Imagine que você está em uma reunião importante de trabalho, está diante de uma banca ouvindo considerações sobre seu trabalho de conclusão de curso ou então participa de uma cerimônia religiosa. São momentos do cotidiano que costumam demandar foco e concentração.
Contudo, de repente, invadem a mente pensamentos sobre assuntos sem qualquer relação com o momento presente. Geralmente, são ideias estranhas, incômodas ou perturbadoras. De temas variados, como relações sexuais, lembranças de um assalto violento, situações que provocam medo ou conceitos que ferem os seus valores morais.
Quanto mais você tenta abstrair e levar a mente para outro lugar, mais aquela nuvem permanece por ali — parece que não depende tanto assim de você. Em resumo, é assim que um pensamento intrusivo ocorre — e não tem muita relação com a ideia propagada nas redes sociais, que relaciona fazer algo impensado com “deixar o pensamento intrusivo falar”.
Esquisito, não? Mas quais seriam as possíveis causas para o fenômeno? Isso pode acontecer com qualquer pessoa? Vamos explicar a seguir.
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O que são pensamentos intrusivos?
Pensamentos intrusivos são ideias, imagens ou até mesmo impulsos que surgem na mente de forma inesperada, involuntária e geralmente indesejada.
“Costumam ser perturbadores, estranhos ou até mesmo surpreendentes, e podem gerar desconforto emocional, como culpa, medo ou vergonha, mesmo quando a pessoa não tem intenção de agir conforme o conteúdo do pensamento”, explica o psiquiatra Antonio Egídio Nardi, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
A diferença de uma ideia comum para uma intrusiva, nesse contexto, está principalmente na forma como aparece e na reação emocional provocada, como detalha o psiquiatra.
“Enquanto os pensamentos comuns aparecem de maneira natural, têm conteúdo neutro ou relevante, e não causam desconforto, os intrusivos surgem frequentemente sem relação com o contexto, trazendo ideias angustiantes, estranhas ou contrárias aos valores da pessoa”, destaca Nardi, que também é membro da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP).
Ansiedade, medo e culpa são alguns dos sentimentos que tomam conta de quem apresenta o problema, especialmente quando envolve questões sensíveis ou que confrontam valores do indivíduo.
“Ao contrário dos pensamentos normais, que vêm e vão com facilidade, os intrusivos tendem a se repetir, especialmente quando a pessoa tenta suprimi-los. A diferença não está apenas no conteúdo do pensamento, mas também no impacto emocional e na sensação de falta de controle”, pontua o psiquiatra.
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Associação com outros transtornos
Os pensamentos intrusivos podem surgir na mente de qualquer pessoa, com ou sem a presença de outros transtornos mentais. Geralmente eles vêm acompanhados de situações de estresse, fadiga ou experiências marcantes. Em geral, tendem a desaparecer sem causar danos.
“É um fenômeno normal, qualquer pessoa pode ter, mas quando há um nível elevado de intensidade e de sofrimento e uma persistência por longo, podemos identificar um problema”, pontua o psicólogo Maycon Torres, vice-coordenador do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal Fluminense (UFF).
Vale destacar que também é comum observar a ocorrência da situação em parte dos indivíduos com outras condições mentais, como os transtornos obsessivo compulsivo (TOC), de estresse pós-traumático (TEPT) e de ansiedade generalizada (TAG).
No caso do TOC, por exemplo, a encrenca pode induzir compulsões e comportamentos repetitivos, como se fosse uma tentativa de se livrar das ideias incômodas.
O professor da UFRJ acrescenta que, no quadro de ansiedade, costumam se manifestar como preocupações excessivas e difíceis de controlar.
“No transtorno de pânico, aparecem como medos repentinos de morte, doenças ou perda de controle. E, nas fobias, surgem como imagens ou cenários de fracasso, vergonha ou catástrofe ligados ao objeto associado ao medo”, comenta Nardi.
Quando buscar ajuda?
Os pensamentos intrusivos passam a ser um problema que requer ajuda especializada quando se tornam frequentes, persistentes e difíceis de controlar, gerando sofrimento emocional significativo ou prejuízo na vida cotidiana.
“Isso acontece quando essas ideias começam a atrapalhar o sono, a concentração, o desempenho no trabalho ou nos estudos, ou ainda quando levam a evitar situações e pessoas por medo de que retornem”, afirma Nardi.
Outro sinal de alerta é quando a pessoa cria rituais, repetições ou estratégias rígidas para tentar neutralizar as intrusões, mas sem sucesso duradouro.
“Também merece atenção quando os pensamentos têm conteúdo muito angustiante, como ideias de agressividade, contaminação, catástrofe ou até de autoagressão”, pontua o psiquiatra.
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O manejo dos pensamentos intrusivos combina psicoterapia, medicação em parte dos casos e mudanças no estilo de vida. A terapia cognitivo-comportamental é uma das mais eficazes, ajudando a identificar e lidar com os pensamentos. E isso não quer dizer necessariamente que eles irão embora.
“Abordagens como a terapia de aceitação e compromisso e o mindfulness também favorecem a observação dos pensamentos sem se prender a eles. Na prática, recomenda-se não tentar suprimir os pensamentos, mas aceitá-los como eventos passageiros, usando técnicas de respiração, relaxamento e engajamento em atividades significativas para reduzir a ruminação”, explica Nardi.
Sono regular, atividade física e controle do estresse ajudam a diminuir o aparecimento do problema, tornando o tratamento mais eficaz quando há acompanhamento especializado.
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Fonte.:Saúde Abril