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14 de outubro de 2025

Por que evangélicos empunham a bandeira de Israel – 14/10/2025 – Cotidiano

Por que evangélicos empunham a bandeira de Israel – 14/10/2025 – Cotidiano

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Imagem comum em manifestações políticas no Brasil recente, cristãos balançando a bandeira de Israel —Estado-nação do povo judeu— podem soar como algo contraditório ou discrepante.

Para especialistas, contudo, esta convergência ideológica de base religiosa tem nome: é o sionismo cristão.

Trata-se de uma visão fundamentalista que, por fiar-se nos textos bíblicos do Antigo Testamento —comuns ao judaísmo e ao cristianismo– que exaltam o povo judeu como o escolhido por Deus para a Terra Prometida, no Oriente Médio, advoga em prol dos israelenses.

“Os sionistas cristãos estão fundamentados na crença de que o povo judeu tem o direito de possuir e habitar [aquela] a terra por concessão divina, uma vez que ela teria sido prometida por Deus e isso está registrado na Bíblia hebraica”, diz à BBC News Brasil a teóloga e socióloga Brenda Carranza.

Ela é professora de Antropologia da Religião na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e pesquisadora no grupo Sionismo Cristão no Sul Global.

“Quando pensamos no mundo evangélico pró-Israel, temos de ter claro que estamos falando de uma ação interdenominacional”, completa ela.

“Isso significa que há [entre eles] membros de várias igrejas protestantes, sejam as evangélicas tradicionais históricas, sejam as pentecostais e neopentecostais.”

A socióloga Maria das Dores Campos Machado, autora do livro Política e Religião e professora aposentada na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), diz à BBC News Brasil que “o sionismo cristão é um movimento ideológico transnacional que tem uma dimensão religiosa e outra dimensão política”.

“É um movimento que mobiliza atores sociais cristãos, mas a maioria é evangélica, em apoio a Israel”, afirma.

Esse apoio cristão a Israel é fundamentado pela ideia conhecida de dispensacionalismo.

Trata-se de uma cosmovisão bíblica que, em seu sistema teológico, pressupõe que a Bíblia deve ser lida e interpretada literalmente, para que as profecias sobre Israel se refiram a um futuro cumprimento literal e terrestre para a nação de Israel.

“Se no início do século 20 o pensamento dispensacionalista justificava esse apoio, com a expectativa de que o retorno dos judeus à Terra Santa era uma fase imprescindível para a segunda vinda de Cristo, o desenvolvimento de novas teologias […] iria fornecer novas ideias para o apoio ao Estado de Israel nas mais diversas situações”, diz Machado.

“Nesse sentido, é um apoio com base em ideias religiosas, mas que tem consequências políticas.”

Professor na Universidade Presbiteriana Mackenzie, o historiador e teólogo Gerson Leite de Moraes entende que essa leitura de que “Israel de hoje é a Igreja”, no sentido de “povo de Deus”, é uma interpretação que “contraria todo o Novo Testamento”.

“Mas do ponto de vista histórico, o sionismo cristão nasce graças a essa interpretação que se encontra com o fundamentalismo religioso do século 20 e ganha uma roupagem política prática com a ascensão da extrema-direita no mundo”, afirma à BBC News Brasil.

‘Legitimidade divina’

Carranza entende esse grupo como um movimento político, “porque ele está ligado a uma causa política de sionismo”.

Afinal, para esses militantes, Israel tem o legítimo direito, por ordem “divina”, de ocupar o território, a despeito de muitos debates contemporâneos sobre a necessidade ou não de que a área seja dividida com outras populações, como a nação palestina.

“O sionismo e o sionismo cristão têm origem bíblica: é a crença religiosa do retorno à cidade de Davi, atrelada a uma terra, a Terra Prometida”, diz a socióloga Carranza.

O sionismo nasceu em meados do século 19 e acabou constituindo a base que justificou a criação do Estado de Israel em 1947. Vítimas de antissemitismo crônico, judeus principalmente do centro e do leste europeu passaram a se articular em busca de um retorno à terra a qual historicamente estavam ligados.

