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16 de setembro de 2025

O que é genocídio, e quem está usando o termo relacionado à guerra em Gaza?

O que é genocídio, e quem está usando o termo relacionado à guerra em Gaza?

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Multidões de palestinos se reúnem em um centro de distribuição de ajuda humanitária perto da passagem fronteiriça de Zikim, em Gaza, cercada por escombros e prédios bombardeados.

Crédito, Khames Alrefi/Anadolu via Getty Images

Legenda da foto, A ONU afirma que há cada vez mais evidências de fome e inanição generalizada em Gaza.

    • Author, Luis Barrucho
    • Role, WSL Global Journalism

A guerra de Gaza desencadeou um debate global sobre se Israel está cometendo genocídio, visto com o mais grave dos crimes sob o direito internacional.

Até meados de setembro, a ofensiva militar de Israel matou cerca de 65 mil pessoas — a maioria civis — em Gaza, de acordo com o Ministério da Saúde administrado pelo Hamas.

A ação militar foi lançada em resposta ao ataque do Hamas em 7 de outubro de 2023, no qual a maioria das 1,2 mil pessoas mortas e 251 sequestradas para Gaza eram civis.

Os assassinatos e a destruição levaram a uma condenação generalizada. Vários países, incluindo a Turquia e o Brasil, grupos de direitos humanos e alguns especialistas nomeados pelas Nações Unidas (ONU) afirmaram que a conduta de Israel em Gaza constitui genocídio.

Em dezembro de 2023, a África do Sul apresentou uma ação contra Israel por violação da Convenção sobre Genocídio de 1948 ao Tribunal Internacional de Justiça (TIJ).

Um mês depois, uma decisão provisória concluiu que os palestinos tinham “direitos plausíveis à proteção contra o genocídio”. Os juízes afirmaram que alguns dos atos denunciados pela África do Sul, se comprovados, poderiam ser enquadrados na convenção.

Os governos ocidentais, incluindo o Reino Unido e a Alemanha, têm evitado, em grande parte, descrever os atos israelenses como genocídio. O presidente francês Emmanuel Macron disse que não cabe a um líder político usar o termo, mas que os “historiadores” devem decidir “no momento oportuno”.

Israel rejeitou veementemente as acusações de genocídio como “mentiras descaradas”, insistindo que tem exercido seu direito à segurança e à autodefesa — um argumento repetido por seu aliado mais poderoso, os EUA.

O que significa genocídio e quem pode decidir se ele se aplica?

Qual é a definição de genocídio?

Uma foto em preto e branco mostra o advogado judeu polonês Raphael Lemkin, vestido com um terno completo, sentado à mesa com um microfone, caneta na mão, enquanto escreve em uma folha de papel.

Crédito, Bettmann Archive/Getty Images

Legenda da foto, O advogado judeu-polonês Raphael Lemkin ajudou a redigir a Convenção sobre Genocídio.

O termo foi cunhado em 1943 pelo advogado judeu-polonês Raphael Lemkin, que combinou a palavra grega “genos” (raça ou tribo) com a palavra latina “cide” (matar).

Depois de testemunhar os horrores do Holocausto, no qual todos os membros de sua família, exceto seu irmão, foram mortos, Lemkin fez campanha para que o genocídio fosse reconhecido como crime pelo direito internacional.

Seus esforços levaram à adoção da Convenção das Nações Unidas sobre Genocídio em dezembro de 1948, que entrou em vigor em janeiro de 1951. Até 2022, ela já havia sido ratificada por 153 países.

O artigo 2.º da convenção define genocídio como “qualquer um dos seguintes atos cometidos com a intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso, como tal”:

  • Matar membros do grupo
  • Causar danos físicos ou mentais graves aos membros do grupo
  • Infligir deliberadamente ao grupo condições de vida calculadas para provocar a destruição física do grupo, no todo ou em parte.
  • Imposição de medidas destinadas a impedir nascimentos dentro do grupo
  • Transferência forçada de crianças do grupo para outro grupo

A convenção também impõe aos Estados signatários o dever geral de “prevenir e punir” o genocídio.

Quem decide o que é considerado genocídio?

Um grupo de mulheres palestinas, vestidas com trajes muçulmanos e segurando panelas vazias, aguarda a distribuição de alimentos por uma instituição de caridade em meio ao bloqueio e aos ataques israelenses em Gaza.

Crédito, Abdalhkem Abu Riash/Anadolu via Getty Images

Legenda da foto, Israel nega que os habitantes de Gaza estejam em risco de morrer de fome

Em geral, quem determina que uma situação constitui genocídio são órgãos judiciais autorizados, como comissões especiais, ou tribunais internacionais.

