
Crédito, Antônio Cruz/Agência Brasil
- Author, Thais CarrançaThais Carrança
- Role, Da BBC News Brasil em São Paulo
“Acabei largando o ensino médio no segundo ano por não conseguir ir à escola. Era um desafio muito grande ir todos os dias para a escola lutando contra minha ansiedade e depressão“, conta Agatha Barroso Nunes, de 19 anos.
Agatha abandonou o Ensino Médio em 2022, aos 16 anos, após mudar de cidade, de Maringá para a vizinha Sarandi, no Paraná, e ser matriculada numa escola que estava prestes a se tornar cívico-militar.
Jovem trans, ela conta que teve dificuldade de se adaptar à nova escola, após desentendimentos com colegas, por ter um posicionamento mais progressista.
“Eu passava muito mal sempre que ia para a escola, e acabei só parando de ir. Minha mãe ficou muito irritada comigo na época, mas foi isso.”
Assim como Agatha, um em cada quatro jovens brasileiros com idade até 19 anos ainda não concluiu o Ensino Médio.
A taxa de conclusão tem avançado nos últimos anos, passando de 54,5% em 2015, para 74,3% em 2025.
Mas o patamar permanece abaixo do índice de conclusão do Ensino Fundamental até 16 anos, que era de 74,7% em 2015 e passou a 88,6% no dado mais recente, mostra estudo do instituto Todos Pela Educação, com base em dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua e do seu Módulo Educação, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
O levantamento foi divulgado em primeira mão à BBC News Brasil e será publicado nesta segunda-feira (17/11), com objetivo de subsidiar os debates em meio à tramitação do Plano Nacional de Educação (PNE) 2025-2035, que deve traçar os objetivos a serem alcançados no setor na próxima década.
No Brasil, o Ensino Médio só passou a ser uma etapa obrigatória da educação básica oferecida pelo Estado a partir de uma emenda constitucional de 2009, com implementação gradual até 2016.
Além disso, por ser a última etapa da educação básica, o aluno muitas vezes chega ao Ensino Médio acumulando defasagens, observa Manoela Miranda, gerente de Políticas Educacionais do Todos Pela Educação.
Isso inclui lacunas no conhecimento e atrasos na trajetória escolar, seja por reprovações ou por ter começado a estudar tarde. Esse atraso, muitas vezes, contribui para a decisão dos estudantes de abandonar a escola, diz a especialista.
Claudia Costin, especialista em políticas educacionais e ex-diretora global de educação do Banco Mundial, observa ainda que a universalização do Ensino Fundamental no Brasil é recente, tendo sido atingida apenas na primeira década dos anos 2000.
“Então, a escolaridade dos pais desses jovens é muito mais baixa”, observa Costin.
“Isso cria um ambiente familiar que pode prejudicar a aprendizagem, pois pesquisas mostram que até 68% do sucesso escolar de uma criança depende dos anos de escolaridade da mãe. Se os pais não estudaram, não fizeram o Ensino Médio, e a criança começa a repetir de ano, o pai pode, por exemplo, achar que esse jovem não serve para a escola”, diz ela.
“Ou o próprio jovem pode ter essa percepção, se ele recebe repetidas mensagens de que ele não é bom de português, ou não é bom de matemática”, exemplifica.
Apesar disso, Costin destaca que o avanço na taxa de conclusão do Ensino Médio na última década é notável, o que ela credita, em parte, ao avanço do acesso ao Ensino Superior que também tem ocorrido nos últimos anos.
“Está se criando uma cultura de que sim, o jovem pode ir para a universidade, e há a percepção de que há um adicional de salário [para pessoas com Ensino Superior], que é comprovado por pesquisas”, destaca.
Dados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) mostram que brasileiros de 25 a 64 anos que concluem o Ensino Superior ganham, em média, 148% a mais do que aqueles que têm Ensino Médio. Essa diferença é maior do que a média dos países da OCDE, que é de um salário médio 54% maior.
Abismo entre ricos e pobres no ensino médio
Apesar do avanço na taxa geral de conclusão do Ensino Médio no Brasil, um abismo ainda separa ricos e pobres neste nível de ensino.
Entre os 20% mais ricos, a taxa de conclusão passou de 85,2% em 2015, para 94,2% em 2025.
Já entre os 20% mais pobres, o avanço foi de 36,1% a 60,4% no mesmo período.
Assim, a diferença entre os dois grupos diminuiu, de 49,1 pontos percentuais (p.p.) em 2015, para 33,8 pontos no dado mais recente, mas ainda é significativa.