O termo foi cunhado em um debate público ocorrido em Viena em janeiro de 1892. Sião remete ao nome de uma das colinas que cercam a Terra Santa – durante o reinado de David, antigo rei de Israel, o nome se tornou sinônimo de Jerusalém. Por isso, em textos bíblicos, muitas vezes os israelitas são chamados de “filhos de Sião”.

Do fim do século 19 até o início da Segunda Guerra Mundial, houve 21 congressos sionistas para discutir a criação de Israel. “O que não há consenso nem entre os sionistas, nem entre os sionistas cristãos, nem mesmo entre o povo judaico, é a maneira como se faz essa apropriação territorial geográfica do território palestino”, ressalta Carranza. “Ali não vivem só pessoas que representam o povo judaico. Vivem árabes muçulmanos, árabes cristãos evangélicos e árabes cristãos católicos.”

Machado lembra que este é o principal problema: desconsiderar as demais populações. “[O sionismo cristão] é um sentido preso a um passado mítico que é bastante problemático, pois exclui ou desconsidera os palestinos”, comenta ela.

Para pesquisadores como Carranza, o principal ponto de diferença entre os sionistas e os sionistas cristãos está no embasamento. Porque enquanto os sionistas partem da base histórica – ainda que uma base profundamente amalgamada pela religiosidade -, os sionistas cristãos são em prol do Estado judaico por motivação “claramente religiosa”.

“Os sionistas cristãos não adotam uma perspectiva histórica”, argumenta Machado. “A criação do moderno estado de Israel é vista como um sinal de que a profecia esta se cumprindo e como uma fase imprescindível para o retorno de Jesus Cristo. Para eles, o Estado de Israel se confunde com o imaginário bíblico. Os interesses contemporâneos dos israelenses e a geopolítica de Israel não são analisados do ponto de vista histórico e/ou social, mas como posições legítimas a serem referendadas.”

Nesse sentido, o retorno à chamada Terra Prometida tem contornos, portanto, de uma realização de uma promessa divina.

Historicamente, o hoje chamado sionismo cristão se tornou mais forte no meio protestante – uma ideia que se propagou nas reformas religiosas do século 16.

“Todo protestante tem uma simpatia natural por Israel porque ele [o religioso protestante] é um leitor da Bíblia e, ao ler a Bíblia, ele se encontra com os símbolos judaicos, com a história dos judeus”, contextualiza Moraes.

Quando a Bíblia passou a ser traduzida para as línguas vernáculas, permitindo que fiéis lessem as escrituras por conta própria, interpretações antes restritas a círculos eruditos começaram a ganhar o público.

Entre os puritanos ingleses, por exemplo, uma leitura literal das profecias do Antigo Testamento ganhou força: a convicção de que os judeus, um dia, voltariam à Terra Prometida. Para muitos, esse retorno não seria apenas um evento histórico, mas uma condição necessária para a segunda vinda de Cristo.

Essa crença contrastava com a visão predominante por séculos no cristianismo, conhecida como teologia da substituição, segundo a qual a Igreja – ou seja, a própria comunidade cristã —teria assumido o lugar de Israel como povo eleito de Deus.

Os puritanos, contudo, enxergavam as passagens bíblicas de maneira diferente. E, à medida que suas ideias se espalharam, um novo capítulo se abriu: o que começou como especulação teológica foi, pouco a pouco, incorporado a agendas políticas.

Ou seja, se o sionismo judaico, impulsionado por pensadores como Theodor Herzl (1860-1904), encontrava motivação na busca por segurança diante do antissemitismo e de séculos de perseguição, para cristãos sionistas, o objetivo tinha um caráter de preparar o palco para os acontecimentos descritos no Apocalipse, com o retorno de Cristo.

Essa convergência de interesses levou à colaboração prática, apesar de agendas distintas. No fim das contas, ambos os movimentos se fortaleceram mutuamente e contribuíram para a fundação do Estado de Israel em 1947.

