
Crédito, Prefeitura de Manaus
- Author, Thais CarrançaThais Carrança
- Role, Da BBC News Brasil em São Paulo
Pobreza, extrema pobreza e desigualdade chegaram em 2024 aos menores níveis da série histórica iniciada em 1995, enquanto a renda média dos brasileiros atingiu seu maior patamar em 30 anos, revela estudo inédito do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) publicado nesta terça-feira (25/11).
Entre 1995 e 2024, a renda média mensal por pessoa cresceu quase 70%, de R$ 1.191, para R$ 2.015. O coeficiente de Gini (indicador que mede a desigualdade e varia de 0 a 100, sendo 100 a desigualdade máxima) recuou quase 18%, de 61,5 para 50,4. E a taxa de pobreza extrema caiu de 25% para menos de 5%.
“Os resultados indicam que, no longo prazo, o Brasil melhorou bastante”, destacam Pedro Ferreira de Souza e Marcos Hecksher, do Ipea, autores do estudo.
Os dados, obtidos a partir da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), revelam, porém, que essa melhora dos indicadores sociais não foi contínua ao longo dos anos.
Ela foi concentrada em dois períodos: de 2003 a 2014 e entre 2021 e 2024, tendo sido interrompida pela crise econômica de 2014-2015 e pela pandemia.
Souza e Hecksher buscaram analisar, então, quais foram os principais fatores por trás da surpreendente recuperação dos indicadores sociais no pós-pandemia.
Isso apesar de esses programas representarem uma parcela muito menor do Produto Interno Bruto (PIB, soma de todos os bens e serviços produzidos pelo país) do que o mercado de trabalho. Para os pesquisadores, isso revela que a expansão do Bolsa Família nos últimos anos deu resultado.
“Teve o Auxílio Emergencial e o Auxílio Brasil [durante o governo de Jair Bolsonaro], depois o Bolsa Família foi recriado [em 2023, sob Lula], mantendo esse orçamento grandão, que hoje acaba sendo objeto de polêmica, porque virou um programa caro”, observa Pedro Ferreira de Souza, em entrevista à BBC News Brasil.
Em 2025, o Bolsa Família teve orçamento de R$ 158 bilhões, atrás apenas dos gastos com Previdência Social (R$ 972 bilhões) e saúde e educação públicas (R$ 245 bilhões e R$ 226 bilhões, respectivamente), segundo a Lei Orçamentária Anual.
“Como pesquisadores, nós passamos anos escrevendo que o grande gargalo do Bolsa Família era seu orçamento pequeno. Agora, ele tem um orçamento grande, então nossa grande pergunta era: será que está dando resultado?”, conta o pesquisador. “E a nossa conclusão é inequívoca que sim.”
Segundo Souza — um dos maiores estudiosos da desigualdade no Brasil, autor do livro Uma História da Desigualdade: a Concentração de Renda entre os Ricos no Brasil – 1926-2013, vencedor do Prêmio Jabuti em 2019 —, isso é muito importante porque, com a expansão do Bolsa Família, aumento do número de famílias beneficiárias, mudanças de regras e até de nomes do programa ao longo dos últimos anos, havia o risco de ele ter se desvirtuado, perdendo a focalização nas famílias mais pobres. Mas os dados mostram que isso não aconteceu.
“Então, de fato está aí uma coisa que o Brasil sabe fazer: essa política assistencial de transferência de renda para as famílias”, diz Souza.
“Claro que tem problemas, mas foram muitos avanços e vemos que estamos gastando muito dinheiro, mas também está tendo muito retorno em termos de redução da pobreza.”
Entre 2019 e 2024, as transferências do Bolsa Família e do Benefício de Prestação Continuada (BPC, benefício pago a idosos e pessoas com deficiência de baixa renda) cresceram 135%, descontada a inflação do período, destacam os pesquisadores. Em termos relativos, os gastos aumentaram de 1,2% para 2,3% do PIB.
O Bolsa Família passou de 13,8 milhões de famílias beneficiárias na média em 2019, para mais de 20 milhões no começo deste ano — número já reduzido a 18,6 milhões em novembro, após a saída de famílias devido a aumento de renda e um pente-fino feito pelo governo.
