Após duas temporadas brilhantes e uma terceira um tanto enroscada (embora muito acima da média do que está no ar hoje em dia), havia expectativas para o quarto ano de “O Urso”, que estreou nesta semana. Eis duas notas para quem temia o naufrágio: é fato que a história devia ter sido concluída antes; sem subverter seu ritmo, contudo, ela finalmente avança como deveria ter feito 12 meses atrás. E surpreende.
Assim como há itens inegociáveis na cozinha de Carmy (o protagonista vivido por Jeremy Allen White), há na produção capitaneada por Christopher Storer: a família —natural ou expandida, no sentido daqueles que amamos— como força-motriz do que fazemos, bom ou ruim; o medo e o tempo como determinantes do enredo; o olhar amoroso sobre personagens minuciosamente desenvolvidos e sobre Chicago, seu cenário; a trilha sonora primorosa.
Para que “O Urso” se mantivesse funcionando, porém, tal qual o restaurante de mesmo nome, era preciso um quê a mais. A história do chef genial que volta para cuidar da lanchonete da família após o suicídio do irmão e decide transformá-la em um restaurante estrelado com a ajuda de uma trupe de cozinheiros improvisados e uma colega mais jovem que o idolatra já havia sido contada.
Então, como um personagem (e talvez o espectador) pergunta no oitavo dos dez episódios, por que continuar?
Ao contrário do que alguns esperavam, a série não desenvolve novas tramas. Com sua devoção aos personagens, continua a achar traumas e vontades e aspirações e arrependimentos neles para explorar.
São os mesmos ingredientes, em versões renovadas e mesmo surpreendentes.
Há, também, uma ampliação dessa família escolhida que orbita Carmy (Brie Larson faz uma aparição), além do retorno de velhos conhecidos. A enorme família Berzatto e seus agregados ressurge em um sensível episódio central, mais um que é quase um média-metragem em si.
Quanto ao tempo, a determinante representada por Carmy e sua ansiedade opressiva, ele parece que norteará o enredo. Sem metáfora —há um relógio gigante colocado na cozinha pelo tio-patrocinador do protagonista para marcar o que resta para a trupe tornar o restaurante financeiramente saudável.
Mas é o medo, geralmente relacionado na história à chef Sydney (Ayo Edebiri), que acaba por prevalecer, seja como trava, seja como obstáculo a superar.
Ao abraçá-lo como tema a série se renova, passando a se concentrar mais em Syd e sua difícil decisão sobre um novo emprego, do que nos dramas existenciais de Carmy, um protagonista tão interessante quanto insuportável —narcisista, depressivo, obsessivo, insulado e quase incapaz de demonstrar ou mesmo permitir apreço pelas coisas e pessoas.
Essa ascensão fica clara muito antes de o final acenar a uma quinta temporada, com um quarto episódio escrito por Edebiri e Lionel Boyce (o confeiteiro Marcus), fora de esquadro. E que bonito ele é.
No fim, a série continua porque seus roteiristas e os espectadores mais cativos desenvolveram uma relação afetiva com os personagens e passaram a se importar com eles, o que ajuda um pouco a entender as decisões que tomam, os tormentos que os afligem, por contraditórios que às vezes pareça. Esse é o “quê” de “O Urso”. E é inegociável.
Os dez episódios da quarta temporada de “O Urso” estão disponíveis no Disney+
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Fonte.:Folha de São Paulo