Em novembro de 2010, câmeras de televisão gravaram, do alto do helicóptero, a fuga de traficantes armados com fuzis na serra da Misericórdia, região de mata da Vila Cruzeiro, uma das favelas do complexo da Penha, na zona norte do Rio de Janeiro.
A imagem rodou o mundo e se transformou em um dos retratos do projeto das UPPs (Unidades de Polícia Pacificadoras), que despontou naquela década.
Quinze anos depois, a serra da Misericórdia é um dos locais com o maior número de corpos encontrados depois da megaoperação desta terça-feira (28).
O governador Cláudio Castro afirmou que o deslocamento do confronto com traficantes para áreas de mata foi uma estratégia. “Foi pensado para que a população sentisse o mínimo possível”, afirmou, em entrevista coletiva na terça.
Segundo o secretário da PM, coronel Marcelo Menezes, o Bope (Batalhão de Operações Policiais Especiais) fez uma espécie de muro: policiais caminharam até a serra da Misericórdia e cercaram os suspeitos para a mata, onde havia outro grupo do Bope aguardando.
“O que a gente fez de diferente nessa operação foi a incursão de homens do Bope na área mais alta da montanha, (…) criando o que a gente chamou de muro do Bope, ou seja, policiais incursionados nessa área, fazendo com que os marginais fossem empurrados”, disse.
A serra da Misericórdia tem pouco mais de 300 mil metros quadrados e reúne maciços que variam entre 100 metros e 200 metros de altitude —o Alemão fica a 167 metros de altitude, e a Penha a 111 metros.
Com vegetação de reflorestamento, a serra cobre os bairros de Tomás Coelho, Engenho da Rainha, Vicente de Carvalho —onde está o morro do Juramento —, Penha e complexo do Alemão. As duas últimas localidades formam a região onde aconteceu a operação.
A região da mata dos dois complexos é usada por traficantes do Comando Vermelho para fuga, esconderijo, e também é a região onde é realizado o chamado tribunal do tráfico, prática de assassinatos sob ordens de líderes locais.
Moradores também usam a serra da Misericórdia. Coletivos locais atuam com agricultura orgânica na região, com hortas coletivas.
Nos últimos anos, traficantes passaram a investir no uso de roupas camufladas, como as da polícia e das Forças Armadas, para monitorar e se esconder na vegetação. Familiares ouvidos pela Folha sob reserva afirmaram que alguns mortos usavam esses uniformes.
Por causa do combate na mata, muitos familiares que se comunicavam com os suspeitos por meio de mensagens por celular perderam o contato, já que a área não tem sinal. Outros conseguiram encontrar corpos através da localização dos aparelhos.
O secretário de Polícia Civil, Felipe Curi, disse também que havia suspeitos camuflados.
“Ele estavam na mata, nós temos imagens deles paramentados, com roupas camufladas, com coletes balísticos, portando essas armas de uerra. Aí apareceram vários só de cueca, ou só de shorts. Temos imagens de pessoas que retiraram esses corpos da mata e colocaram em via pública tirando a roupa desses marginais”, afirmou em entrevista coletiva nesta quarta-feira (29).
Ao longo da tarde e noite de terça e madrugada de quarta, moradores, com apoio de mototaxistas, foram até a mata buscar os corpos. Dezenas deles foram levados a uma praça na Penha, onde foram enfileirados.
A Polícia Civil foi procurada para comentar por que os corpos encontrados por moradores nesta quarta não foram retirados do local, mas não houve resposta.
Colaborou Francisco Lima Neto
Fonte.:Folha de S.Paulo


