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22 de junho de 2025

Pastor bissexual vai pela primeira vez à Parada LGBT+ – 22/06/2025 – Cotidiano

Pastor bissexual vai pela primeira vez à Parada LGBT+ – 22/06/2025 – Cotidiano

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Filipe Scarcella, 37, está se sentindo bem. “Vejo um ambiente familiar, em que as várias formas de ser família são celebradas”, diz ao lado do namorado, o educador Gabriel Viriatto, 27, durante a Parada do Orgulho LGBT+, em São Paulo.

Na avenida Paulista, famílias homoafetivas carregam seus filhos no colo. Muitas combinam roupa, como jaquetas coloridas com os tons do arco-íris.

Seria outra história se Filipe estivesse na Marcha para Jesus, que por tantos anos frequentou. “Eu não me sentiria confortável nem mesmo em abraçar o Gabriel, porque poderia ter algum tipo de fala homofóbica. Ainda que não fosse o Gabriel, se fosse o meu irmão, eu ficaria constrangido de chegar próximo porque poderiam pensar alguma coisa.”

Filipe é crente raiz. “Tive avós pastores, bisavós pastores.” Sua família é “de gente engajada de fato na igreja”. Seguem a linha batista.

Filipe também é pastor, além de teólogo, cientista político e, como compreendeu recentemente, autista. E está neste domingo (22), pela primeira vez, na Parada do Orgulho LGBT+.

A Marcha para Jesus era um evento mais certeiro em seu calendário, e ele guarda boas lembranças dessa época da sua vida. “A Marcha sempre foi vista como um momento de muita alegria, que aí as igrejas se mobilizavam, a gente tomava café da manhã juntos na igreja e íamos em caravana.” Pão com presunto, achocolatado, cuscuz –e partiu Jesus.

Eram outros tempos, em que a voltagem política não produzia curtos-circuitos ideológicos entre os fiéis. Para Filipe, “era a festa do povo de Deus”, e as causas mais abraçadas não exalavam os ares conservadores de agora. “Lembro da Marcha para Jesus ser um ambiente de defender pautas como a não violência. Quando teve a campanha nacional do desarmamento, as igrejas evangélicas levantaram essa bandeira. Infelizmente, as coisas foram mudando.”

Filipe, bissexual que namora Gabriel há quase um ano, pastoreia hoje na Soul Livre, uma igreja evangélica na Vila Mariana (zona sul paulistana) que não vê pecado em ser LGBTQIA+. Seu lema: “Um lugar para quem tem fé, mas não cabe na caixinha”.

Quando entendeu que “não era uma pessoa heterossexual, por volta dos 22 anos, ele entrou em crise. Depois procurou pastores e foi enviado para dois acampamentos que prometiam entregar “cura gay“. “Muito louvor, muita oração na cabeça. Tinha confissão pública. Eu nunca tinha me relacionado com nenhum menino quando fui, então quem tinha se relacionado confessava.”

Faziam “coisas que mortificavam a carne”, para serem desconfortáveis mesmo, como dormir no chão, tomar banho gelado e jejuar. A certa altura, os pais chegavam e lavavam os pés dos filhos, que liam em voz alta “um texto de confissão de pecados”, conta. “E aí eles tinham que abraçar e dizer que perdoavam a gente.”

Acabou convidado a se retirar da igreja, e a “recepção na família foi a pior possível”. Os pais passaram anos sem falar com ele. Tentou o suicídio duas vezes e se afastou da religião por um bom tempo.

Em 2017, Filipe começou a se familiarizar com a teologia afirmativa, que concilia preceitos bíblicos com a diversidade sexual e de gênero. Foi aí que fez as pazes com a fé cristã.

Ele já não frequentava mais a Marcha, que “deixou de ser uma marcha profética, para usar o linguajar teológico”. Fala “no sentido de profetizar um jeito diferente de ser gente, profetizar um mundo possível, de justiça social, paz, amor”.

O pastor entende que o ato idealizado pelo apóstolo Estevam Hernandes, que lotou ruas da cidade três dias antes, “passou a ser uma demonstração de força”.

“A Marcha deixa de ser para Jesus ou com Jesus, passa a ser só uma marcha que usa o nome de Jesus para demonstrar poder. Jesus, pelo contrário, é Deus mostrando fraqueza, fragilidade.”

Filipe é hoje “um homem bissexual já passado pelo processo de saída do armário” e está na Parada LGBT+ com o bloco Gente de Fé, “uma reunião de lideranças religiosas das mais diversas confissões que toparam o desafio de serem inclusivos” com todos que, como prega a Soul, não cabem na caixinha da heteronormatividade.



Fonte.:Folha de S.Paulo

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