Depois de um salto histórico em 2023, impulsionado pela “PEC da Transição”, o orçamento das universidades federais voltou a cair – e de forma preocupante. Uma análise detalhada dos dados disponíveis até maio de 2025 revela que, apesar de um avanço em 2023, a tendência mais recente é de retração orçamentária e execução aquém do necessário para manutenção.
A presente reportagem consultou o Portal da Transparência e considerou o orçamento do ensino superior público, abrangendo os Programas Orçamentários PO 5013 e PO 5113, referentes aos anos de 2021 a 2025, que tratam despesas das universidades federais e despesas consideradas para manutenção do ensino superior público. Os dados foram corrigidos para valores reais de janeiro de 2025.
Entre 2021 e 2022, durante o governo Bolsonaro, o orçamento atualizado cresceu 2,6% acima da inflação. Mas foi em 2023, já sob a gestão Lula, que houve o grande salto: um crescimento real de 19,5%, efeito direto da PEC 32/2022, que flexibilizou o teto de gastos e permitiu expansão das despesas públicas. Contudo, esse fôlego não se sustentou. Em 2024, o orçamento agregado atualizado caiu 7,6% em termos reais. Para 2025, a previsão inicial já indica novo recuo – de 4,9%.
“O orçamento de 2025 ainda não foi atualizado, o que pode gerar queda ainda maior considerando o atualizado de 2024. Se considerarmos o contingenciamento de despesas e bloqueios na casa de R$ 31 bilhões anunciado pela Fazenda no fim de maio, a tendência é que o orçamento atualizado de 2025 seja menor que o estipulado inicialmente de R$ 15,05 bilhões”, observa o economista e mestrando em economia aplicada pela Universidade Federal de Viçosa, Marcos Wenceslau Jr, que avaliou os dados obtidos pela reportagem.
Outro ponto crítico é o baixo índice de execução orçamentária. Apenas 70% do orçamento atualizado é efetivamente pago a cada ano. Isso significa que, mesmo com aumento de previsão, uma parte significativa dos recursos não chega à ponta. Os valores não realizados giram em torno de R$ 3 bilhões anualmente, comprometendo a capacidade de planejamento e execução das instituições.
As chamadas “Despesas de Exercícios Anteriores” — valores que deveriam ter sido pagos em anos anteriores, mas foram liquidados posteriormente — também chamam atenção. Houve um acréscimo acumulado de R$ 166 milhões entre 2021 e 2025, com destaque para a elevação abrupta entre 2022 e 2023. Porém, não é possível obter detalhamento sobre quais rubricas foram efetivamente afetadas.
As despesas analisadas abrangem desde auxílio financeiro a estudantes e pesquisadores, até material de consumo, obras, serviços de tecnologia da informação e pagamento de diárias. A situação evidencia a complexidade operacional das instituições federais, que enfrentam desafios para preservar a qualidade acadêmica em meio a limitações orçamentárias.
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Despesas Correntes e de Capital: o que está por trás dos números
Dentro do orçamento das universidades, os recursos são distribuídos entre duas grandes categorias: Despesas Correntes e Despesas de Capital.
As Despesas Correntes englobam os gastos necessários para o funcionamento cotidiano das instituições, como salários, encargos sociais, aquisição de materiais de consumo, pagamento de serviços terceirizados, entre outros itens que não resultam diretamente na criação ou aquisição de bens permanentes.
Já as Despesas de Capital são destinadas a investimentos, como a construção de prédios, compra de equipamentos permanentes e outras ações que integram o patrimônio público. Essa distinção é fundamental para entender a real capacidade de expansão e melhoria da infraestrutura das universidades.
O levantamento feito pela reportagem, com base nas tabelas de dotação orçamentária entre 2021 e 2025, aponta movimentos contrastantes entre as instituições. A Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), por exemplo, que teve a maior dotação inicial em 2021, com mais de R$ 400 milhões, enfrentou redução orçamentária de 7% de 2021 para 2022 e mais 10% de 2024 para 2025. A universidade chegou a anunciar, em nota divulgada no dia 9 maio, medidas emergenciais em razão do contingenciamento orçamentário anunciado pelo governo federal.
Também listadas entre os maiores orçamentos, a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) teve um corte de 12% entre 2024 e 2025 e a Universidade Federal de Goiás (UFG) que registrou corte de 11% no mesmo período.
