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25 de novembro de 2025

Pai ausente, em ascensão no Brasil, é fator de aumento do crime

Pai ausente, em ascensão no Brasil, é fator de aumento do crime

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O pai ausente é um fenômeno cada vez mais comum nas famílias brasileiras, segundo dados do Censo 2022 divulgados no começo deste mês pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Há no país 7,8 milhões de mulheres que criam filhos sem a presença do cônjuge. São 2,6 milhões a mais do que em 2000.

A proporção de famílias chefiadas por mulheres sem cônjuge e com filhos passou de 11,6% em 2000 para 13,5% em 2022, segundo o IBGE. Esse aumento tem acelerado com o tempo: entre 2000 e 2010, já havia crescido, mas de 2010 para 2022 a velocidade do avanço foi maior, o que indica que a ausência paterna está se tornando comum cada vez mais rápido.

O fenômeno pode ter efeitos sociais graves. Há décadas, pesquisas mostram que crianças que crescem sem pai correm mais risco maior de se envolver em comportamentos agressivos e crimes na adolescência.

Em 2020, uma revisão sistemática de pesquisas sobre o assunto publicada no periódico científico Psychology, Crime & Law analisou 48 estudos e confirmou que crescer em família monoparental aumenta o risco de envolvimento com crime na adolescência. O efeito é mais evidente entre meninos e em bairros violentos.

Entre os mortos na megaoperação da polícia do Rio de Janeiro no fim de outubro, de acordo com o jornal O Globo, pelo menos um terço tinha histórico de pai ausente.

“Existe, sim, uma associação entre probabilidade de envolvimento com crime e ausência da figura paterna”, afirma Rodolfo Canônico, diretor da ONG Family Talks. “Pai e mãe em casa em geral vai significar maior renda domiciliar. Isso vai estar associado a uma série de benefícios para a criança, como melhores oportunidades de desenvolvimento e melhor situação para a mulher, que vai estar menos sobrecarregada. E isso passa para a criança. A criança vai estar num ambiente mais propício, com mais condições e oportunidades de desenvolvimento. Além disso, a presença do pai está relacionada, sim, às questões de disciplina. Há menor probabilidade de evasão escolar, de problemas disciplinares e outras questões desse tipo. A presença do pai faz a diferença.”

Para ele, é importante tratar a questão como um problema social que demanda políticas públicas. “Sem dúvida, tem que trabalhar no preventivo. Aqui no Brasil existe uma crise da paternidade. O número de crianças sem nem sequer o nome do pai na cédula de nascimento é de mais de 5 milhões. E isso é um problema social grave. Um homem que não assume a mínima responsabilidade ao ter um filho é uma pessoa problemática para a sociedade. Isso precisa ser enfrentado. Seria muito importante haver políticas públicas chamando a atenção para isso. Vários países já fizeram campanhas para os pais assumirem os filhos. Talvez no Brasil já tenha passado da hora de fazer uma coisa parecida”, comenta.

Pai ausente gera desafios a mães solteiras especialmente na criação de meninos

Na casa de Vencerlina Pereira, de 47 anos, moradora da comunidade Cidade Estrutural, no Distrito Federal, a ausência paterna fez parte da rotina de quase todos os seis filhos. O pai da primogênita nunca se envolveu na criação nem colocou o nome no registro, conta ela. Já o pai das três crianças seguintes, único que assumiu a criação dos filhos, morreu quando o caçula tinha oito meses de idade. As outras duas crianças são frutos do terceiro relacionamento de Vencerlina, e nunca tiveram presença do pai.

Ela relata alguns desafios cotidianos na criação do quarto filho, que quase nunca teve a figura paterna em casa e já é adolescente. “Às vezes eu fico preocupada. Ele não tem presença de tio nenhum, nem de um avô. Nenhuma presença de homem para falar com ele o que é errado”, comenta.

No caso de Vencerlina, a falta do pai também significou um desafio maior do ponto de vista econômico: ela passou por graves dificuldades para dar comida aos filhos em alguns momentos, especialmente quando era mais jovem e precisou criar a primeira filha sozinha. “Só não fui para debaixo da ponte por causa de um cunhado meu, porque não tive apoio de mais ninguém.”

A educadora social Conceição Cordeiro, que tem como parte de seu trabalho visitar famílias pobres para verificar suas necessidades, afirma que é visível como o fenômeno das mães solteiras é cada vez mais comum. Embora haja exceções positivas, segundo ela, a tendência é que famílias com pai ausente tenham mais dificuldade na hora de formar filhos.

“São crianças que geralmente têm menos disciplina. A gente vê a diferença. O pai é muito importante. E são mães muito jovens, muitas vezes. São famílias que crescem desestruturadas”, diz.

Ausência da figura paterna é amputação psicológica, diz especialista

Geison Isidro, psicólogo clínico e mestre em psicologia, descreve a ausência da figura paterna como uma espécie de amputação no âmbito psicológico. “A falta de uma perna vai gerar algum efeito sobre a forma de a pessoa viver? Certamente. A amputação de um membro torna a vida mais difícil. A falta de um pai, será que não vai gerar problemas parecidos no chamado ‘corpus psicológico’?”, diz.

A presença paterna, segundo Isidro, oferece às crianças uma referência prática de estabilidade, segurança e coragem, aspectos que costumam ser reforçados por características masculinas. “Os pais costumam incentivar os filhos a enfrentar algumas situações, enquanto que as mães tendem a proteger os filhos das situações desafiadoras. A figura masculina contribui para o desenvolvimento de uma série de habilidades e de competências para a vida.”

As consequências da ausência paterna, segundo ele, envolvem “uma tendência maior à transgressão” e “uma insegurança maior diante da vida, que pode se converter depois em aumento de agressividade”. “Especialmente se você está falando de uma criança do sexo masculino, um menino com muito medo, geralmente, vai ter maior propensão à agressividade, porque ele usa a agressividade como uma espécie de compensação à insegurança que ele tem”, explica.

Outro efeito da falta da figura paterna é, de acordo com o psicólogo, “a diminuição do autocontrole e uma tendência maior a vícios”. “E esses vícios são de diferentes naturezas. Não só um vício em substâncias, mas em sexo, jogos, telas etc.” Há, além disso, “uma tendência maior à violência doméstica”.

Isidro critica a ideia comum em certos círculos ideológicos de que o homem seria dispensável na formação de uma criança. Por outro lado, ele ressalta que parentes ou outras figuras masculinas poderiam suprir, em alguma medida, o papel de um pai ausente.

“A figura masculina pode ser um avô, um tio próximo, um padrasto, um professor… Essa referência masculina pode ensinar certas virtudes e repertórios e compensar ausência de um pai – uma figura masculina que tenha a oportunidade e principalmente o compromisso de assumir esse processo formativo. Muitas mães nessas condições são heróicas no que fazem, mas certamente não teriam a habilidade de suprir a ausência do pai. Às vezes, observo que, pela própria falta de uma figura masculina, elas mesmas entram em um processo de insegurança, e podem acabar caindo em superproteção ou agressividade em relação ao filho”, diz.



Fonte. Gazeta do Povo

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