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- Author, Luiz Fernando Toledo
- Role, Da BBC News Brasil, em Londres
O governador do Rio de Janeiro Cláudio Castro (PL) comemorou, em sua conta no Instagram, o resultado da megaoperação policial na capital fluminense que deixou ao menos 121 mortos e prendeu 113 pessoas na terça-feira (28/10).
“O Rio de Janeiro termina o dia com uma imagem que fala por si: mais de 100 fuzis apreendidos pelas Polícias Civil e Militar.” A ação era contra a facção Comando Vermelho, nos complexos do Alemão e da Penha.
Em fala à imprensa no dia 29/10, após a operação, Cláudio Castro argumentou que a grande quantidade de armas nas mãos do crime organizado demonstraria que a ação em seu Estado tem pouco a ver com segurança pública e mais com defesa.
“Essa é uma luta que já extrapolou toda a ideia de segurança pública”, disse. “O Rio está sozinho nessa guerra. Aí é muito fácil criticar as forças estaduais, criticar o governador, quando o Estado está, talvez sim, excedendo as suas competências. Como nós jamais abandonaremos a população, se tiver de exceder, excederemos mais ainda para proteger a nossa população.”
O governador afirmou ainda que a operação foi “um duro golpe contra a criminalidade” e também prova que o estado “tem condições de vencer batalhas.”
Para o professor de Política Global e Sociedade no Departamento de Política e Estudos Internacionais da Universidade de Cambridge (POLIS), Graham Denyer Willis, as falas do governador são uma “tentativa de ocupar um espaço vazio na direita política e ganhar destaque nacional.”
“Não se trata realmente de uma questão de boa ou má operação policial. Não há nada de novo no Comando Vermelho, nem na polícia violenta, nem no tráfico de drogas, nem na chegada de Castro ao poder. Então, por que agora? Foi uma performance pública de Castro para preencher um vazio na política de direita e atrair Trump, além de se inserir no mapa político nacional e internacional”, diz.
Denyer-Willis é conhecido por seus trabalhos que analisam o trabalho de forças policiais no Brasil, como o livro The Killing Consensus: Police, Organized Crime, and the Regulation of Life and Death in Urban Brazil.
“A linguagem utilizada, o desfile de pessoas e de mortos deixam bastante claro que se tratou de algo deliberadamente feito para o espetáculo. Foi isso que definiu o sucesso. Foi um esforço para criar uma plataforma política com base na política dos cadáveres”, diz o professor à BBC News Brasil.
Movimentos de direitos humanos classificam a operação como uma chacina e questionam sua eficácia como política de segurança.
O grande número de vítimas também foi criticado pelo Alto Comissariado dos Direitos Humanos das Nações Unidas, que se disse “horrorizado” com a operação nas favelas.
A operação envolveu 2,5 mil agentes das forças de segurança do Rio de Janeiro para cumprir 180 mandados de busca e apreensão e 100 mandados de prisão em uma área de 9 milhões de metros quadrados.
Castro tem se defendido dessas críticas sobre eventual uso político da situação. Ele disse, em uma entrevista coletiva, que tem “governador deste estado e nenhum secretário vai ficar respondendo nem ministro, nem autoridade, nem ninguém que queria transformar esse momento numa batalha política”.
Disse também que “todo aquele que queira vir para cá no intuito de somar, é bem-vindo. Os outros, que querem fazer confusão, que querem fazer politicagem, suma. Ou soma, ou suma.”
A BBC News Brasil procurou o governo do Rio para se manifestar sobre as críticas, mas ainda não recebeu retorno. O espaço segue aberto.
Veja a seguir trechos destacados da entrevista com Denyer Willis.

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BBC News Brasil – O governador compartilhou imagem das armas apreendidas para dizer que o resultado da operação fala por si. Como avalia essas falas pós-operação?
Denyer Willis – Ele queria fazer uma coisa espetacular. Não há nada de novo e não é uma questão de medida, de número de presos, de drogas. É uma jogada para tentar estabelecer uma plataforma para Castro. Não tem a ver com tráfico de drogas, que é uma questão internacional e que envolve, também, as elites, mas com a promoção de sua imagem no nível nacional, uma forma de entrar num vácuo que existia na direita brasileira.
BBC – Castro criticou o governo federal e diz que o Estado luta sozinho contra o crime organizado. É uma forma de rivalizar com Lula e o PT?
Willis – Sem dúvida. Houve uma tentativa de colocar a questão contra o governo federal e de dizer que aquele é um governo que não se interesse por segurança pública, que deixa o crime organizado crescer. E, do lado oposto, dizer que ele representa a política que pode fazer alguma coisa. Me parece que ninguém saiu ganhando nisso, exceto ele mesmo. É como se diz, a polícia é política. A instituição, em si, é política.
BBC – Houve também manifestações de outros líderes de direita em apoio à operação, como o governador Ronaldo Caiado. É uma forma de buscar unidade?
Willis – Parece que estão tentando recuperar uma ideia que separa cidadãos ruins e cidadãos de bem. As falas, discursos, estão contextualizados nesse sentido. É uma política que não vê outros caminhos além da repressão, uma política de conteúdo vazio.
BBC – O número de mortes não poderia danificar a imagem do governador?
Willis – Houve policiais mortos. É bom lembrar que policiais morrem todos os dias, inclusive com crises de suicídio que são conhecidas. Muita gente sofre no dia a dia. A quem isso é bom, no fim das contas? Não serve para o pobre, não serve para a classe média, não serve para quem vive nas favelas. Mas serve para construir plataforma política. Ficou claro que botaram a polícia pra matar e superar limites, causar uma explosão de sentimentos.
BBC – A operação fracassou?
Willis – Quando chegamos ao ponto de ter uma operação policial como essa, é porque já houve falhas demais. Já deixou de ser uma coisa que só a polícia deve responder. São muitas falhas sociais, políticas, de política pública, que a polícia é incapaz de responder.
Há vários outros fatores: o crescimento do sistema carcerário, a falha da política social, a falta de emprego. Muita gente quer trabalhar mas não consegue, não tem vaga. Gastamos muito dinheiro com políticas repressivas, que não garantem, de fato, segurança.
BBC – E como combater o crime organizado no Rio, que continua crescendo?
Willis – O primeiro passo é reconhecer que o crime organizado existe por causa do status quo das políticas públicas no Brasil. As organizações criminosas dependem dos presídios, precisa de uma população que vai entrar nas prisões e ser cuidada por essas facções e depois se aliar a elas.
A maioria dos que estão presos não cometeu crime violento, mas é misturada a esses grupos. Será que conseguimos jogar menos gente para dentro dos presídios, construir menos presídios?
A política da violência pela violência falha há 200 anos. É preciso reconhecer isso.
BBC – Cláudio Castro usou o termo narcoterrorismo para se referir ao episódio, termo já usado por Trump. É uma tentativa de aproximação de discursos?
Willis – O Comando Vermelho existe há décadas. O que há de novo? Esta operação, da forma como aconteceu, teria uma resposta internacional diferente em outros tempos.
A forma como foi conduzida tem um objetivo claro, deixar Castro mais próximo da política brasileira e, quem sabe, no cenário internacional, como um Bukele (Trump já demonstrou apreço por Bukele, de El Salvador, que ficou conhecido por uma política linha-dura, mas também recebeu inúmeras denúncias de violações de direitos humanos).
Não sei se Trump irá reconhecer Castro. Mas ele quer ser elogiado. É um modo de se avançar na esfera da direita.’
Fonte.:BBC NEWS BRASIL