Se nada mudar, levará 23 anos para que ricos e pobres tenham a mesma chance de concluir o Ensino Médio no Brasil, o que só aconteceria em 2048, calcula o Todos pela Educação, em seu estudo.
“Há um abismo entre as oportunidades que as crianças e jovens mais pobres têm no acesso e na permanência [escolar]”, observa Manoela Miranda.
Essa diferença fica explícita quando analisados os motivos que levam pobres e ricos a não concluírem o ensino médio, observa a gerente de Políticas Educacionais do Todos Pela Educação.
Entre os 20% mais pobres, 18% não concluíram o Ensino Médio até os 19 anos porque ainda estavam estudando, ante 3% dos mais ricos, o que reforça o papel do atraso educacional na não conclusão do Ensino Médio na idade certa.
Ainda entre os mais pobres, 8,3% diziam que precisavam trabalhar (ante 2,8% dos mais ricos) e 10,6% que não tinham interesse em estudar (ante 1,5% dos mais ricos).
A necessidade de trabalhar foi o que tirou o recifense Henry Gaudêncio Almeida dos Anjos do Ensino Médio, ainda no primeiro ano.
“Eu trabalho desde os 15, praticamente, mas tive que largar [o ensino médio] quando houve mais necessidade. Eu tinha uns 16, 17”, lembra Henry, hoje com 21 anos e o mais velho de três irmãos.
“Eu estudava em escola técnica, que era integral. E, na época, não existia esse Pé de Meia, toda essa assistência do governo”, afirma, citando o programa federal de incentivo financeiro para estudantes do Ensino Médio, lançado em 2024.
“Com a separação dos meus pais, nossa situação financeira ficou uma coisa completamente distante da realidade que era antes, que era bem mais tranquila. O que me forçou a ter que correr atrás do meu dinheiro. Trabalhei de garçom, bartender, auxiliar administrativo, fiz muita coisa.”

Crédito, Arquivo pessoal
Casos como o de Henry ajudam a explicar porque, na análise por gênero, mulheres superam homens nos índices de conclusão do Ensino Médio, já há muitos anos.
Entre as meninas, a taxa de conclusão passou de 60,4% a 78,5% entre 2015 e 2025, ante 48,6% a 70,2% para os rapazes.
“Quando olhamos para o motivo de não conclusão dos homens, tem muita falta de interesse e homens que precisam trabalhar”, destaca Miranda. “Então há essa expectativa que se tem do homem trabalhar, de prover uma renda em casa.”
“Por outro lado, muitas meninas evadem o Ensino Fundamental e Médio por gravidez precoce ou porque são cobradas por responsabilidades e afazeres domésticos”, diz a pesquisadora, citando entre essas responsabilidades o cuidado com irmãos mais novos.
Desigualdade racial e regional
Analisando por cor ou raça, em 2025, a taxa de conclusão foi de 81,7% para brancos e amarelos e 69,5% para pretos, pardos e indígenas, uma diferença de 12,2 pontos percentuais.
“Isso significa que, mesmo após avanços significativos na última década, os estudantes pretos, pardos e indígenas ainda não alcançaram o patamar registrado por brancos e amarelos em 2018 (73%)”, destaca a equipe do Todos pela Educação, no estudo.
Ao ritmo atual de redução da desigualdade entre os grupos (-0,8 p.p. por ano, em média), a distância só seria eliminada em 2041, calculam os pesquisadores.
“Por outro lado, com o aumento no acesso [de pretos, pardos e indígenas] à universidade, isso constrói modelos para esses adolescentes”, diz Claudia Costin.
“Quer dizer, se meus primos começam a concluir universidade, tem alguma coisa aí de positivo que pode acontecer comigo, né? Assim, a taxa de conclusão [do Ensino Médio] para pretos, pardos e indígenas vem avançando mais do que a de renda por motivos em parte compreensíveis.”
Por fim, a análise por regiões mostra uma aceleração das taxas de conclusão nas duas regiões que partiram de patamares mais baixos: o Nordeste, que passou de 63,6% em 2015 para 84,8% em 2025, e o Norte, que evoluiu de 66,5% para 82,5% no mesmo período.
No Nordeste, Costin destaca o avanço do ensino de tempo integral em Estados como Pernambuco, Paraíba e Ceará como fator que favoreceu a melhora da aprendizagem e dos índices de conclusão.
Já no Norte, ela destaca iniciativas como a criação dos centros de mídias no Amazonas, para levar aulas transmitidas via satélite para populações ribeirinhas que vivem em áreas de baixíssima densidade populacional. Essa iniciativa foi posteriormente replicada por outros Estados.
Apesar do forte avanço, Norte e Nordeste seguem com taxas de conclusão do ensino médio até os 19 anos inferiores ao Sudeste (92,7%), Centro-Oeste (91,9%) e Sul (88,4%).
