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7 de novembro de 2025

Operação no Rio reacende embate sobre força policial – 07/11/2025 – Cotidiano

Operação no Rio reacende embate sobre força policial – 07/11/2025 – Cotidiano

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A Comissão de Segurança Pública da Câmara dos Deputados aprovou na última quarta-feira (4) um projeto que visa eliminar um dos alicerces do plano do governo Lula (PT) para integrar a segurança pública no Brasil: a padronização do uso da força por policiais nos estados.

Ainda dependendo de discussões na Comissão de Constituição e Justiça e no plenário, o PDL (Projeto de Decreto Legislativo) 5/2025 pretende sustar o decreto federal nº 12.341 de dezembro de 2024 e suas regulamentações.

As regras na mira são a base da estratégia governista para moderar a aplicação de armamentos letais por agentes de segurança –o Projeto Nacional de Qualificação do Uso da Força, a ser gradualmente implantado até 2027.

O argumento central do PDL é a suposta violação da autonomia dos estados e municípios na gestão das suas policias e guardas. Mas a megaoperação que resultou em 121 mortes no Rio de Janeiro acrescentou uma nova camada de críticas ao projeto da União.

Agora, integrantes da chamada bancada da bala na Câmara dizem que a ação contra a facção Comando Vermelho se tornaria inviável se todas as regulações propostas pela União estivessem vigorando plenamente.

Relator do PDL, o deputado Sargento Gonçalves (PL-RN) diz que o plano da gestão Lula tem pontos que poderiam inibir a tomada de decisões em uma operação como a do Rio. Ele cita como exemplos de possíveis restrições à liberdade dos entes a criação de um comitê nacional de monitoramento e o condicionamento às diretrizes federais para o recebimento de recursos da União.

Estados aderentes da proposta recebem contrapartidas materializadas especialmente pela doação de dois tipos de instrumentos não letais: as armas eletrônicas de incapacitação muscular e os espargidores, mais conhecidos como taser e spray de pimenta, respectivamente.

Até o momento, 21 estados aderiram ao projeto e receberam por isso doações equivalentes a R$ 95 milhões. Apenas São Paulo, Goias, Pernambuco, Espírito Santo, Amapá e Paraná não participam.

O emprego desse tipo de equipamento é alvo de críticas de opositores desde que a primeira versão do projeto se tornou público, no ano passado. Na ocasião, a gestão Lula foi acusada de tentar municiar com tasers agentes que enfrentam narcotraficantes com armamentos pesados.

Sem deixar de reconhecer a importância da oferta de armas não letais, Gonçalves questiona a prioridade dada pelo governo federal. O recurso, segundo ele, poderia ser empregado na aquisição de armas de fogo para estados deficitários. “Não dá para subir o morro com taser para enfrentar bandido com fuzil”, diz.

Refutando esse tipo de crítica, a diretora do Sistema Único de Segurança Pública, Isabel Figueiredo, reforça que a proposta da gestão Lula é para a capacitação profissional para o uso proporcional da força. “Se nos recebem com fuzil, nós vamos entrar com fuzil, claro”, afirma.

Ela atribui à polarização política os discursos contrários à qualificação da força. “Isso entrou na caixinha da política, não da técnica, porque do ponto de vista técnico, estamos falando de normas adotadas em diversas partes do mundo”, comenta.

Diante de um cenário em que há estados que não possuem normas específicas para o emprego da força, Isabel diz que a uniformização nacional é uma forma de garantir procedimentos pautados pela legalidade e proporcionalidade, o que segundo ela amplia a segurança da população e dos próprios policiais.

“Normatizar o uso da força, essa diretriz nacional, não é nem um tijolo do Sistema Único de Segurança Pública, é um alicerce”, diz.

Para Carolina Ricardo, diretora-executiva do Instituto Sou da Paz, a operação no Rio tornou ainda mais poluído o debate público sobre o tema. “A bancada da bala tenta significar ações como essas como sendo contra a polícia, quando a gente sabe que quanto mais instrumentos e protocolos, mais efetiva é a ação policial”, diz.

Após a megaoperação, múltiplos discursos de governadores apoiando a ação mais letal da história no país indica que ao menos parte dos estados está na contramão do que prega a gestão Lula.

Após classificar a operação no Rio como um “sucesso”, o governador Cláudio Castro (PL) liderou na última sexta-feira (31) a formação de um consórcio de governadores para criação de um plano próprio de atuação na área.

Responsável pelo maior efetivo policial do país, o governador paulista, Tarcísio de Freitas (Republicanos), afirmou que o Rio de Janeiro “deu uma grande demonstração” e que “agiu muito bem, fez a diferença”.

Em São Paulo, quase 22% das mortes violentas registradas em 2024 foram provocadas por policiais. No Rio, a letalidade policial alcançou 18,5%. Ambos acima da média nacional de 14%, segundo dados do anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

Procurado para comentar a reportagem, o Governo de São Paulo afirmou que não apoia desvios de conduta, que atua em conformidade com o Sistema Único de Segurança Pública, e que todas as ocorrências com desfecho letal são rigorosamente investigadas. O Governo do Rio não comentou.

Posicionamentos como os de Castro e Tarcísio representam o principal desafio para a plena aplicação das diretrizes nacionais do uso da força porque são representativos das diferentes visões sobre como enfrentar o problema, diz Renato Alves, pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência da USP.

A disputa de narrativas, diz ele, dificultam não só a criação de um padrão de atuação policial, mas também a consolidação de um sistema nacional de segurança. “O que temos hoje é um sistema todo fragmentado.”

O emprego correto da arma de fogo também é uma forma de redução da letalidade, diz José Vicente da Silva Filho, coronel da reserva da Polícia Militar de São Paulo e ex-secretário nacional de Segurança Pública.

Para isso, afirma, é necessário que agentes deslocados para confrontos em áreas urbanas tenham elevada carga de treinamento de tiro.

Neste quesito, o especialista afirma que houve erro na execução da operação no Rio porque ela também contava com policiais que não pertenciam a grupos especializados, como o Bope.

Mas até mesmo a adoção de critérios técnicos para o uso da força pode ser insuficiente para reduzir a letalidade nos casos em que a mensagem do comando vai no sentido contrário, segundo Vicente.

“O chefe da política tem que declarar pela legalidade do uso da força, porque, quando o comando libera para matar, o policial vai matar”, diz.



Fonte.:Folha de S.Paulo

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