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17 de agosto de 2025

O xadrez de alto risco de Eduardo Bolsonaro – 17/08/2025 – Opinião

O xadrez de alto risco de Eduardo Bolsonaro – 17/08/2025 – Opinião

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As investidas de Eduardo Bolsonaro nos Estados Unidos, buscando convencer autoridades e formadores de opinião a impor sanções contra ministros do Supremo Tribunal Federal e, por extensão, contra o próprio Brasil, colocam em movimento um jogo de alto risco, com peças distribuídas em dois tabuleiros jurídicos distintos. No Brasil, o Código Penal e a lei que substituiu a antiga Lei de Segurança Nacional, não preveem de forma específica o crime de solicitar a um governo estrangeiro medidas punitivas contra o país ou suas instituições. Os crimes contra o Estado Democrático de Direito exigem violência ou grave ameaça, o que não está presente no caso. Na esfera militar, a tipificação de atos hostis ou colaboração com inimigo depende de guerra declarada ou operações armadas. Nem mesmo a corrupção de funcionário público estrangeiro se aplicaria, pois requer prova de vantagem indevida, inexistente até agora.

A posição de deputado federal acrescenta outra barreira: a imunidade material por opiniões, palavras e votos ligados ao mandato. Isso dificulta o enquadramento criminal e desloca a resposta para o campo político, via Conselho de Ética e eventual cassação. No ordenamento interno, a conduta pode ser considerada politicamente reprovável, mas encontra pouca margem para responsabilização penal efetiva.

Ao atravessar as fronteiras, no entanto, o jogo muda de figura. Desde 1938 vigora nos Estados Unidos o Foreign Agents Registration Act (FARA), que obriga qualquer pessoa atuando em território americano para influenciar políticas públicas em relação a um foreign principal, conceito que inclui grupos de interesse estrangeiros, a registrar-se no Departamento de Justiça (DOJ) e prestar relatórios periódicos de suas atividades. A lei adota uma definição ampla de “atividade política”, abrangendo qualquer esforço para influenciar decisões de órgãos governamentais ou a opinião pública americana sobre um país estrangeiro.

Ao declarar publicamente, inclusive nas redes sociais, que busca persuadir autoridades americanas a adotar sanções contra ministros do STF e alterar a política externa dos Estados Unidos em relação ao Brasil, Eduardo se aproxima perigosamente do núcleo dessa definição. Se o DOJ, equivalente a nosso MP, concluir que sua atuação configura atividade política relacionada ao Brasil sem o devido registro, a violação do FARA pode render até cinco anos de prisão e multa de 250 mil dólares. Obviamente, o DOJ não está imune a pressões do executivo, mas tem mostrado historicamente algum grau de independência que requer atenção.

O acionamento desse mecanismo não depende de consenso interno americano. Pode ser provocado por canais diplomáticos, com o governo brasileiro enviando nota ao Departamento de Estado ou acionando o Tratado de Assistência Jurídica Mútua para apresentar provas e pedir investigação. A partir desse momento, o caso passaria a tramitar sob a lógica do sistema legal dos Estados Unidos, onde não há imunidade parlamentar brasileira nem margem para blindagem política doméstica.

Se o DOJ entender pela materialidade da conduta, Eduardo contará com duas opções. A primeira seria cumprir a exigência de registro como forma de afastar a acusação imediata, mas com um custo estratégico elevado, uma vez que o FARA obriga a detalhar atividades, contatos e fontes de financiamento, tornando-os públicos e sujeitos a escrutínio. Qualquer omissão ou declaração falsa pode gerar nova acusação, dessa vez por crime federal pela prestação de informações enganosas. A segunda, seria não se registrar, o que, como dito, representa o risco de sanções penais e multa em caso de condenação.

Neste xadrez, não basta prever o próximo movimento. É preciso antever a jogada do oponente. Ao transpor o embate político para território estrangeiro, Eduardo parece ter avaliado apenas as regras do tabuleiro brasileiro. Nos Estados Unidos, as peças se movem de acordo com outra lógica e, se não houver cálculo preciso, a partida pode terminar em xeque-mate.

José Andrés Lopes da Costa, advogado, mestre em Direito Tributário Internacional pelo IBDT/SP e Professor convidado da FGV-RJ.



Fonte.:Folha de S.Paulo

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