Já ouviu falar em merroir? Assim como o termo francês terroir se refere às características do território que conferem identidade aos produtos da terra, o merroir explica de que maneira o ambiente marinho se expressa nos peixes e frutos do mar. E não há forma mais clara de compreender o efeito do merroir do que comendo ostras.
Estrelas dos menus do nosso verão, embora sejam um prato de inverno no hemisfério norte, esses moluscos são a mais perfeita tradução do lugar onde se desenvolvem. Quanto maior a salinidade da água, mais salgada será a ostra. Bastam alguns dias de chuvaradas, porém, ou a proximidade de um riacho, para que fiquem adocicadas.
Até a força das correntes e o método de cultivo fazem diferença para o sabor e a textura, de acordo com o biólogo Felipe Casertani, mestre em aquicultura marinha. Em seu bar, o Enfim Ostras, localizado em Ilhabela (SP), há sempre várias opções para degustar, a R$ 16 a unidade.
A Crassostrea gigas, mais conhecida por aqui como ostra de Santa Catarina, impera no mercado e responde por cerca de 95% da produção nacional. Graúda e gorda, tem origem japonesa e costuma ser a mais salgada de todas. No Enfim Ostras, elas respondem por 70% do fornecimento.
As demais, das espécies Crassostrea rizoforae e Crassostrea gasar, são nativas de várias regiões da costa brasileira e permitem boas comparações. “Se a pessoa quer ostras frescas, mostro todas que tenho disponíveis. Para quem só conhece a gigas e não é tão fã da textura, provar as nativas é sempre uma surpresa incrível. Elas mudam o jogo”, diz o biólogo.
Chefs também se surpreendem. Andrews Cintra, que comanda a cozinha do Quintal das Letras, em Paraty (RJ), descobriu há pouco as ostras nativas do Saco do Mamanguá, que fica a meia hora do restaurante, e logo as colocou no cardápio. O trio (R$ 77) é servido cru: uma sem nada, outra com vinagrete de uvas verdes e a terceira, com picles de cambuci e espuma de limão-cravo.
“São macias, mais adocicadas e têm muito umami. Os clientes estranham a cor da carne, mais escura e esverdeada, mas têm gostado muito”, diz Cintra.
No paulistano Sororoca Bar, o chef Gustavo Rodrigues alterna fornecedores. Dependendo do dia, a clientela encontra ostras nativas dos mangues de Cananeia (SP), trazidas pela Guará Vermelho. Cozidas no vapor até que se abram, elas passam por uma marinada de ervas e cítricos e vão à mesa com molho de tomates assados e vinagrete —a dupla sai por R$ 41.
Em seu outro bar, o Puba, em Belém (PA), as ostras são nativas da mesma espécie, mas o resultado é outro. “Compramos dos produtores de São Caetano de Odivelas, onde elas crescem mais. Algumas são enormes e têm a textura mais macia”, compara.
Ricardo Wendel, fundador da Guará Vermelho, trabalha em parceria com os produtores de Cananeia e comercializa 200 dúzias por semana. Ele conta que, na primavera, os moluscos estão no melhor momento: “O mercado brasileiro relaciona ostras com o verão, mas é nesse período, entre o inverno e o início do calor, que elas estão grandes e bem gordinhas”.
Fazer com que os moluscos cheguem vivos às cozinhas dos restaurantes continua sendo um dos maiores desafios para os produtores. Não por acaso, Tadeu Masano, proprietário do Amadeus, em São Paulo, virou ostreicultor. De 2 a 3 vezes por semana, os estoques são colhidos em Florianópolis e despachados de avião. Suas preferidas são as ostras baby, bem menorzinhas, que ele considera mais saborosas.
“Elas saem do mar de manhã cedo e são entregues no restaurante no fim da tarde. Em lugar nenhum, fora de Santa Catarina, se comem ostras tão frescas”, afirma Masano, que serve a meia dúzia a R$ 82. Se forem gratinadas com espinafre e parmesão, ou com pimentão, alho-poró e bacon, o preço sobe para R$ 89.
A logística de transporte não é o único gargalo do fornecimento, explica Felipe Casertani —além de chegarem vivas, as ostras devem se manter saudáveis até o momento do consumo, o que exige treino da parte das brigadas.
De acordo com o biólogo, as conchas devem ser mantidas com a parte mais curva para baixo, para que percam menos água e se mantenham hidratadas, em ambiente refrigerado entre 5ºC e 8ºC. As facas usadas para abri-las devem ser esterilizadas com álcool.
“As ostras não podem ser expostas a vento direto na refrigeração, muito menos guardadas dentro d’água, em aquários com água em temperatura ambiente”, explica o especialista, que já treinou as brigadas dos restaurantes Arturito e Sushi Vaz, em São Paulo.
Nascida em Piura, cidade ao norte do Peru com tradição no consumo de frutas do mar, Marisabel Woodman, chef do Mares de la Peruana, tem mostrado ao paulistano que a versatilidade das ostras vai muito além da versão in natura com gotas de limão.
De quinta a domingo, os moluscos podem ser servidos com leche de tigre, o caldo cítrico dos ceviches, ou com molho mignonette, acompanhamento clássico à base de cebola roxa e vinagre de vinho tinto (R$ 53 a porção com quatro).
“Também faço um molho ponzu com redução de laranja e criei uma versão nova, com melancia. Sirvo as ostras ao natural, com os molhinhos para colocar por cima”.
Fonte.:Folha de São Paulo