O Partido Liberal (PL) votou favoravelmente em três ocasiões ao projeto de lei 4.566/2021, aprovado no início de 2023 pelo presidente Lula (PT). O texto passou a ser chamado informalmente de “lei antipiadas” devido ao rigor da proposta, que criminaliza a contação de piadas, por humoristas, sobre grupos minoritários.
Apesar de parlamentares do PL – partido que tradicionalmente se posiciona contra medidas que representem censura ou que imponham limitações às liberdades individuais – terem rechaçado a sentença que nesta semana condenou o humorista Léo Lins a oito anos de prisão, a legenda apoiou o projeto de lei durante sua tramitação na Câmara e no Senado.
A primeira aprovação do projeto de lei na Câmara aconteceu em novembro de 2021, quando havia forte comoção por casos de racismo em estádios de futebol. O caso de maior proporção envolveu o jogador Gerson, do Flamengo, que afirmou ter sido alvo de ofensas racistas pelo colombiano Índio Ramirez.
Na ocasião, o Partido Novo foi o único a orientar votação contrária ao projeto de lei. Além dos sete deputados do Novo na época, alguns parlamentares contrariaram seus partidos e votaram contra a proposta – a exemplo de Bia Kicis (PL-DF), Caroline de Toni (PL-SC), Carlos Jordy (PL-RJ) e Diego Garcia (Podemos-PR). Com isso, dos 377 deputados que estavam na sessão, apenas 17 votaram contra a medida.
No entanto, o texto da Câmara apenas tipificava a conduta de injúria racial em local público ou privado aberto ao público de uso coletivo. Foi no Senado que o projeto de lei ganhou traços ainda mais prejudiciais à liberdade de expressão.
Senado criou o conceito de “racismo recreativo”, usado contra Léo Lins
No Senado, o relator do projeto de lei foi Paulo Paim (PT), que fez amplas mudanças no texto. Uma das principais foi a criação do chamado “racismo recreativo”, que passou a enquadrar como crime a contação de piadas sobre quaisquer grupos que possam ser considerados minoritários – esse dispositivo foi usado para aumentar a pena a Léo Lins.
Um dos trechos acrescentados determinou que os crimes previstos na Lei do Racismo passassem a ter as penas aumentadas de um terço até a metade “quando ocorrerem em contexto ou com intuito de descontração, diversão ou recreação” – o que passou a implicar apresentações de comédia.
Também foi acrescentado que se a prática do suposto racismo ocorrer no contexto de atividades artísticas ou culturais destinadas ao público, o autor também será proibido de frequentar esses locais por três anos.
Mesmo com a complexidade do tema, a proposta foi aprovada em maio de 2022 em votação simbólica, ou seja, quando não há contagem nominal dos votos de cada parlamentar. Isso acontece quando há consenso entre as lideranças partidárias, normalmente em temas em que não há oposição relevante.
Único representante do PL a se manifestar durante a votação, o senador Carlos Viana (PL-MG) parabenizou Paulo Paim pelas mudanças. “Quero dar ao senador Paim os parabéns pelo relatório. A proposição melhora e muito o respeito entre as pessoas do Brasil. E aqui quero dizer da minha satisfação em poder apoiar”, disse o senador.
De volta à Câmara, texto também foi aprovado de forma simbólica
Com mudanças significativas vindas do Senado, a proposta voltou à votação na Câmara em dezembro de 2022 e também foi aprovada de forma simbólica. Apenas os deputados Bibo Nunes (PL-RS) e Soraya Santos (PL-RJ) falaram sobre o projeto de lei – ambos em tom favorável.
“A este projeto eu sou totalmente favorável, porque ele esclarece muito bem a injúria racial, principalmente em ambiente coletivo”, disse Bibo Nunes.
Soraya Santos, responsável por manifestar a posição do partido quanto ao projeto, seguiu tom parecido. “O PL encaminha ‘sim’. Queria destacar, deputado Antônio Brito [deputado do PSD-BA, relator do projeto de lei], a importância desse projeto e a generosidade de vossa excelência dando nome às pessoas que construíram o resultado dessa relatoria.”
O ex-deputado Tiago Mitraud (Novo-MG) foi o único a divergir. “O Novo reconhece a gravidade do racismo no Brasil e que devemos ter políticas públicas de enfrentamento a isso. Agora, como um partido que defende veementemente a liberdade de expressão, nós acreditamos que não deveríamos ter crimes de opinião neste país. Não acreditamos que isso deva estar na esfera penal, mas sim na esfera cível”, declarou.
Bia Kicis diz que votação foi marcada às pressas e não houve tempo para debate
Nesta quinta-feira (9), a deputada Bia Kicis falou à Gazeta do Povo sobre o assunto. “Marquei presença nessa sessão, que foi semipresencial, mas não estava presente no horário dessa votação, que foi simbólica, entrou de última hora na pauta e não teve debate. Era dezembro de 2022, depois da derrota de Bolsonaro, e o cenário estava complexo”, disse a parlamentar.
“Tanto é assim que na primeira votação nominal [em 2021] votei contra e cheguei a fazer vários alertas quando o STF equiparou injúria racial a racismo. Considero esse assunto gravíssimo e acho que será revertido com a apresentação de novos projetos.”
Parlamentares da direita subestimaram os riscos do texto, diz Van Hattem
À Gazeta do Povo, o deputado Marcel van Hattem (Novo-RS), líder do partido na Câmara, afirmou que muitos parlamentares que defendem a liberdade de expressão subestimaram os riscos do texto ou, em alguns casos, foram omissos.
“Alguns sequer perceberam o avanço do projeto, enquanto outros temeram críticas por parecerem ‘coniventes com racismo’, o que é uma falsa dicotomia. Defender a liberdade de expressão não significa ser conivente com discursos racistas, mas garantir que o Estado não use a pauta antidiscriminação para calar opiniões legítimas”, diz o deputado.
“O resultado foi a aprovação de um texto com potencial de criminalizar piadas, críticas e até debates públicos legítimos. O principal impacto será o agravamento da censura no Brasil. A criminalização de falas com base em percepções subjetivas, como no caso do humorista Léo Lins, tende a se multiplicar”, prossegue.
Deputados do PL apresentam propostas para anular “lei antipiadas”
Nesta quinta-feira (5), alguns parlamentares do PL apresentaram projetos de lei para sustar as mudanças da “lei antipiadas”. Um dos textos é da deputada Caroline de Toni, que batizou o projeto de lei de “PL Léo Lins”.
“Além de revogar os artigos que estão sendo usados para censurar o humor, o projeto também garante que quem já foi condenado ou ainda está respondendo a processo por conta dessas piadas ou manifestações artísticas serão perdoados. Ou seja: essas pessoas não poderão mais ser punidas, já que a nova lei entende que fazer humor não é crime”, diz de Toni.
Sóstenes Cavalcante, líder do PL na Câmara, e Filipe Barros também apresentaram uma proposta semelhante. “É inadmissível que piadas, ainda que possam soar de mau gosto para alguns, sejam equiparadas a crimes hediondos e levem a penas superiores às aplicadas por crimes contra a vida, a integridade física e a administração pública. Não se trata aqui de defender o teor de qualquer conteúdo específico, mas sim o direito fundamental de que artistas e cidadãos possam se expressar sem medo de repressão penal desproporcional”, disseram os parlamentares na justificativa da proposta.
Fonte. Gazeta do Povo