“Esse movimento que iniciou com a defesa dos protestantes ingleses para a criação do Estado de Israel, foi se transformando ao longo do tempo e na expansão para o continente americano. Tanto as bases teológicas desse apoio quanto as relações com os judeus foram mudando ao longo do século 20, com os evangélicos norte-americanos tornando-se importantes aliados do Estado criado em 1947”, explica Machado.

A professora aposentada observa que embora também existam católicos sionistas, eles são minoria dentre os cristãos que defendem Israel. “E não são tão ativos politicamente como os evangélicos”, compara. “No Brasil, os sionistas cristãos estão vinculados às igrejas batistas e às igrejas pentecostais, mas no parlamento encontramos políticos católicos defensores do moderno Estado de Israel.”

Governos de direita

Carranza explica que após 1967, com a Guerra dos Seis Dias, “cada vez mais governos de direita” passaram a governar Israel.

Gradualmente, apontam seus estudos, a ideia de “habitar” novamente a Terra Prometida passou significar “uma busca incessante da legitimação religiosa com o verbo possuir”. E os discursos religiosos acabaram se vinculando a ideias conservadoras, “de direita”, nessa toada sionista que agrega cristãos, pontua a pesquisadora.

“Manter o elo religioso é do interesse da Israel contemporânea”, avalia Carranza. “Sobretudo a extrema-direita tem um fervor religioso [sobre a questão], com a ocupação da Terra Prometida legitimada religiosamente por um mandato divino.”

Aí é que entram os cristãos, sobretudo os evangélicos. “Porque está escrito na Bíblia”, frisa Carranza.

No capítulo 51 do livro de Isaías, profeta que teria vivido no século 8º a.C., está prevista essa restauração de Israel.

“Assim, voltarão os resgatados do Senhor e virão a Sião com júbilo, e perpétua alegria haverá sobre a sua cabeça; gozo e alegria alcançarão, a tristeza e o gemido fugirão”, afirma o texto sagrado.

“Porque eu sou o Senhor, teu Deus, que fende o mar, e bramem as suas ondas. Senhor dos Exércitos é o seu nome. E ponho as minhas palavras na tua boca e te cubro com a sombra da minha mão, para plantar os céus, e para fundar a terra, e para dizer a Sião: Tu és o meu povo”, prossegue.

Conforme explica Carranza, isso faz com que cristãos fundamentalistas entendam que “quem abençoa Israel” —o Estado atual, visto como o cumprimento dessa profecia— , mesmo não sendo judeu, “se beneficia dessas bênçãos”.

Por extensão, a pesquisadora diz que há esse entendimento no meio cristão de que “eles [os israelenses] merecem o apoio porque são um povo escolhido por Deus”.

“[Esses cristãos] entendem que se ‘amaldiçoarem’ o governo [atual] de Israel, serão punidos por Deus por não amar o seu povo escolhido”, afirma. “Há aí uma teologia imensa restaurativa. O fundamental é que teologicamente o sionismo cristão é fundamental para manter vivo e efervescente o apoio a Israel, seja no imaginário bíblico, no apoio ao ‘povo escolhido’, seja a partir da experiência geopolítica do atual Estado de Israel, atualmente comandado por um governo de extrema-direita.”

“Estamos falando de uma tendência geopolítica internacional que tenta influenciar políticas para garantir a preservação do Estado de Israel, como ele atualmente se encontra, isso é territorialmente e, independentemente do imaginário bíblico, a manutenção a partir de uma perspectiva de extrema-direita, expansionista”, acrescenta a socióloga Carranza. “Ocupar o território tem uma teologia, mas tem também um projeto de poder colonizador e um projeto de expansão territorial.”

Machado diz que “a extrema-direita mobiliza segmentos religiosos cristãos em vários países” e, no Brasil, evangélicos pentecostais estão entre os principais agentes “responsáveis pela difusão de bandeiras de Israel em eventos políticos”.

“Os políticos que não evangélicos, [por sua vez,] usam a bandeira de Israel para se aproximar do segmento religioso e ampliar sua base de apoio”, diz.

Moraes afirma que “olhar para Israel da Bíblia e pensar que é a mesma Israel de hoje” é um tipo de leitura que “só interessa do ponto de vista político”.



Fonte.:Folha de S.Paulo

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