Apenas alguns casos foram considerados genocídio segundo o direito internacional: o genocídio de 1994 em Ruanda, o massacre de Srebrenica em 1995 na Bósnia e a campanha do Khmer Vermelho contra grupos minoritários no Camboja entre 1975 e 1979.

O TIJ e o Tribunal Penal Internacional (TPI) são os tribunais internacionais mais proeminentes com mandato para julgar genocídios. A ONU também criou tribunais específicos para julgar genocídios em Ruanda e na antiga Iugoslávia.

O TIJ é o órgão judicial mais alto da ONU encarregado de resolver disputas entre Estados. Entre os casos de genocídio em andamento está um movido pela Ucrânia contra a Rússia em 2022. Kiev acusou o Kremlin de alegar falsamente que a Ucrânia cometeu genocídio na região oriental de Donbas e de usar isso como pretexto para a invasão.

Aviões lançam pacotes de ajuda humanitária por paraquedas enquanto palestinos se aglomeram na área onde os pacotes caem, a oeste da cidade de Gaza.

Crédito, Mahmoud Abu Hamda/Anadolu via Getty Images

Legenda da foto, Israel flexibilizou parcialmente o bloqueio total da ajuda em maio.

Outro exemplo é o caso apresentado pela Gâmbia em 2017 contra Mianmar. Alegou-se que o país predominantemente budista cometeu genocídio contra as minorias muçulmanas rohingya através de “operações de limpeza generalizadas e sistemáticas” nas suas aldeias.

Criado em 2002 sob o Estatuto de Roma, o TPI mira indivíduos para serem processados criminalmente. Apenas 125 Estados que ratificaram o tratado são membros — os EUA, a China e a Índia estão entre as exceções notáveis.

O TPI vem investigando casos de suposto genocídio, mas até agora só apresentou acusações contra Omar Hassan Ahmad Al Bashir, ex-presidente do Sudão, deposto em 2019 após quase três décadas no poder. Ele continua foragido.

Embora as autoridades legislativas e executivas nacionais possam usar o termo “genocídio”, a ONU afirma que tais rótulos não têm valor jurídico fora das suas próprias fronteiras.

Por exemplo, vários governos e parlamentos reconheceram recentemente o Holodomor, a fome que matou milhões de pessoas na Ucrânia em 1932-33 como resultado das políticas de coletivização de Joseph Stalin, como genocídio.

O Reino Unido não o fez devido à sua política de longa data de apenas determinar genocídio após decisões de tribunais competentes.

Há alguma crítica à convenção?

Desde a sua adoção, o tratado da ONU tem sido criticado por vários lados, principalmente por aqueles frustrados com a dificuldade de aplicá-lo a casos específicos. Alguns argumentam que a definição é muito restrita, enquanto outros dizem que ela foi desvalorizada pelo uso excessivo.

“O limiar para o genocídio é quase impossível de ser atingido”, afirmou Thijs Bouwknegt, especialista em genocídio que trabalhou com o TPI, em entrevista à AFP.

“É preciso provar que houve intenção — e que essa intenção foi a única explicação possível para o que aconteceu”, acrescentou.

Outras críticas comuns incluem a exclusão de grupos políticos e sociais específicos e a definição de quantas mortes equivalem a genocídio.

Bouwknegt observou que pode levar anos até que um tribunal decida se houve genocídio.

No caso de Ruanda, levou quase uma década para que o tribunal estabelecido pela ONU concluísse formalmente que havia ocorrido genocídio.

E só em 2007 é que o TIJ reconheceu o massacre de Srebrenica, em 1995, de quase 8 mil homens e meninos muçulmanos, como genocídio.

Rachel Burns, criminologista da Universidade de York, afirmou que poucos criminosos foram condenados pelos seus crimes.

“O número real de perpetradores em Ruanda, na antiga Iugoslávia e no Camboja é desconhecido, mas apenas alguns foram condenados.”

Especialistas afirmam que, uma vez que uma situação seja legalmente definida como genocídio, os países que assinaram a convenção devem tomar medidas para preveni-la ou detê-la — por meio de diplomacia, sanções ou até mesmo intervenção militar.

Durante o genocídio em Ruanda, por exemplo, documentos desclassificados dos EUA revelaram que as autoridades evitaram deliberadamente usar a palavra “genocídio” enquanto os assassinatos estavam ocorrendo, em parte para evitar o desencadeamento de obrigações legais e políticas previstas na convenção.

“Mesmo com a definição da ONU, ainda há uma falha na definição, uma falha na ação e uma falha na acusação”, disse Burns.



Fonte.:BBC NEWS BRASIL

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