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26 de julho de 2025

Para onde caminha a liberdade de expressão no Brasil

Para onde caminha a liberdade de expressão no Brasil

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O fenômeno da recessão global da liberdade de expressão não se restringe a estados autoritários, atingindo também democracias consolidadas. A afirmação vem de uma das vozes mais respeitadas mundialmente quando o tema é liberdade de expressão: o advogado dinamarquês Jacob Mchangama.

Segundo ele, “democracias estão cada vez mais restringindo a liberdade de expressão. E fazem isso em nome da proteção da democracia”. Mchangama participou, junto com Fernando Schüler, cientista político e curador do projeto “Fronteiras do pensamento”, do último dia da masterclass que teve como objetivo aprofundar a compreensão sobre um dos pilares mais importantes da democracia. O evento foi realizado em São Paulo nesta semana pelo Instituto Sivis, em parceria com a Faculdade Belavista, reunindo especialistas brasileiros e internacionais. 

Mchangama e Schüler ofereceram visões complementares sobre a situação da liberdade de expressão no Brasil e no mundo, destacando a urgência do tema e propondo caminhos para o futuro. O advogado dinamarquês observou que há uma percepção crescente de que a liberdade de expressão representa uma ameaça, sendo utilizada como arma por grupos que exploram novas tecnologias para minar a paz social.

Para ele, isso leva à criação de leis que introduzem o controle governamental sobre mídias sociais. Durante a palestra, ele citou como exemplo recente a decisão da Turquia de banir o chatbot de inteligência artificial (IA) Grok, sob a justificativa de que a tecnologia gerava respostas críticas ao presidente Tayyip Erdogan.

“Este é um passo muito lógico, não é?”, provocou Mchangama. “Você tem uma IA generativa, a IA generativa diz coisas de que os políticos não gostam, e qual é a solução? Bem, vamos proibi-la. E esta é a trajetória atual em todo o mundo, com poucas exceções.” 

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Como o Brasil ainda falha na liberdade de expressão 

Mchangama expressou surpresa e preocupação com o fato de o caso do comediante Léo Lins no Brasil não “conectar com todas as pessoas”, contrastando com a forte reação que haveria na Dinamarca se um humorista fosse condenado a oito anos de prisão. “É um pouco surpreendente e um preocupante para mim que não seja algo que toque mais os brasileiros”, afirmou.

“Isso representa um perigo claro e presente. Não apenas contra a democracia, mas também contra a capacidade das pessoas de se expressarem.” O advogado enfatizou o papel crítico do Brasil como um “Estado pêndulo” regional e global para a liberdade de expressão e a democracia.

“Se o Brasil se tornar uma democracia mais iliberal, avançando no caminho da censura e do controle político da liberdade de expressão, isso terá implicações enormes não apenas para a América Latina, mas também para o mundo”, alertou Mchangama.

Fernando Schüler, por sua vez, destacou que o Brasil se tornou um país “pop internacionalmente” por “razões ruins” relacionadas à liberdade de expressão. Ele demonstrou preocupação com o fato de que “muita gente do Brasil não acredita ou acha que a gente tem um problema com liberdade de expressão”, incluindo boa parte dos intelectuais e das autoridades. 

Schüler apresentou casos que considerou “bizarros” de censura no país, como o bloqueio dos perfis do empresário Luciano Hang e do blogueiro Monark. “A primeira forma de resolver um problema é reconhecer que você tem um problema”, provocou. 

Mchangama, por sua vez, argumentou que o bloqueio de contas nas redes sociais imposto pelo Judiciário não cria mais confiança e provavelmente “aumenta a polarização e a desconfiança nas instituições”. Segundo ele, a intervenção, baseada na ideia de “proteger a democracia e as pessoas de informações perigosas”, parte do pressuposto de que “não se pode confiar nas pessoas comuns” e que, portanto, juízes devem decidir o que é ou não verdade.

Schüler atribuiu essa situação à ausência de uma tradição liberal no Brasil e à dificuldade do país em lidar com a “frieza da regra” e a impessoalidade do direito. Ele fez referência ao conceito de “cordialidade do brasileiro”, descrito por Sérgio Buarque de Holanda em Raízes do Brasil (1936), no qual o autor explica como as relações pessoais frequentemente se sobrepõem às normas impessoais, marcando uma aversão à formalidade no convívio social. “Nossa forma ordinária de convívio social é, no fundo, justamente o contrário da polidez”, resume Holanda na obra.

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Caminhos para o futuro da liberdade de expressão 

Ambos os especialistas ofereceram caminhos para reverter a tendência atual e fortalecer a liberdade de expressão. Mchangama enfatizou que a defesa mais sólida reside na construção de uma cultura cívica de tolerância e diálogo. 

Para ele, a liberdade de expressão é a antítese da violência e permite resolver diferenças pacificamente. Sugeriu o uso de “contra-discurso” como alternativa à censura no enfrentamento a discursos de ódio e extremismo, capacitando as pessoas a lidar com esses desafios sem recorrer à restrição.

O dinamarquês também propôs a criação de um ecossistema de informação mais descentralizado como antídoto ao controle centralizado, mencionando a implementação de middleware – camadas intermediárias de software que permitem aos usuários personalizar filtros e algoritmos de recomendação, em vez de depender exclusivamente do sistema das plataformas. Segundo ele, diferentes modelos de negócios para redes sociais poderiam otimizar não apenas o engajamento como a confiança.

O advogado dinamarquês Jacob Mchangama esteve no Brasil para lançar seu livro sobre liberdade de expressão.O advogado dinamarquês Jacob Mchangama esteve no Brasil para lançar seu livro sobre liberdade de expressão. (Foto: John Russell/Universidade Vanderbilt)

Ele citou Taiwan como um “exemplo muito interessante” de país que construiu uma democracia digital resiliente, utilizando soluções que capacitam os cidadãos e que “não resultou em altos graus de polarização”. Já Schüler defendeu a necessidade de regras claras e objetivas para a definição de crimes, em oposição a decisões ad hoc ou baseadas em “afetos”. Para ele, “quando se discute a liberdade de expressão, sempre a pergunta é ‘qual é a regra do jogo?’

O cientista político também defendeu a consistência na defesa desse direito, independentemente da orientação política, como estratégia para persuadir um público mais amplo. Ambos concordaram que o estudo de exemplos históricos é crucial.

Mchangama afirmou que a história da liberdade de expressão permite “ampliar a visão” para perceber que outras gerações enfrentaram questões semelhantes e que aqueles que favoreceram restrições “não estavam do lado certo”. Schüler, por sua vez, destacou a relevância de analisar a própria história brasileira para compreender como a censura foi usada e evitar a repetição de padrões.

As palestras enfatizaram que, embora a tecnologia ofereça ferramentas sem precedentes para a expressão, é a cultura cívica e o compromisso com a regra que verdadeiramente salvaguardarão a liberdade de expressão em um momento de desafios crescentes, no Brasil e no mundo.

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Fonte. Gazeta do Povo

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