Também se destacam entre as instituições que apresentaram cortes relevantes de 2024 para 2025 a Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UniRio) com menos 39%, a Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), com redução de 31%, a Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e a Universidade Federal de Lavras com quedas de 11% e 9%, nos orçamentos, respectivamente.
Em contrapartida, a Universidade Federal do Delta do Parnaíba (UFDPar) registrou o maior aumento percentual entre 2024 e 2025, com alta de 95%, saindo de 24,31 milhões para 47,45 milhões. Destaque também para a Universidade Federal do Acre (UFAC), com crescimento de 60% entre 2024 e 2025, para a Universidade Federal Rural de Pernambuco, com avanço de 61% de 2022 para 2023, e para Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), que teve aumento real de 22% no orçamento de 2024 para 2025.
Ainda que 2023 represente um pico nos orçamentos da maioria das instituições, mais de 20% de aumento, os dados demonstram uma redução preocupante a partir de 2024. A Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) divulgou nota em que apontou a publicação do Decreto nº12.448, em abril deste ano, que reduziu ainda mais o orçamento das universidades, como um sério agravante do orçamento deste ano que, segundo a Associação, já era insuficiente.
Burocracia engole orçamento
Os valores destinados às universidades precisam pagar de contas de água e energia a salários e manutenção. Mas também alimentam um sistema burocrático engessado e caro. Pedro Caldeira, professor do Instituto de Educação da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM), comenta que há um excesso de trâmites, que fica embutido nesse custo. “As universidades funcionam para a burocracia cada vez mais. Não funcionam para a formação e para resolver os problemas da comunidade”, comenta.
Um dos problemas listados pelo professor está na inclusão do quadro de aposentados das federais no orçamento das universidades “Os aposentados deveriam ser contabilizados numa outra estrutura qualquer da federação, noutra rubrica.”
Reunião com universidades garantiu recomposição parcial
Em 27 de maio, após uma reunião entre os ministros da Educação, Camilo Santana, e da Fazenda, Fernando Haddad, com reitores de universidades e institutos federais no Palácio do Planalto, o governo federal anunciou a recomposição parcial dos recursos para as instituições de ensino.
De acordo com as informações divulgadas pelo Executivo, as instituições poderão usar os R$ 300 milhões que estavam impedidas de usar em razão do decreto que limitou, entre maio e novembro deste ano, o uso de recursos para despesas não obrigatórias em 60% do previsto inicialmente. Além disso, o governo anunciou que mais R$ 400 milhões serão adicionados ao orçamento das universidades e institutos federais. Esse valor virá de um remanejamento orçamentário feito no Ministério da Educação. Em 30 de maio, um decreto bloqueando R$ 3 bilhões no orçamento de 2025 foi publicado, deixando de fora os ministérios da Educação e Saúde.
Conforme as possíveis ações do governo federal, o ano de 2025 pode ser um marco para o financiamento da educação superior no Brasil — com efeitos sobre a formação de capital humano e a produção científica nacional.
Os desafios gerados pela escassez de orçamento podem levantar uma discussão sobre novas formas de financiamento e a ampliação da autonomia administrativa e financeira das instituições públicas de ensino superior.
Wenceslau acredita que a abertura para o mercado seria uma solução: “Atualmente, essas entidades são totalmente dependentes de recursos públicos e, muitas vezes, produzem pesquisas distantes das inovações demandadas pelo mercado e pelo consumidor final. Há anos tramita no Congresso uma proposta de maior autonomia para essas instituições, mas sem avanços concretos. Uma possível solução seria fomentar uma aproximação com o setor privado, o que poderia reduzir a dependência financeira total do Estado e fortalecer a integração entre pesquisa, inovação e desenvolvimento econômico”.
Procurado pela reportagem da Gazeta do Povo, o Ministério da Educação informou que, em 2023, quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assumiu o governo, “as universidades e os institutos lidavam com o pior orçamento discricionário da história” e que “se a comparação do recurso discricionário do somatório das universidades e institutos federais for realizada entre o valor empenhado em 2021 e o orçamento da LOA 2025, há um aumento real de 23,5%, ou seja, de R$ 8,1 bilhões para R$ 10 bilhões”.
A nota ainda pontuou que o atual governo encontrou um ambiente sem diálogo com os servidores docentes e técnicos, que teriam passado seis anos sem reajuste salarial e concursos públicos, mas não respondeu sobre os orçamentos não executados.
Fonte. Gazeta do Povo