O cadastro nacional de pedófilos e predadores sexuais, engavetado há nove meses pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), poderia ser uma ferramenta útil na proteção de crianças e adolescentes. O próprio ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, reconheceu que o dispositivo “é um instrumento importante” para a proteção de mulheres e menores contra “ataques de potenciais predadores sexuais”.
A declaração do ministro é de 28 de novembro de 2024, data em que Lula sancionou a Lei 15.035/2024. Antes disso, os processos de crimes contra a dignidade sexual tramitavam totalmente sob sigilo. O sistema de consulta processual foi criado justamente para permitir o acesso público a informações de réus condenados em primeira instância por crimes sexuais, mantendo em sigilo os dados das vítimas.
A lei sancionada estabeleceu que a gestão do novo cadastro ficaria a cargo do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP). No entanto, a pasta afirmou à Gazeta do Povo que a operacionalização do sistema cabe ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que não respondeu aos questionamentos da reportagem.
O deputado federal Diego Garcia (Republicanos-PR) classificou a demora do governo em retirar a iniciativa do papel como lamentável, destacando que a ferramenta permitiria o monitoramento mais eficaz de condenados e facilitaria o compartilhamento de informações entre diferentes órgãos de segurança e justiça.
Já o advogado Gabriel Carvalho de Jesus, especialista em Direito Infantil, ressaltou que a iniciativa permitiria restringir a atuação de pedófilos, “impedindo que reincidentes se escondam na sombra do anonimato e garantindo maior controle sobre quem já demonstrou ser uma ameaça real”.
Como o cadastro protegeria crianças contra pedófilos
A lei sancionada prevê o acesso público ao nome completo do réu, seu número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF), a tipificação penal, os dados da pena ou da medida de segurança imposta. Entre os tipos penais previstos na lei estão estupro, registro não autorizado da intimidade sexual, favorecimento de exploração sexual e até mesmo rufianismo – prática conhecida como “cafetinagem”.
Garcia reforçou que essas informações poderão ser acessadas, por exemplo, durante processos seletivos para contratação de funcionários por instituições que trabalham diretamente com crianças, como escolas, creches e organizações esportivas.
“Isso impede que condenados por crimes sexuais ocupem posições que lhes deem acesso facilitado a potenciais vítimas. A ferramenta permite que pais e mães verifiquem com quem seus filhos estão convivendo. Seja um novo vizinho, um professor particular, um treinador ou qualquer pessoa que se aproxime do círculo familiar, a consulta ao cadastro se torna um ato de zelo e proteção”, pontuou o especialista em direito infantil.
A Lei 15.035/2024 prevê que os dados só não serão disponibilizados quando o juiz responsável pelo caso determinar a manutenção do sigilo. Caso o réu seja absolvido em grau recursal, o sigilo sobre as informações deve ser restabelecido.
Lula chegou a vetar um dispositivo que previa a manutenção dos dados por dez anos após o cumprimento integral da pena. Na mensagem enviada ao Congresso Nacional, o petista argumentou que a medida seria inconstitucional por violar princípios como intimidade, vida privada, honra e imagem do condenado.
Para o advogado Gabriel Carvalho de Jesus, a importância jurídica da ferramenta consiste em “priorizar o direito à segurança e à vida de crianças e adolescentes em detrimento do direito à privacidade de um indivíduo que já foi condenado por crimes de natureza gravíssima”.
Idealizadora da lei que combate a pedofilia cobra o governo por inação
O cadastro foi criado a partir do projeto de lei 6.212/2023, de autoria da então deputada federal Margareth Buzetti (PSD-MT). O texto foi aprovado no Senado em maio de 2024 e, em outubro do mesmo ano, na Câmara dos Deputados. Atualmente, Margareth é senadora e cobra o governo e o CNJ pela implementação da ferramenta.
“Já fui ao Ministério da Justiça e ao CNJ e seguirei pressionando até que o cadastro vire realidade. Criança não pode esperar. Quem violenta uma, amanhã pode violentar outra. O tempo de agir é agora”, disse a senadora em maio deste ano.
A lei aprovada alterou o Código Penal, ampliando o alcance de uma lei anterior (14.069, de outubro de 2020), que determinou a criação do “cadastro nacional de pessoas condenadas por crime de estupro”. Diferente do sistema de informações sobre pedófilos, este é composto de informações não públicas.
“O governo nem sequer lançou a primeira etapa do banco de dados determinada por lei há cinco anos, ainda na gestão Bolsonaro. Quantos agressores sexuais não poderiam ter sido expostos durante esse tempo? É um absurdo”, lamentou Diego Garcia.
No último dia 14, o deputado protocolou um requerimento pedindo informações ao Ministério da Justiça sobre o cronograma, as medidas adotadas e os recursos destinados à implementação do cadastro nacional de pedófilos e predadores sexuais. Ele informou que também enviará os questionamentos ao Conselho Nacional de Justiça.
“Do ponto de vista jurídico, o cadastro nacional de pedófilos concretiza o princípio da proteção integral da criança previsto na Constituição Federal e no Estatuto da Criança e do Adolescente. É uma medida absolutamente necessária e inadiável”, declara o advogado Gabriel Carvalho de Jesus.
Fonte. Gazeta do Povo