6:47 AM
13 de junho de 2025

Obituário: Bidu viveu entre rebeldia e amor – 12/06/2025 – Bom Pra Cachorro

Obituário: Bidu viveu entre rebeldia e amor – 12/06/2025 – Bom Pra Cachorro

PUBLICIDADE


Com quase dois meses de vida, em junho de 2008, Bidu podia ser pego com uma mão só. Era um cachorro tão pequeno que cabia atrás ou embaixo de muitos móveis e eletrodomésticos da casa, e assustava a possibilidade de que, cada vez mais curioso, ficasse preso em algum desses vãos quando estivesse sozinho.

A solução para protegê-lo foi transformar uma enorme caixa de papelão em uma espécie de quartinho, na qual ele ficava acomodado com panos, bichinhos de pelúcia, água e comida até que a primeira pessoa a voltar do trabalho chegasse e o permitisse explorar os cômodos com segurança. Funcionou por uma ou duas semanas.

Tente imaginar a cena: a poucos metros de casa, minha avó e eu ouvimos latidos diferentes do normal. Apertamos o passo e, ao abrir a porta, encontramos Bidu com metade do corpo fora da caixa, sem conseguir sair totalmente. Ele cavava e mordia o mesmo lado do papelão todos os dias, mas ninguém acreditava que faria um buraco com unhas e dentes tão finos.

Ganhou uma cama quando deixou de caber nas frestas, mas a largou tão logo aprendeu a subir no sofá, reduzindo os assentos a farelos.

Anos depois, em outro estofado, cavou só o suficiente para se encaixar na espuma ao deitar em sua posição favorita, como um círculo. Destruiu incontáveis calçados, meias e brinquedos —era apaixonado por bolinhas—, e rasgou R$ 250 numa época em que as cédulas circulavam mais.

Fruto da mistura entre uma cadela semelhante a um pinscher e um cão salsicha, como são conhecidos os dachshunds, Bidu tinha temperamento forte, corpinho comprido e patas curtas que davam graça e charme aos seus movimentos. Destemido e desastrado, pulava no sofá, subia nas cadeiras, encarava escadas com degraus estreitos, caminhava com velocidade nos passeios, corria para buscar bolas e saltava para abocanhar petiscos.

Era possível adivinhar seu humor por meio de suas orelhas caídas: quando estavam erguidas estava atento; se estavam pelo avesso, deixando os ouvidos expostos, faria alguma bagunça, como ocorreu em toda a sua vida. Nos últimos meses, usou vasilhas elevadas para não abaixar a cabeça enquanto comia e bebia, mas gostava mesmo é de tirar o pote de ração do suporte e jogar os grãos para o alto.

Mas nem só de anarquia vivia Bidu. Observador, era dono de um olhar curioso e conhecia a rotina e os comportamentos das humanas da casa, diferenciando até as roupas “de sair” dos pijamas dos dias de folga. Uivava pontualmente —e com afinação— quando escutava os megafones dos carros que vendiam ovos e frutas na rua, sem demonstrar se a reação era de aprovação ou repulsa ao som.

Na pandemia, aprendeu que buzinas de moto eram sinônimo de novidade —fosse pizza, fosse petisco, empolgava-se com tudo e, depois de correr a casa inteira, sempre beliscava a entrega.

Na mesma época, exatamente quando completou 14 anos, surpreendeu ao permitir ser vestido com um suéter de lã em um dia frio. Antes disso, detestava roupas e não poupava mordidas a quem insistisse, razão pela qual o agasalho estava guardado desde que ele era filhote.

Bidu morreu no dia 11 de fevereiro, aos 16 anos —chegaria aos 17 em abril. Vivemos juntos desde que eu tinha oito anos e ele, 29 dias, graças à decisão da minha avó de quebrar o acordo que fez com minha mãe e minha tia para não adotar mais bichos, devido à dor que elas enfrentaram pela perda de outros animais. Minha avó partiu há dez anos, e o Bidu e o amor dado por ele eram —e continuarão sendo— símbolos do legado deixado por ela para a neta e as filhas.

Bidu era mandão e não hesitava em rosnar, arranhar e morder quando contrariado, mas era, ao mesmo tempo, muito sensível, carinhoso e companheiro. Se me via chorar, farejava o rosto, chorava junto e lambia as lágrimas. Hoje, tentando lidar com sua ausência, lhe dedico a música abaixo. Com ela, também agradeço aos amigos que têm me acolhido neste período de luto.

Siga o Bom Pra Cachorro no Instagram, Facebook, X e Threads


LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar sete acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.





Fonte.:Folha de S.Paulo

Leia mais

Rolar para cima