O valor mínimo do benefício também foi ampliado, de R$ 400 ao fim do governo de Jair Bolsonaro (PL), para R$ 600 sob o terceiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Atualmente, são elegíveis ao programa famílias com renda por pessoa de até R$ 218 por mês — atual linha da pobreza oficial.
Melhora dos indicadores deve arrefecer à frente
Souza, do Ipea, observa que a melhora dos indicadores sociais entre os anos 2021 e 2024 foi fruto de um período de muito estímulo fiscal, o que guarda semelhanças com o ciclo anterior de redução da pobreza e da desigualdade, nos anos 2000.
“Vemos que, nos momentos em que há condições de ter uma política fiscal mais expansionista, é quando esses indicadores melhoram no Brasil”, observa o pesquisador, destacando que ambos os períodos de melhora dos indicadores foram marcados pelo mercado de trabalho aquecido para trabalhadores com menor qualificação, que sofreram particularmente com a crise de 2014-2015.
Souza pondera, porém, que isso coloca uma incerteza à frente, posto que o ciclo de expansão do Bolsa Família já acabou, pois não há mais espaço fiscal para novo crescimento.
Com isso, a melhora dos indicadores deve perder força nos próximos anos, mas é preciso garantir que ela continue, ainda que mais lenta, defende o pesquisador.

Crédito, Helio Montferre/Ipea
“O xis da questão é o seguinte: como conseguir nos próximos anos manter o mercado de trabalho aquecido, especialmente para esses trabalhadores com menos qualificação e que tiveram muita dificuldade de inserção no mercado de trabalho na década passada”, diz Souza.
Para o pesquisador, a chave será equacionar a questão fiscal de maneira suave, de forma a evitar uma nova crise ou pressões inflacionárias devido ao descontrole das contas públicas. Isso também permitiria a queda dos juros e retomada dos investimentos, fundamental para a geração de postos de trabalho em setores como a construção civil, que emprega muito, diz o pesquisador.
Apesar da proximidade das eleições de 2026, Souza não vê risco de o país eleger alguém que queira fazer cortes orçamentários muito bruscos no próximo mandato — a exemplo de Javier Milei na Argentina ou do candidato de direita radical chileno José Antonio Kast, que promete um drástico ajuste fiscal de US$ 6 bilhões (quase R$ 32 bilhões), se eleito.
“[O Brasil] é um país ainda muito desigual, em que boa parte da população tem muitas carências ainda, não só de renda, mas de serviços públicos”, diz Souza.
“Nesse contexto, sempre é difícil fazer ajuste fiscal. Qualquer ajuste fiscal é muito difícil de obter consenso. Há um motivo para ser tão difícil e estarmos essencialmente há 30 anos nesse debate, desde o fim da hiperinflação.”
Nesse cenário, Souza aposta não em reformas radicais nos próximos anos, mas em mudanças incrementais. Ele cita como exemplos recentes o programa Pé de Meia, que pode ter impacto positivos nos indicadores educacionais nos próximos anos; a reforma tributária, que deve ter uma política de cashback para os mais pobres com efeitos positivos para a desigualdade; além da reforma do Imposto de Renda, com impactos esperados principalmente para o topo da distribuição de renda.
“Não vai ser uma revolução, nada é. Mas o que me deixa assim, moderadamente otimista — e eu sou uma pessoa bem pessimista — é essa ideia de que pelo menos a gente vê iniciativas que, se tudo der certo, elas podem atuar em conjunto.”
Souza destaca ainda que o levantamento publicado agora pelo Ipea foi feito com base apenas em pesquisas domiciliares, que têm algumas limitações metodológicas, como não captar bem a renda do topo e os impactos plenos das transferências de renda.
Os pesquisadores optaram por usar esse dados, porém, por serem a forma mais acessível de fazer um levantamento mais atual, já que os dados de Imposto de Renda da Receita Federal, que permitem ver melhor a renda do topo, são divulgados tardiamente e com muitas restrições de acesso.
Assim, o pesquisador avalia que, nos próximos anos, quando esses e outros dados do IBGE, como a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) 2024-2025, estiverem disponíveis, será possível ter um quadro ainda mais completo da evolução da renda, pobreza e desigualdade no Brasil.
Gráficos por Laís Alegretti, da Equipe de Jornalismo Visual da BBC News Brasil
Fonte.:BBC NEWS BRASIL


