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11 de dezembro de 2025

“OAB da Medicina” acirra disputa entre CFM e faculdades privadas

“OAB da Medicina” acirra disputa entre CFM e faculdades privadas

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A proposta de criação de um exame obrigatório para médicos tem gerado divergência entre conselhos profissionais da área e representantes de instituições privadas de ensino superior. De um lado, o Conselho Federal de Medicina (CFM) defende a medida como forma de garantir a qualidade dos profissionais. Do outro, universidades particulares sustentam que já existem mecanismos de avaliação mais robustos e alerta que a nova iniciativa apenas desorganizará o sistema atualmente em vigor.

A Comissão de Assuntos Sociais (CAS) do Senado Federal aprovou em primeira votação, na última quarta-feira (3), o projeto de lei 2294/2024, que institui o Exame Nacional de Proficiência em Medicina (Profimed). Pelo texto, a avaliação, apelidada de “OAB da Medicina”, será requisito obrigatório para que novos médicos obtenham registro profissional.

Arlindo Ceci Neto, conselheiro federal de Medicina, explica que o objetivo dessa nova prova é testar outros conhecimentos além dos teóricos, já que médicos precisam ter habilidade e competência para lidar com situações e procedimentos complexos. “Embora a população chame de ‘OAB da Medicina’, pelo princípio de avaliar profissionais pelo conselho de classe, o modelo do exame é bem diferente se comparado ao realizado pelos estudantes de Direito. A proposta é testar conhecimentos teóricos aliados a uma prova prática, avaliando habilidades e competências”, explica Neto.

Enamed, diferente da “OAB da Medicina”, avalia também a estrutura de faculdades

O projeto de lei atribui ao CFM a responsabilidade pela coordenação, regulamentação e aplicação da nova prova, ponto que gerou polêmica. Senadores contrários à proposta defendem que a competência em avaliar a formação médica deve continuar a ser apenas das pastas da Educação e da Saúde.

“Nós não estamos aqui contra a realização de uma avaliação médica para que os profissionais saiam qualificados. Nós estamos aqui dizendo que essa responsabilidade é do Ministério da Educação (MEC), sim”, afirmou a senadora Zenaide Maia (PSD-RN) durante a sessão. Ela também acredita que apenas o Conselho Federal de Medicina não teria condições de medir a eficiência médica.

Hoje, o governo federal é responsável pelo Exame Nacional de Avaliação da Formação Médica (Enamed), aplicado a egressos dos cursos de Medicina. A avaliação é utilizada para averiguar a qualidade das instituições e não impede o novo médico de atuar na área caso não obtenha uma boa nota. Se a prova da “OAB da Medicina” for aprovada, por outro lado, o CFM sozinho poderá proibir que uma pessoa exerça a profissão de médico.

O relator do projeto de lei, senador Dr. Hiran (PP-RR), sugeriu outros instrumentos para acompanhar a formação médica no parecer apresentado. Uma delas seria modificar o calendário do Enamed para que passe a ser aplicado pelo MEC no 4º ano, e não apenas no final do curso. O senador também sugeriu incluir outra medida que cria a Inscrição de Egresso em Medicina, permitindo que médicos reprovados na “OAB da Medicina” atuem em atividades técnico-científicas.

Elizabeth Guedes, presidente da Associação Nacional das Universidades Particulares (ANUP), critica a proposta e alega que a iniciativa do CFM irá desorganizar o sistema de avaliação existente. “Diferente do Enamed, que é feito pelas duas pastas [MEC e Ministério da Saúde], e avalia os cursos e as estruturas das faculdades de medicina, o CFM quer avaliar só o aluno”, afirma. 

Para ela, essa avaliação vai penalizar apenas os estudantes, sem punir as instituições de ensino de má qualidade. “Ou seja, o conselho vitimiza o aluno duas vezes. Porque se o estudante não passou no exame do CFM é porque ele estudou em uma faculdade sem qualidade e não aprendeu. A ‘OAB da Medicina’ vai prejudicar esse cara outra vez e não vai fazer nada contra a faculdade. Ela irá continuar produzindo alunos ruins”, contrapõe Guedes. 

CFM defende exame para combater falhas graves na prática médica

Guedes teme que a prova sugerida pelo CFM acabe esvaziando o Enamed, iniciativa recém implementada pelo MEC para avaliar a formação médica. Diferente do exame sugerido pelo Conselho, o Enamed tem caráter mais amplo: além de medir o desempenho de cursos e alunos, é utilizado para validar diplomas de médicos formados no exterior e para seleção de recém-formados em programas de residência.

Ceci Neto argumenta que os conselhos de classe estão preocupados com a segurança do paciente diante de uma “epidemia de condutas médicas completamente inadequadas”. Recentemente, a imprensa repercutiu o caso de Benício, um menino de seis anos que morreu após uma médica administrar uma dose de adrenalina muito acima do que seria adequado em um hospital em Manaus.

“O CFM quis contribuir com o ministério da Educação, fazendo esse exame de proficiência, mas dialogando com os exames e as avaliações dos cursos de medicina que, infelizmente, vêm sendo realizados há muitos anos, sem qualquer efetividade no fechamento de cursos ruins ou sem qualquer efetividade no impedimento de abertura de cursos sem infraestrutura”, alega Ceci Neto.

Expansão acelerada de cursos de medicina põe qualidade em xeque

O debate ocorre em meio ao crescimento explosivo de vagas em medicina. Em 2004, eram cerca de 14 mil; em 2024, chegaram a 48 mil. Nas instituições privadas, o salto foi de 8 mil para 38 mil vagas, enquanto nas públicas, de 6 mil para 10 mil. O número de médicos também disparou: de 292 mil em 2009 para 656 mil em 2025 — alta de 124% em 16 anos, segundo a Demografia Médica 2025, que projeta mais 75% de aumento na próxima década.

Guedes concorda que o cenário de médicos mal formados é preocupante. Recentemente, a ANUP entrou com uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) para defender a exigência de chamamento público para abertura de novos cursos para garantir a qualidade na formação dos médicos. “Não há dúvidas que a situação dos cursos de medicina não está boa. Eu me insurgi contra empresários do setor ao entrar no Supremo contra a abertura de faculdades de medicina, inclusive. Mas, com esse ‘exame da ordem’, as fábricas de lixo continuarão abertas, produzindo alunos que não sabem de nada”, acrescentou.

Ceci Neto contrapõe que o CFM possui a prerrogativa para avaliar profissionais. “Nós já sabemos quais faculdades não formam médicos adequados, e ao invés de fechar as faculdades, são abertas novas faculdades. Então, houve um desgaste. E aí, o CFM está usando a sua prerrogativa legal de avaliar médicos, e não estudantes”, conclui.

O projeto de lei ainda precisa passar por um segundo turno de votação na Comissão de Assuntos Sociais do Senado. Se aprovado, seguirá para análise na Câmara dos Deputados.



Fonte. Gazeta do Povo

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