A pandemia de covid-19 ensinou amargamente ao mundo que estar de olho nos vírus é uma questão de sobrevivência para a humanidade. Afinal, um micro-organismo até então desconhecido pode, de repente, começar a se alastrar e armar uma crise sem precedentes.
É com esse risco no horizonte que redes de pesquisadores vêm trabalhando para se antecipar à emergência e à disseminação de patógenos potencialmente perigosos. Uma delas é a Abbott Pandemic Defense Coalition, um grupo com mais de 20 entidades científicas que busca flagrar novos surtos ou mesmo agentes infecciosos.
Junto a pesquisadores brasileiros, a coalizão acaba de identificar, pela primeira vez no país, que um vírus até então restrito a infecções gastrointestinais e respiratórias – o picobirnavírus – é capaz de acessar o sistema nervoso e causar uma encefalite. O caso foi observado e revelado em uma criança hospitalizada no Brasil e publicado em um periódico internacional.
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Trabalho de detetive viral
Os cientistas ligados à coalizão no Brasil rastreiam rotineiramente amostras microbiológicas de pacientes com doenças graves, incluindo infecções do sistema nervoso, como encefalite e meningite. Quando se descarta a presença de agentes mais comuns por meio dos exames tradicionais, os estudiosos podem lançar mão de uma tecnologia de última geração, o sequenciamento metagenômico.
Diante de uma criança com encefalite sem causa conhecida, um time da USP vinculado à iniciativa mantida pela Abbott recrutou esse maquinário para investigar o que podia estar por trás do ataque ao seu sistema nervoso.
“O inesperado é que a equipe identificou um picobirnavírus, um vírus normalmente associado a doenças gastrointestinais ou respiratórias”, diz Mary Rodgers, uma das líderes de pesquisa da Abbott Pandemic Defense Coalition.
“Encontrá-lo no líquido cefalorraquidiano [aquele que banha o cérebro] de uma criança com infecção do sistema nervoso central amplia os tipos de doenças ligadas ao patógeno”.
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Quão perigoso é o picobirnavírus?
Na natureza, os picobirnavírus podem infectar uma série de animais, caso de répteis, aves e mamíferos como suínos e seres humanos. Em geral, o vírus não representa uma ameaça retumbante à nossa espécie. “A maioria das pessoas sente uma leve virose estomacal quando o contrai”, esclarece Rodgers. “Mas pacientes imunocomprometidos podem apresentar sintomas graves”, completa a pesquisadora.
O problema é que vírus estão em constante evolução. E, de mutação em mutação, podem ganhar maior potencial de transmissão ou agressividade – inclusive atacando novos sítios no organismo.
É por isso que o picobirnavírus e outros tantos patógenos estão na mira da coalizão. “Entre as diferentes cepas de picobirnavírus, surgiu uma nova variante que está associada a doenças respiratórias mais graves”, conta Rodgers. “Ela foi identificada em cerca de 30 pacientes até o momento em três continentes: Ásia, América do Norte e América do Sul”.
A nova roupagem viral foi encontrada naquela criança brasileira com encefalite – uma inflamação do tecido cerebral – cerca de dez dias depois de ela desenvolver uma infecção respiratória. “Isso sugere que essa cepa já está circulando no Brasil”, diz Rodgers.
“Agora precisamos de mais estudos para avaliar a taxa de mutação e transmissibilidade do vírus”, prossegue a pesquisadora da Abbott.
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De olho em surtos
Iniciativas como a coalizão têm muito trabalho pela frente. “Os vírus se movem e mudam rapidamente, e é por isso que precisamos agir ainda mais rápido”, defende Rodgers.
A Ph.D. em ciências biomédicas resume a receita para evitar desastres individuais ou coletivos causados por moléstias infecciosas: “A chave para identificar e gerenciar surtos com sucesso é a combinação de tecnologia, como sequenciamento de última geração, e parcerias entre cientistas para garantir que os patógenos sejam descobertos logo.”
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Fonte.:Saúde Abril