Como mudar esse quadro
Mas o que fazer então, para acelerar as mudanças que já vêm acontecendo nos índices de conclusão do Ensino Médio e garantir que mais pessoas possam acessar as universidades ou entrar para o mercado de trabalho com um nível melhor de qualificação, garantindo melhor renda?
Claudia Costin defende o avanço do ensino de tempo integral, tanto no Ensino Médio, como no Fundamental.
Atualmente, a modalidade representa 24,2% e 19,1% das matrículas de cada uma dessas etapas, respectivamente, segundo dados do Censo Escolar 2024.
Apenas com mais horas de aulas é possível incluir na jornada do aluno tempo para recuperar conteúdos que eventualmente ficaram defasados, diz Costin, garantindo o conhecimento adequado para cada série e a continuidade da trajetória escolar do estudante no tempo correto, posto que tanto a repetência, quanto as lacunas de aprendizagem são fatores que aumentam o abandono escolar.
“Ao mesmo tempo, temos que melhorar a atratividade da carreira de professor, formar melhor esse professor para sua prática”, defende.
Costin destaca ainda a importância de iniciativas como o Programa Pé de Meia, que nos próximos anos deve ter impacto positivo em reduzir o índice de evasão pela necessidade de trabalhar, acredita.
“Só conseguimos universalizar o acesso ao Ensino Fundamental quando começamos a pagar o Bolsa Família, porque havia uma condicionalidade: a criança tem que ter frequência escolar”, lembra. “O Pé de Meia complementa esse dinheiro, criando uma poupança para o aluno.”
Pelas regras do programa, alunos matriculados no Ensino Médio recebem R$ 200 mensais, mais R$ 1 mil a cada ano concluído e um adicional de R$ 200 se prestarem o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), que só podem ser retirados da poupança após a formatura no ensino médio.
Ao fim de 2024, o programa já beneficiava 3,95 milhões de estudantes, segundo dados do governo federal, representando 50,6% das 7,8 milhões de matrículas registradas no ensino médio naquele ano.

Crédito, Divulgação/MEC
Manoela Miranda, do Todos pela Educação, destaca ainda o Novo Ensino Médio, cujas regras vão se tornar obrigatórias em 2026.
Entre as principais mudanças estão a ampliação da carga horária diária, de quatro para cinco horas, e a introdução dos chamados itinerários formativos, com matérias optativas que podem ser escolhidas pelo aluno de acordo com seus interesses.
“A possibilidade de o jovem escolher esse caminho que ele quer trilhar, que faça sentido pra vida dele, pode ajudar o jovem a ficar na escola. Ele vê essa conexão com o mundo do trabalho, com a vida dele”, acredita Miranda.
Uma nova esperança
Para Agatha e Henry, o abandono do Ensino Médio não foi o fim de suas trajetórias escolares.
Isso porque, após deixarem a escola, ambos prestaram o Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e Adultos (Encceja), prova que certifica a conclusão do ensino fundamental e médio, voltada para jovens e adultos que não concluíram essas etapas na idade certa.
Agatha prestou a prova este ano e está confiante em ser aprovada, quando os resultados do exame forem divulgados no dia 15 de dezembro.
“Sempre foi bem ruim procurar emprego e ver que, para algumas vagas, precisava de ensino médio concluído. Então me formar me deixa bem mais aliviada”, diz a paranaense. “É bem libertador.”
Já Henry conseguiu se formar pelo Encceja em 2023 e, no mesmo ano, foi aprovado em Direito pelo Programa Universidade Para Todos (Prouni). Com isso, começou a estagiar na área e depois conseguiu emprego num cartório, como jovem aprendiz.
Atualmente, está cursando Odontologia, após mudar de curso, e conta com orgulho que ficou em primeiro lugar ao apresentar trabalho num congresso da área.

Crédito, Arquivo pessoal
“Eu acredito que todo mundo pode sim conquistar espaços melhores, lugares melhores. Eu tenho isso para mim de uma forma muito viva”, diz o pernambucano.
“Por conta da qualidade de vida que eu tenho hoje, a partir do momento que eu consegui conquistar esses espaços com o estudo. Hoje, por exemplo, se eu tenho vontade de viajar para algum lugar, de passar um final de semana fora, eu posso.”
“Poder simplesmente até comprar um lanche, coisa que antes eu não tinha [essa condição]. Isso o estudo me proporcionou. Ainda é muito pouco, mas já é alguma coisa. E é uma perspectiva de que tudo melhore.”
Fonte.:BBC NEWS BRASIL


