Perdi minhas mãos em Belém
E meus olhos em Roma
Cresci e a vergonha aprendi
Por ali por Nova York
Perdi minha língua em Paris
Meu tempo em Saigon
Meu sorriso em Bissau
Mas meu coração sempre foi do mundo
Perdi a fé em Pristina
Um conhecido em Bancoc
Um mal amor em Lisboa
Um copo de mezcal em Oaxaca
O mau humor em Beagá
E a arte em Mascate
Em Madri nasceu a coragem
Mas o céu nasceu em Buenos Aires
Em Timbuktu eu chorei
Em Rishkesh mergulhei
Salvei-me de mim em Salvador
No Atacama me reconectei
Em ruas escuras
Em dunas iluminadas
Viajo atrás da pureza
Será que está em Marrakech?
Não sou santo, sou abençoado
Coleciono muitas relíquias
E espalho pedaços de mim
Para me sentir parte do mundo
E levar partes do mundo em mim
Sigo o caminho impossível
Conecto destinos incertos
Para ver o céu dançar em Alta
Nadar nu na Chapada dos Guimarães
Em São Tomé ganhei um mamão
Um tapa em Papua-Nova Guiné
Vi Giverny em Okinawa
O Arco do Triunfo em Bucareste
Guernica no Prado
Olafur em Reykjavik
Vi a ponte de Hadid em Abu Dhabi
O museu de Calatrava no Rio
Segurei tochas em Goiás Velho
Pérolas em Hong Kong
Provei bricelets em São Cristóvão
Percebes em Estoril
Uma sopa de gordura em Baku?
E um sorpatel em Goa?
Amigos fiz por todo lado
Gabriela em Cefalônia
Montron no Fogo, Cabo Verde
Fakasoa em Funafuti
Kasakorn em Luang Prabang
Rohan em Udaipur
Amélia em Maceió
Pedrão em Cascais
Ismail em Istambul
De todos tenho um pedaço
De cada um, uma relíquia
Todos, todos viajantes
Saindo e entrando
Bom dia em Maputo
Boa noite em Atins
Bom apetite em Florença
Bons sonhos em Dublin
Essas minhas relíquias, inspirações
A poesia original, de Rosalía
Que há pouco me recebeu no Cristo
Sua voz do Corcovado para o mundo
Sua luz se somando aos faróis
Desses mares eternos e bravos
A eterna canção
Não tem saída
Nem tem perdão
Colunas
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Fonte.:Folha de S.Paulo


