito, mas Berezovsky sabe que o tempo dele no cargo estava chegando ao fim, assim como o do regime movido a dinheiro.
O capitalismo transformou a Rússia em um supermercado, argumenta Berezovsky, enquanto seus cidadãos anseiam pelo feudo que um dia conheceram.
E eles não querem ser liderados por mais um político que fala sobre estatísticas, eles querem alguém que pareça duro e direto.
A pessoa que Berezovsky tem em mente para primeiro-ministro, e depois presidente, é Vladimir Vladimirovich Putin.
“Ele não é nenhum gênio, mas vai se sair bem por enquanto”, diz o oligarca.
O erro de Berezovksky é acreditar que Putin ainda vai querer seus conselhos quando assumisse o poder.
‘Contido e metódico’
Na realidade, os russos preferem “homens fortes” agressivos a empresários espalhafatosos.
Berezovsky logo é expulso do Kremlin, e depois do país. Já Baranov é esperto o suficiente para entregar o que seu novo chefe quer, em grande parte aproveitando sua experiência no teatro e televisão.
A filosofia do personagem é que o que conta são as aparências, por isso, é preciso manipular a forma como as coisas são apresentadas de acordo com o que as pessoas querem: organizar eventos públicos chamativos, em vez de solenes, para atrair o maior público possível; permitir que alguns dos opositores mais barulhentos sejam ouvidos, já que suas extravagâncias apenas reforçarão sua própria posição; roubar a linguagem anti-establishment daqueles que protestam contra você, e ensiná-las aos que te apoiam, assim, o apoio passará a parecer um ato de rebeldia; não se preocupar em espalhar propaganda pró-Rússia online, mas usar a internet para espalhar confusão e distrair as pessoas para que elas percam a noção do que é real; e, se uma emissora de TV o criticar, tome o controle dessa emissora.
Assim como seu personagem principal, O Mago do Kremlin é contido e metódico, e dificilmente será um grande sucesso. Baranov, inclusive, talvez dissesse que o filme não é chamativo e brega o suficiente.
Mas, ainda que seja uma versão ficcionalizada, vale a pena assistir se você quiser compreender como Putin chegou ao poder e como esse poder tem sido mantido.
A obra também pode ajudar o público a entender as táticas que vêm sendo usadas em outros países.
O filme mostra, em detalhes, como o populismo do século 21 foi desenvolvido.
“Não é apenas sobre o nascimento da Rússia atual”, disse Assayas em uma entrevista para a Variety, “mas do nascimento do mundo atual”.
Fonte.:BBC NEWS BRASIL