
Descobrimos que Veruska tinha a Síndrome de Berardinelli quando ela completou três meses de vida.
Minha gestação foi tranquila, mas o parto acabou sendo complicado: já não havia líquido na placenta e ela aspirou mecônio, precisando ser levada imediatamente para atendimento.
Quando pude vê-la, notei que ela era extremamente magrinha, diferente da minha outra filha. No interior, onde morávamos, atribuíam a aparência dela ao fato de ter “passado da hora de nascer”, mas eu sentia que havia algo além disso.
Com o passar das semanas, minha inquietação só aumentava. Veruska crescia, mas não ganhava gordura em nenhuma parte do corpo. Aos três meses, busquei ajuda em Natal com o pediatra Ney Fonseca.
Apenas pelo exame clínico, ele suspeitou da Síndrome de Berardinelli, um tipo de lipodistrofia congênita, e pediu exames complementares. Os triglicérides dela, mesmo com apenas três meses, já estavam em torno de 350 mg/dL. Com os resultados, veio a confirmação do diagnóstico. Eu fiquei desesperada, tinha medo de não saber criá-la, de que ela não sobrevivesse.
A partir desse momento começou nossa grande jornada, e o Dr. Ney teve um papel decisivo não apenas no diagnóstico, mas também na construção de uma rede de apoio. Ele promoveu meu encontro com outra mãe, Márcia Guedes, cujo filho, um ano mais velho que Veruska, já era seu paciente.
Esse encontro mudou tudo. A partir dali, nós duas iniciamos, orientadas pelo Dr. Ney, um trabalho de busca ativa por outras famílias no Seridó (região interiorana entre o Rio Grande do Norte e a Paraíba, onde vivemos) e em todo o estado, porque ele acreditava que havia muitas pessoas com a síndrome que sequer conheciam o nome científico da condição.
Durante dez anos, visitamos famílias, fizemos cadastros e construímos essa rede. Esse esforço resultou, em 1998, na fundação da Associação dos Pais e Pessoas com a Síndrome de Berardinelli (ASPOSBERN), hoje conhecida como Associação Brasileira da Síndrome de Berardinelli e Outras Lipodistrofias (ABSBL).
A sede fica em Currais Novos (RN), e Márcia é a atual presidente. Já fui vice-presidente e, atualmente, sou tesoureira. A diretoria é composta por pais e por pessoas que convivem com a síndrome. Esse movimento coletivo foi essencial para ampliar o conhecimento, fortalecer as famílias e prolongar a vida desses pacientes.
Os desafios ao longo da vida
Hoje, aos 38 anos, Veruska é uma mulher consciente das condições de saúde que enfrenta. Ao longo da vida, lidou não apenas com a hiperlipidemia, mas também com a diabetes lipotrófica de difícil controle, necessitando de doses elevadas de insulina.
Já enfrentou retinopatia, resistência severa à insulina, problemas hepáticos e bexiga neurogênica, complicações relacionadas à própria síndrome. Seu cuidado exige acompanhamento constante com vários especialistas.
Entre os desafios mais marcantes, destaco a busca por inclusão e aceitação social. Felizmente, Veruska sempre foi muito bem acolhida na escola, desde o jardim até a graduação, e pela comunidade. Ainda assim, a discriminação existe, e a falta de conhecimento sobre a lipodistrofia é uma barreira para médicos, professores e até para familiares.
Outro grande obstáculo tem sido o acesso à leptina, medicação essencial para melhorar a qualidade de vida desses pacientes. Entramos com pedido judicial, mas nunca conseguimos obtê-la.
Apesar de tudo, Veruska sempre foi uma lutadora. Sua força e sua capacidade de se aceitar, reivindicar direitos e conquistar carinho ao seu redor são acontecimentos marcantes da vida dela e da nossa família.
A transformação da mãe pela experiência
A presença da síndrome na nossa vida transformou também minha trajetória pessoal. Buscando compreender melhor a condição da minha filha, fiz graduação e desenvolvi um projeto de pesquisa e extensão sobre a distribuição geográfica e genealógica da doença na região do Seridó.
Esse trabalho ajudou a identificar outras famílias e levou informação para escolas e instituições por meio de palestras. Mais tarde, também dediquei meu mestrado ao estudo da Síndrome de Berardinelli, contribuindo academicamente para ampliar o conhecimento sobre a condição.
O que sempre me sustentou foi saber que, mesmo com limitações, as pessoas com a síndrome podem viver de forma plena, dentro de suas possibilidades. Elas têm muito a oferecer à sociedade. Essa certeza me guiou e ainda guia minha convivência com Veruska.
O que ainda falta avançar
Acredito que, apesar dos avanços, o conhecimento sobre a lipodistrofia ainda é insuficiente. Precisamos de mais divulgação, mais preparo médico e maior conscientização da sociedade.
Trabalhos da ABSBL)têm sido fundamentais, mas ainda há um longo caminho pela frente.
A história de Veruska é, sobretudo, uma história de resistência, afeto e busca por direitos. E eu, como mãe, sigo lutando ao lado dela para que outras famílias encontrem acolhimento, diagnóstico precoce e condições dignas de cuidado.
*Virginia Dantas, mãe de Veruska Carla Cândido Dantas, 38 anos, diagnosticada com Lipodistrofia Congênita de Berardinelli aos 3 meses de vida
Compartilhe essa matéria via:
Fonte.:Saúde Abril


