O pessoal do X, o antigo Twitter, cancelou o Cazuza, esses dias. Pois é, o Cazuza, morto em 1990. Foi depois de assistirem à interpretação do artista no ótimo filme “Homem com H”, disponível na Netflix.
O cancelamento é sempre precedido pela onda que destrói nossos castelos de areia da idealização. “Meu Deus, as pessoas não são tão perfeitas quanto eu acho que eu mesmo sou!” Mas a dinâmica esconde algo mais: o alvo do cancelamento demonstra ser o que na verdade também somos, mas escondemos. E isso nos choca. Apontamos, nos afastamos, rejeitamos. É curioso.
O Cazuza do filme desconstrói a imagem que pode ter restado na maior parte das memórias: o artista contestador e vítima da Aids. Cazuza foi isso. E mais, muito mais, como já mostrou outro filme, “Cazuza – O Tempo Não Pára”, de 2004.
O longa de agora, de Ney, é uma excelente experiência para os gays de 20 e poucos que se consideram fundadores de algum modo de existir no mundo. Teve todo tipo de bicha antes da gente. Inclusive, as gays (ou bissexuais) chatas, problemáticas, causadoras. Elas estavam lá, desde o começo.
Revisitar a história da nossa comunidade, com esses quiprocós virtuais, é muito rico. A história do movimento LGBT+ e da cultura LGBT+ de maneira geral já é muito robusta, a ponto de podermos fazer discussões e criar discordâncias, até cisões.
Indiretamente, o longa de Esmir Filho se conecta ao tema da parada deste ano. Não só por Ney, ainda vivo, com 83, estar nos palcos, com uma voz enorme. Mas também por Cazuza e a memória infeliz da pandemia de HIV/Aids, que devastou nossa comunidade. O filme ainda nos lembra da tensão da violência da homofóbica em casa e nas ruas.
Em alguma medida, “Homem com H” projeta na tela a negociação que fazemos o tempo todo entre vida e morte, nascer e morrer todo dia, a cada olhar, a cada espaço novo que frequentamos e conquistamos. A obra nos recorda da passagem do tempo. Envelhecemos. E isso é bom.
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Fonte.:Folha de S.Paulo